Passo os dedos pelas têmporas sentindo uma leve enxaqueca, a minha boca está com um gosto horrível. Ouço duas batedelas na porta antes desta ser aberta sem cerimónias, confusa, vejo a silhueta masculina mover-se no quarto escuro, exceto por alguns raios de sol teimosos que adentravam pela fresta das persianas. Ele vai até à janela e abre-as, deixando que a luz invada completamente o quarto.
Eu semicerro os olhos, tentando acostumar-me àquela toda a claridade. Pelos vistos eu não estava na minha penthouse como supus minutos atrás, mas era de se esperar, a minha roupa de cama não cheirava à lavanda.
__ Como está se sentindo?
Ele ocupou uma poltrona perto da cama, o seu olhar repreensor fez-me desviar os olhos para um quadro perto da porta.
__Eu estou desarrumada e ainda não lavei os dentes. Não quero que me veja desse jeito.
Passo os dedos pelos fios embaraçados, tentando torná-los mais apresentáveis.
__Fútil como sempre dolce* Savanah.
Eu senti o ar chegar-me aos pulmões com dificuldade ao ouvi-lo pronunciando lentamente o "doce Savanah", por instantes até me esqueci que ele havia-me chamado fútil. O magnetismo sexual que eu sentia por Antonio começava a crescer cadenciadamente, e isso não me agradava de modo algum.
__ Lembra-se das besteiras que disse na noite retrasada?
O seu tom soara frio, eu naturalmente recusei-me a olhar para o seu rosto, evitando um possível olhar de admoestação.
__Lembro-me apenas de eu ter-me excedido na bebida e de ter vomitado na sua calças. Desculpe-me.
Olho para as minhas unhas pintadas de um esmalte vermelho-cereja, que deveria assemelhar-se a coloração das minhas bochechas nesse momento.
__Você disse que não se importaria de fazer amor comigo à frente dos meus amigos.
Eu revirei os olhos e engasguei-me com a minha própria saliva, incrédula com a sua revelação.
__ Eu sou uma dama! Mesmo embriagada, nunca tê-lo-ia dito isso. Está a aproveitar-se para caluniar-me. Como é baixo Antonio.
Levanto-me da cama possessa de raiva. Ao invés de revidar ele apenas analisa o meu corpo, que no momento encontra-se coberto com uma camisola de cetim verde-esmeralda.
Rapidamente desviou o olhar e soltou um pigarro, mostrando o seu desconforto.
__ Não vai-me dizer que essa camisola é de alguma das suas putas?
Dessa vez ele olha diretamente nos meus olhos.
__ Como se não bastassem todos os defeitos que possui ainda é uma boca suja. Como ousa intitular-se como uma dama?
Encaro-o desafiadoramente.
__Eu não me intitulo, sou uma dama. Fui criada e educada para tal. E não haja como se nunca tivesse pronunciado um palavrão na sua sórdida vida.
Dou-lhe as costas e caminho até um espelho, colado à parede.
__Eu sou um homem e você uma senhorita. É bastante deselegante uma mulher ter a boca suja como a de um marinheiro ou bêbado de buteco.
Sinto uma desenfreada vontade de mostrar-lhe o meu dedo do meio.
__ Você é um machista de merda.__sorriu para ele docilmente.__O que achou desse palavrão?
Antonio levanta-se da poltrona e ajeita o seu paletó.
__Merece que eu lhe dê algumas palmadas na bunda ou lave à sua boca com sabão piccola canaglia*. Arrume-se depressa para tomar o pequeno-almoço.
Ele abandona o quarto sem olhar para trás. Fecho os olhos e respiro fundo antes de abrir a porta perto do guarda-roupa. Como supus era o banheiro.
O cómodo era bastante moderno. Retirei a camisola e joguei-adentro do cesto de roupa suja, localizado atrás da porta. Fiz um coque desajeitado e entrei no box, ligando o chuveiro logo em seguida.
Foi bastante reconfortante sentir aquela água lavando toda a tensão que sentia sobre o meu corpo. Com a água na temperatura ideal entreguei-me ao prazer do banho, derramei o sabonete líquido com cheiro a pêssegos na esponja e massageei o corpo lentamente.
Quando terminei o banho envolvi-me numa toalha branca felpuda. Lavei os dentes e voltei para o quarto na intenção de encontrar o meu vestido jogado em algum canto, mas acabei deparando-me com uma t-shirt branca simples e uma calça jeans igualmente comum sobre a cama. Torci o nariz e encarei a roupa por longos minutos.
Aquele estilo de roupa era muito diferente ao qual eu estava habituada. Fiquei um pouco irresoluta em vesti-la, mas acabei a convencer-me a usá-la, afinal já não tinha outra opção.
