As Cicatrizes da Herdeira: Um Retorno Vingativo
img img As Cicatrizes da Herdeira: Um Retorno Vingativo img Capítulo 3
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Capítulo 3

Ponto de Vista de Helena Sampaio:

O mundo era um borrão de dor e barulho. Não me lembro do momento exato da minha fuga, apenas fragmentos. Um lapso momentâneo na vigilância deles. Uma onda desesperada e primal de adrenalina. O cheiro de medo velho e do meu próprio sangue. Eu só me lembro de correr. Minhas pernas, em carne viva e sangrando, me carregaram pela escuridão. Minha mente havia desligado, deixando apenas o instinto animal de sobreviver.

Corri até meus pés ficarem dormentes, até as feridas abertas em meu corpo gritarem em protesto, até meus pulmões arderem com os últimos vestígios de ar. Minha visão se afunilou. Eu ia desmaiar. Eu ia morrer.

Então, um som fraco, carregado pelo vento. Música. Um coro de crianças, cantando uma melodia alegre e desafinada. Era uma tábua de salvação na escuridão sufocante, me puxando para frente. Eu forcei para além da dor, para além da exaustão. Sobrevivência. Apenas sobreviver.

Tropecei para fora da mata densa, meu corpo nu coberto de sujeira, sangue e lágrimas frescas. Meu cabelo estava emaranhado, minha pele um mapa de hematomas e cortes. A dignidade era uma memória distante. Tudo o que importava era a luz, o som, a promessa de contato humano.

E então eu o vi. Darek.

Ele estava em um palco improvisado, banhado pelo brilho suave dos holofotes. Uma multidão de moradores, muitos deles crianças, aplaudia educadamente. Krystal estava ao seu lado, seu sorriso perfeito um contraste gritante com meu rosto devastado. Eles estavam realizando um evento de caridade, uma exibição benevolente de generosidade corporativa. Cortando fitas. Apertando mãos. Aceitando elogios.

A ironia era um gosto amargo na minha boca. Ele tinha quatrocentos milhões de reais para investir em algum novo projeto, para desfilar na frente das câmeras, mas nem um único centavo para me salvar. Ele tinha tempo para sessões de fotos e relações públicas, mas não tinha tempo para atender minhas ligações frenéticas.

Ele estava absorvendo a adoração, os elogios, completamente alheio ao horror que acabara de tropeçar em sua narrativa cuidadosamente construída. E eu? Eu estava ali, nua e quebrada, uma aparição grotesca em seu mundo imaculado.

Todos os olhos se voltaram para mim. Os aplausos pararam. Os sorrisos desapareceram. A música alegre morreu. Os holofotes, um por um, giraram, me cegando, iluminando cada uma das minhas feridas, cada centímetro da minha carne exposta. Eu era um espetáculo. Um show de horrores.

O rosto de Darek, que um segundo atrás irradiava charme, ficou gelado. Seus olhos se arregalaram, um lampejo de algo feio passando por eles. Irritação. Repulsa.

Ele caminhou em minha direção, não com preocupação, mas com um andar rígido e formal. "Helena? O que você está fazendo?" Sua voz era afiada, tingida com uma irritação que cortava mais fundo do que qualquer golpe físico.

Minha mente girou. O que eu estava fazendo? Eu estava escapando do inferno. Eu estava correndo para ele. Para meu noivo. Meu suposto protetor.

Eu queria gritar. Queria contar tudo a ele. Mas as palavras ficaram presas na minha garganta. Minha dor, meu sofrimento, minha experiência de quase morte - tudo era um inconveniente para ele. Menos importante que um evento de caridade organizado. Menos importante que uma imagem pública cuidadosamente mantida.

Lágrimas, frescas e quentes, escorreram pelo meu rosto. Lancei-me sobre ele, meus braços se agitando, minha voz um soluço estrangulado. "Darek! Por que você não veio me buscar? Por quê? Íamos nos casar! Eu sou sua noiva!"

Ele recuou. Ele realmente recuou. Então, suas mãos se ergueram, me empurrando para longe. Com força.

Tropecei para trás, a pele em carne viva dos meus pés raspando no chão áspero. A dor era inconsequente. A rejeição, na frente de todas aquelas câmeras, de todos aqueles olhos fixos, era tudo.

"Helena, acalme-se!", ele sibilou, sua voz baixa, mas venenosa. "Do que você está falando? A Krystal tem negociado com os sequestradores. Íamos pagar o resgate. Qual é o seu problema? Você não sabe ficar quieta? Não sabe ser discreta?"

Discreta? Eu estava sendo torturada, Darek. Meu corpo era uma ruína. E ele estava me culpando por não ser discreta.

"Você acha que isso é uma atuação?", engasguei, apontando para meu corpo quebrado. "Quem encenaria isso? Quem faria isso consigo mesmo?"

Ele apenas me encarou, seus olhos desprovidos de calor, de pena, de reconhecimento. O garoto que eu amei. O homem com quem eu deveria me casar. Ele se foi. Substituído por um estranho com olhos frios e calculistas.

Chorei até meus olhos secarem, até minha garganta arder. Ele permaneceu impassível. Seu olhar se desviou para a multidão agora perturbada, para as câmeras piscando. Seu evento de caridade. Minha aparição o havia arruinado.

Um cobertor pesado foi jogado sobre mim. Mãos fortes, não as dele, me puxaram para longe. Longe das luzes, longe das câmeras, longe dele. Fui colocada em um carro que esperava, minha humilhação completa.

            
            

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