O pescoço dela. Eu não pude deixar de encarar. Um chupão recente, escuro e inegável, florescia logo abaixo de sua orelha. O mesmo pescoço que vi na foto do evento de caridade, aquela que transmitia o sucesso compartilhado deles. O mesmo pescoço que havia sido acariciado pelo homem que deveria ser meu noivo.
Uma risada amarga escapou dos meus lábios. "Cuidada? É isso que isso é?"
Ela suspirou, uma exibição teatral de paciência. "Agora, agora, não vamos ser dramáticas. Você passou por um momento difícil. Mas há coisas que você precisa entender. Coisas sobre por que sua família não correu em seu auxílio, por que Darek... bem, por que ele pareceu tão distante."
Minha respiração falhou. "Minha família? Do que você está falando?"
Seu sorriso se alargou, um brilho predatório em seus olhos. "Oh, Helena. Você não se perguntou por que seus pais amorosos, que moveriam céus e terra por você, de repente desapareceram? Por que Darek, o homem que te adorava, de repente pareceu colocar os negócios em primeiro lugar?"
Ela se inclinou para mais perto, sua voz baixando para um sussurro conspiratório. "Acontece, Helena, que você não era exatamente quem pensava que era."
Meu sangue gelou. "O que você está dizendo?"
"Você não é uma Sampaio. Pelo menos, não biologicamente." Ela saboreou as palavras, cada sílaba um dardo envenenado. "Você é um cuco no ninho. Um bebê trocado. A filha verdadeira dos seus pais... bem, ela morreu anos atrás. Um acidente trágico. Eles te mantiveram porque te amavam, claro, mas você sempre foi apenas uma substituta, não é?"
O chão sob mim se dissolveu. Minha identidade. Minha vida inteira. Uma mentira.
"Darek descobriu. Ele recebeu os resultados do teste de DNA poucos dias antes do seu sequestro. Ele não podia seguir com o casamento, sabendo que você não era verdadeiramente parte da família com a qual ele estava se casando. Ele estava tentando se proteger, e o legado dos Sampaio."
Um nó frio e duro se formou no meu estômago. O teste de DNA. A revelação. Meus pais, que sempre foram tão amorosos, tão presentes. Eles haviam fugido. Eles me abandonaram, não apenas para os sequestradores, mas para essa verdade esmagadora.
"Ele contou aos seus pais", Krystal continuou, sua voz desprovida de simpatia. "Mostrou a eles a prova. Isso os destruiu. Descobrir que sua filha biológica estava morta há muito tempo, e que a que eles criaram não era deles... foi demais. Eles não conseguiam te encarar. Ou a ninguém. Então eles partiram. Eles colocaram todos os seus bens restantes em um fundo para você, um ato final de amor complicado, e deixaram para Darek administrar. Para cuidar de você."
A verdade me atingiu como um golpe físico. Meus pais não apenas me abandonaram para os sequestradores. Eles me abandonaram, ponto final. Eles não suportaram a verdade, não conseguiram reconciliar a vida que pensavam ter com a que foi revelada. O dinheiro, não era um resgate. Era um pacote de demissão.
E Darek. Ele havia usado essa informação. Ele a apresentou aos meus pais, sabendo muito bem das consequências devastadoras. Ele pegou a tentativa final e desesperada deles de cuidar de mim, seus 400 milhões de reais, e os incorporou em seu próprio império florescente. Ele não apenas investiu o resgate. Ele investiu minha família, minha identidade, meu futuro.
Enquanto eu era atormentada, espancada, faminta, Darek Garcia, o homem que eu amava, estava subindo a alturas inimagináveis. Ele estava se tornando uma lenda no mundo dos negócios, um visionário que transformou uma crise em uma oportunidade. E eu era a crise. Eu era a oportunidade.
Eu drenei cada lágrima. Meu poço de dor estava seco. Não havia nada além de um desespero entorpecido e vazio. Eu era uma fraude. Uma relíquia descartada.
O carro parou. Estávamos de volta à luxuosa cobertura de Darek.
Ele estava na porta, silhuetado contra as luzes brilhantes da cidade. Eu não conseguia ver sua expressão, mas vi o brilho de algo em seu pescoço. Um pingente. A versão masculina do meu design de videira de prata. Usado por Krystal. Usado por ele.
"Helena", ele disse, sua voz surpreendentemente suave. "Eu não vou te abandonar. Mesmo depois de tudo isso." Ele gesticulou vagamente para o meu corpo machucado. "Mas você precisa entender. Você não tem mais ninguém. Nenhuma família. Nenhuma casa. Você precisa ser esperta. Você precisa ser... obediente."
Obediente.
Encarei-o, o homem que havia sido meu mundo inteiro. Todos ao meu redor - os médicos, a polícia, até mesmo os transeuntes simpáticos - sussurravam sobre sua "generosidade", seu "amor eterno" por me acolher depois de tudo. Eles viam sua oferta como um ato de compaixão.
Mas eu sabia a verdade. Não era amor. Era uma ameaça. Era controle. Eu era um pássaro engaiolado, minhas asas cortadas, meu ninho destruído. Meu destino estava inteiramente em suas mãos.
O medo, frio e paralisante, me envolveu. Eu não tinha para onde ir. Nada em que me apoiar. Minha identidade, minha família, meu futuro - tudo arrancado. Eu estava completa e terrivelmente sozinha.
Então eu assenti. Um pequeno, quase imperceptível aceno de cabeça. Eu seria obediente. Eu aprenderia a ser esperta. Eu sobreviveria.