Quando me olhei ao espelho quase chorei. Estava trajada em roupas simples e não tinha sequer um gloss cobrindo a minha boca ou um pó para cobrir as poucas sardas que preenchiam o meu rosto.
Abandonei o quarto sem saber ao certo para aonde ir. Eu estava num corredor repleto de portas e retratos de família a preto e branco colados a parede.
__ A roupa coube-lhe muito bem.
Dei um pulo de susto e coloquei a mão ao peito, ao ouvir a voz masculina atrás de mim. Encarei Antonio com uma expressão zangada.
__Eu detestei essa roupa. Duvido muito que seja de marca, aliás a quem pertence?
O homem à minha frente pareceu incrédulo antes da sua feição endurecer.
__Uma das minhas amantes esqueceu-a aqui. Deveria agradecer por ter o que vestir, o seu vestido ficou sujo com o vómito.
Eu cerro os punhos e lanço-lhe um olhar mortífero.
__ Como ousa dar-me roupas da sua amante para eu vestir-me? Você é um grande canalha António! Não tem nenhuma moral!
Soco o seu peito, mas ele não parece sentir dor, rapidamente imobiliza-me contra a parede, deixando os nossos corpos perigosamente perto. Fitei-o, ainda irritada, mas esse sentimento foi se dissipando à medida que ele ia se aproximando. O meu coração pareceu errar uma batida quando Antonio puxou-me pela nuca e uniu as nossas bocas num beijo urgente.
Foi o beijo mais intenso que eu já dei em toda à minha vida. Eu devorava a sua boca e beijava-o com a mesma paixão e a mesma ferocidade com que ele me beijava, Antonio apertou-me contra o seu corpo, fazendo-me sentir a protuberância dura da sua ereção contra a minha coxa. Arfei contra a sua boca quando as suas mãos fortes apertaram as minhas nádegas.
De repente, ele afastou-se, segurando os meus braços com firmeza.
__Você não vai conseguir corromper-me sua sedutora barata.
Eu pisquei confusa, Antonio parecia transtornado, e o seu toque contra a minha pele era bruto.
__ Solte-me, está-me machucando.
Engoli o choro, naquele momento eu estava bastante assustada. Nunca havia visto-o desse jeito. Quando ele se apercebeu do que estava a fazer soltou-me, os seus olhos eram um misto de confusão e arrependimento.
__Saia daqui agora, Savanah! Eu não quero ver você!
Afasto-me dele rapidamente e encaro os meus braços tomados por uma coloração vermelha.
...
Eu andava de um lado para o outro pela sala de visitas da mansão Wayne sob o olhar enfadonho da minha mãe e da minha madrinha, mesmo após eu ter contado-lhes sobre ter sido agredida pelo Antonio elas agiam como se eu estivesse a dramatizar.
__ Eu não quero mais me casar com o Antonio, e se ele ousar agredir-me mais uma vez enquanto estivermos a morar juntos?
A minha madrinha revira os olhos.
__ Isso não vai acontecer Savanah. Julga que se estivesse a correr perigo, nós estaríamos-lhe incentivando a casar-se com o meu enteado? Os homens italianos são muito intensos, querida, mas nunca tocariam dessa forma numa mulher.
Olho para ela indecisa.
__ Deixe-me tirar algumas fotografias nesses braços Savanah, talvez nos venha a ser útil futuramente.
A minha boca fica escancarada diante de tamanha audácia.
__ Não olhe assim para mim querida, precisamos precaver-nos. Nunca se sabe o amanhã.
Tia Dakota solta um pigarro, chamando a minha atenção.
__ E o que achou do beijo dele?... Gostou?
Pergunta com um sorriso tendencioso, provocando uma histérica risada na minha mãe. Pelos vistos eu não poderia contar com aquelas duas loucas.
Quando adentrei o meu apartamento fui surpreendida com inúmeros buquês de rosas-vermelhas.
__Dulce!__ gritei, deixando a chave no aparador.
__Sim, senhora Wayne?
Ela veio até a sala enxugando as mãos num avental com estampa de cheesecakes.
__Quem mandou essas flores?
Ela deu de ombros.
__O entregador não disse quem as mandou, mas deixou um cartão señora. São muito hermosas.__ sorriu minimamente.
Por instantes julguei que seria um pedido de desculpas de mademoiselle Candace ou algum presente de um dos meus admiradores com idade para serem meus pais. Mas, fui tomada de surpresa ao ver que quem as havia mandado foi Antonio.
" Eu quero pedir-lhe desculpas pela forma rude e agressiva como a tratei. Espero que possa perdoar-me!
Atenciosamente, Antonio de Santis"
Amasso o papel e jogo-o ao chão.
__Jogue-as no lixo Dulce.
A mulher fita-me incrédula.
__Mas señora...
Dou-lhe as costas.
__ Jogue-as no lixo!