Ele não acreditou em mim quando jurei que era inocente, quando implorei para que ele visse através da farsa dela. Ele apenas me olhou com aqueles olhos frios e julgadores, um estranho no rosto do homem que eu amava.
Aquela noite, meu vigésimo primeiro aniversário, deveria ser nossa festa de noivado. Em vez disso, tornou-se minha execução pública. Ele me levou ao bloco de leilão, meu corpo cambaleando pelas drogas que Bárbara havia colocado no meu champanhe. Eu vi Bárbara então, aninhada ao lado de Caio, um sorriso presunçoso no rosto. Seus olhos, triunfantes e cruéis, encontraram os meus. Ela havia vencido. Ela havia roubado tudo.
A sala era um borrão de rostos lascivos, um mar de olhos gananciosos me despindo. Minha pele se arrepiou. A voz do leiloeiro ecoou, gelando-me até os ossos. "A primeira noite dela, cavalheiros! Quem será o felizardo?"
Meu coração martelava contra minhas costelas, um pássaro preso desesperado para escapar. Encontrei o olhar de Caio, um apelo silencioso em meus olhos. Por favor. Me ajude.
Ele apenas olhou de volta, sua expressão fria, desprovida de emoção. "Você trouxe isso para si mesma, Clara", ele articulou sem som. "Esta é a sua punição."
Os lances dispararam. Minha dignidade, minha inocência, meu próprio ser, despojados, mercantilizados, vendidos ao maior lance. A vergonha era um peso físico, me esmagando, me sufocando. Eu gritei, um som cru e primitivo que foi abafado pelo rugido da multidão.
Quando acabou, quando o último lance foi dado, algo dentro de mim quebrou. Um fogo se acendeu, não de paixão, mas de uma raiva fria e destrutiva. Vi os rostos dos meus algozes, seus sorrisos triunfantes, e perdi o controle. Peguei uma tocha, alimentada por álcool e fúria, e incendiei o lugar. Eu queria que eles queimassem. Eu queria queimar tudo que me tocou, que me sujou.
As sirenes soaram, uma sinfonia aterrorizante de julgamento. A polícia me prendeu, acusando-me de incêndio criminoso e tentativa de homicídio. Caio, sempre o guardião zeloso, testemunhou contra mim. Ele jurou que eu tentei matar Bárbara, queimá-la viva. A mídia se deliciou com o escândalo, me pintando como uma herdeira desequilibrada, um perigo para a sociedade.
Fui condenada a três anos de prisão. Três anos em uma jaula de concreto, onde aprendi a lutar, a sobreviver, a me tornar tão dura e inflexível quanto as paredes que me confinavam. Minha única tábua de salvação, minha única esperança, era o casarão. A casa dos meus pais. Jurei que o recuperaria. Era a última parte deles que me restava.
Após minha libertação, me encontrei no mundo sujo e implacável do MMA clandestino. Era uma existência brutal, uma luta constante pela sobrevivência. Cada soco, cada chute, cada gota de sangue era pelo casarão. Eu precisava do dinheiro. Precisava comprá-lo de volta antes que fosse perdido para sempre.
Agora, deitada em uma cama de hospital, meu corpo doendo, minha mente um turbilhão de dor e traição, as primeiras palavras que saíram da minha boca foram pelo dinheiro. "O pagamento está garantido? É o suficiente?"
O gerente da luta, um homem corpulento de olhos gentis, se mexeu desconfortavelmente. Ele desviou o olhar, seu silêncio um soco no estômago. Meu coração afundou. Não era o suficiente. Nunca era o suficiente.
Uma risada amarga escapou dos meus lábios. Eu era uma tola. Uma tola ingênua e desesperada. Eu teria que lutar de novo. Mais forte. Mais rápido. Mais brutalmente.
"Me tire daqui", eu disse, tentando me levantar. "Eu tenho que lutar de novo. Eu tenho que ganhar-"
"Clara, pare." A voz do gerente era gentil, mas firme. "Você não pode mais lutar. Você está... você está banida."
Meu cérebro lutou para processar as palavras. "Banida? Do que você está falando?"
Ele suspirou, passando a mão pelos cabelos ralos. "Caio Costa. Ele mexeu os pauzinhos. Disse que se alguém te deixar lutar, eles perderão tudo. Seu nome é veneno agora, garota. Ninguém vai te tocar."
Meu mundo girou. Caio. Era sempre o Caio. Ele não estava apenas tentando me envergonhar; ele estava tentando me quebrar. Me enterrar viva.
O gerente colocou um maço grosso de dinheiro na mesa de cabeceira. "Isso é do Sr. Costa. Para suas... despesas médicas." Ele não encontrou meus olhos. Ele se virou e foi embora, me deixando sozinha na sala silenciosa e estéril.
O ar parecia denso, sufocante. Minha garganta queimava. Cada esperança a que eu me agarrei, cada sonho de recuperar meu passado, se estilhaçou em um milhão de pedaços. O casarão. Tinha se ido.
Saí cambaleando do hospital, o ar fresco da noite cortando minha pele exposta. A chuva caía, fria e implacável, espelhando a tempestade que se formava dentro de mim. Andei sem rumo, as luzes da cidade se confundindo através das minhas lágrimas, até que me encontrei parada em frente a ele.
O casarão. Minha casa. Um farol de calor e amor em um mundo de crueldade fria.
Então, as luzes piscando. A multidão de repórteres. Caio, de pé, alto e imponente, um sorriso predatório no rosto. E ao seu lado, Bárbara, radiante de branco, o braço entrelaçado no dele.
"Tenho o prazer de anunciar", a voz de Caio ecoou, amplificada pelos microfones, "que o histórico casarão da família Guedes foi oficialmente transferido para a Fundação Filantrópica Bárbara Ricci. Bárbara, minha noiva, é a legítima proprietária deste legado. Ela, não Clara, é a verdadeira filha desta família."
As palavras me cortaram, cada uma uma nova facada no coração. Meu legado. Meu nome. Minha casa. Tudo roubado. Tudo transformado em uma zombaria grotesca. Minha visão nadou. Agarrei meu peito, um soluço ofegante rasgando através de mim. O mundo ficou preto.
Ao cair, minha mão instintivamente alcançou meu celular. Um nome brilhou diante dos meus olhos, um amigo esquecido, uma memória distante de bondade. Bruno Rosa.
"Bruno", sussurrei, a palavra um apelo desesperado, "me leve embora. Por favor. Para qualquer lugar, menos aqui."