Capítulo 4 4.

Vitor e a Anabela foram embora para conseguirem pensar melhor numa forma de me ajudar. Este pensamento provoca-me um pouco de risos interiores, a ideia de eles estarem a trabalhar juntos para algum objectivo.

A noite foi passada em claro, entre adormecer com o cansaço e acordar sobressaltada com os meus próprios pensamentos. Aqueles pensamentos em que conseguimos imaginar com clareza aquilo que devíamos ter feito e falado e não o fizemos.

Olhei para as horas e apercebi-me que eram 08h da manhã e lembrei-me que tinha um encontro as 10h no Majestic para a entrevista.

Levantei-me e fui ao frigorífico buscar o meu pequeno almoço, quem visse de fora pensava que estava a beber um iogurte líquido mas por dentro era só mesmo sangue e pelo sabor a Anabela desta vez só encontrou sangue de vaca.

Arranjei-me para sair e quando dei por mim antes de sair de casa estava a treinar à frente do espelho as mil e uma formas de como me iria apresentar ao André quando chegasse.

Cheguei ao Majestic e faltavam dez minutos para as 10h da manhã. Sempre gostei de esperar pelos outros e não que os outros esperem por mim, há coisas que nem séculos conseguem mudar.

- Vai desejar tomar alguma coisa ou está a espera de alguém? - questionou a empregada de mesa sempre com um sorriso elegante.

- Pode-me trazer por favor uma água e quando o meu acompanhante chegar pedimos o resto. Obrigada. - tentei retribuir a mesma elegância. Todo o café é verdadeiramente Majestic.

A empregada de mesa afasta-se e fica a descoberto o piano de cauda e perdi-me naqueles momentos. Lembrei-me quando em meados de 1922 eu e a Anabela transportavamo-nos até aqui só para que eu conseguisse atuar, as típicas musicas clássicas, cheias de ritmo e intensas. Foram bons tempos, onde fumávamos porque era elegante e sinceramente porque a nós não nos fazia mal. Também foi o tempo em que conheci o Albert, que estava em viagem de negócios em Portugal.

De volta a realidade com o nervoso do André a tentar colocar as coisas dele organizadas na cadeira enquanto me cumprimentava. Estava claramente a ser difícil conseguir equilibrar o computador a mala naquela cadeira elegante mas nada prática.

Ele tirou a máscara ofegante e com aquele sorriso que tanto o caracteriza desde pequeno. Eu esqueci-me que tinha a minha colocada e imitei-o ao tirá-la, tentando fazer a mesma cara de alívio que ele. Ele mantinha as mesmas feições de bebé, com aquele cheiro único que tantas boas recordações me trazia.

O André pediu o seu café e uma nata e eu mantive a ilusão de estar a beber a minha água sem a beber. Ele ligou o gravador e começou a entrevista nos moldes normais, ao vê-lo ali todo profissional a falar um português correto com sotaque não pude deixar de sentir orgulho. Aquele orgulho genuino, que os pais dele teriam sentido se cá estivessem.

Quando acabamos, ele despediu-se:

- Muito obrigada pelo seu tempo Branca, foi uma entrevista muito fluida que vai ficar muito bem nas redes sociais e jornais.

- Não tens de agradecer, uma vez que temos a mesma idade acho que me podes tratar por tu, julgo que conseguimos deixar as formalidades de lado.

- Ficamos então combinados Branca. Vou deixar-te ir trabalhar. Vemo-nos na exposição?

- Sim, claro que sim! Espero que gostes. - comecei a vê-lo muito distraído a olhar para todos os lados e isso deixou-me curiosa. - Está tudo bem André? Pareces preocupado. - o ambiente na sala mudou e tornou-se num ambiente hostil, frio.

- Isto pode parecer estranho e não quero que penses que vieste ter com um lunático, mas ultimamente sinto-me observado, como se tivesse sempre alguém a acompanhar-me. - abanou a cabeça como quem afasta os sentimentos. - deve ser só impressão minha, como saí da minha zona de conforto, devo estar a sentir-me mais pressionado.

- Não te acho maluco, às vezes nós no meio de tanta gente sentimo-nos observados, com os olhos postos em nós. - disse-lhe eu tentando aliviar o ambiente.

- Vamo-nos embora então? - disse ele, levantando-se e colocando a máscara. Eu fiz o mesmo, peguei na minha mala e acompanhei-o a saída.

Quando saímos do café ele acenou-me em forma de despedida e seguimos por caminhos opostos. Apesar de ter começado a andar parei e olhei para trás só para ver se ele se afastava em segurança.

Uma vez que sei que a Alice tem a ajuda de um feiticeiro bastante cuidadoso a não deixar rasto, fico ainda com mais curiosidade em descobrir quem é. Não é fácil para vampiros serem amigos de feiticeiros e ainda por cima dos bons.

                         

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