Capítulo 2 2.

Entendi o sinal que o Vítor me fez e levantei-me para me dirigir a porta de saída do autocarro.

Não sabia o que é que ele estava a fazer aqui mas pensei que depois daquela noite há 28 anos atrás nunca mais o fosse ver, pelo menos tinha essa esperança.

Saímos na paragem.

- Podia dizer-te que era bom ver-te e que esta era a minha paragem mas ambas as coisas seriam mentira. Ao que devo o desprazer de te ver?

- Falando a sério eu não estou a seguir-te mas sim o André, lembras-te do menino? O que perdeu os pais pela tua estupidez?

Nunca me poderia esquecer dele! Em 600 anos da minha existência nunca me tinha sentido tão vazia como após aquela noite! A última noite que também tinha visto o vampiro mor.

Há 28 anos atrás tive a infeliz ideia de ser a ama do filho da Catarina, um menino doce chamado André. A Catarina era uma amiga, a única amiga que sabia quem eu realmente era. Como não consegui desaparecer da vida dela e ela apercebeu-se que eu não envelhecia começou uma espécie de caça às bruxas no sentido bom. O marido dela nunca soube ou se sabia nunca o mostrou.

O André nasceu e recebi o convite para cuidar dele:

- Eu não confio em mais ninguém para tomar conta do meu príncipe do que em ti Branca, sei que és alguém que o protegeria com unhas e dentes- ela mesmo no hospital após ter tido uma criança era doce, um olhar puro, digno de uma professora de artes que era. Riu-se da piada que fez "dentes" claro.

- Só o facto de saberes da minha existência já é mau o suficiente para ti e para os teus sabes disso não sabes? - eu estava genuinamente preocupada, mas tão ansiosa por aceitar lamentava mesmo ter morrido antes de ser mãe, era a única coisa que lamentava sinceramente. Nunca o disse a Catarina mas o André tinha um cheiro peculiar um cheiro que me fez criar uma ligação para sempre.

- Por favor Branca, mesmo quando já não estivermos cá eu sei que vais estar e não há nada que me deixe mais descansada. Pensar isso deixa-me mais leve.

Vi no olhar dela esperança, esperança no filho estar sempre bem, ser sempre feliz. Em 600 anos já tinha passado por muitas coisas mas o olhar de uma mãe era sempre o mesmo: um olhar de felicidade e medo ao mesmo tempo. Eu aceitei e vivi os meus melhores dois anos enquanto vampira.

Ouvi o André dizer as primeiras palavras, os primeiros passos, os primeiros dentes bem mais afiados que os meus, as primeiras obras de arte. A cara podia ser do pai mas aqueles olhos ai os olhos eram da mãe, minha doce Catarina.

Até que soube pelo Vítor que a Alice, uma vampira vingativa que me tinha jurado tirar tudo o que fosse de mais importante na minha vida estava aqui em Barcelona, que me tinha descoberto.

Assim que soube corri até casa da Catarina para os esconder, para os tirar de lá mas quando cheguei encontrei um cenário digno de um filme de terror. O André no meio dos pais cheio de sangue pelo corpo e os pais sem gota de sangue.

A Alice tinha-lhes tirado o sangue todo e tinha o feito com eles conscientes pois quando os descobri eles estavam com os olhos esbugalhados. O André estava horrorizado.

Depois tudo aconteceu muito rápido, eu lavei o André levei-o para a morada dos tios que a Catarina me tinha deixado mesmo antes do André nascer. Deixei-lhe um beijinho na testa. Tudo o que lhe deixei foi um beijo e uma jura de matar aquela vampira.

A polícia nunca descobriu o que aconteceu, especularam que teria sido um psicopata com uns desejos estranhos: dois corpos sem sangue nenhum, olhos arregalados, sem impressões digitais, pescoços ferrados... Só mesmo um psicopata realmente! Passados uns meses já nem notícia era. Entretanto os tios ficaram com a guarda do André e eu nunca mais os vi.

O Vítor jurou-me que tinham tratado da Alice com fogo e o que resta da minha alma descansou um bocado.

- Sabes bem que ainda me lembro Vítor...mas estás em Portugal e não Espanha espero que saibas disso...ou a máscara está-te a deixar maluco?

Adorava vê-lo aflito com uma máscara que só usávamos para disfarçar, a bem dizer este vírus não nos ia matar nem todas as outras pandemias pelas quais passamos. Mas na realidade parecermos humanos era mais importante que outra coisa.

- Sempre com bom humor Branca já tinha saudades - confesso que os 1000 anos do Vítor com aparência de 35 assentavam-lhe bem, sempre com aquele ar de que toda a gente lhe deve e ninguém lhe paga.

Mesmo assim senti aqueles dentinhos a crescerem debaixo da máscara e automaticamente os meus também.

- Continuando que eu não vim aqui brincar contigo apesar de ter saudades - aquela carícia no pescoço sabia bem o que significava demasiado bem, se estivesse viva estava a corar - sabias que o rapaz é um repórter artístico e adivinha só onde ele está?

Aqui... Nem era preciso responder, o cheiro que tinha sentido no autocarro agora sei que não estava a sonhar. Também não há duas pessoas com o cheiro igual.

De qualquer das formas ele não se lembrava de mim. A minha amiga feiticeira tinha-lhe apagado as memórias. Tanto quanto sei ele pensa que os pais morreram num acidente.

- Sim estás certa. No entanto, estou aqui porque o meu servo não cumpriu o propósito e a Alice está desaparecida.

- Como assim? Disseram-me que o assunto estava resolvido! - os meus dentes saíram para fora, tenho de me controlar.

- Se não te dissesse isso nunca o ias deixar em paz, sempre foste teimosa. Aliás eu sinto a aqui porque onde estiveres o pirralho está em perigo.

            
            

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