Capítulo 4 Adstrito ao Falaz

8h

Ali estava eu, acordado, com o café da manhã já pronto. Sentei-me à mesa e comecei a servir-me. Com a xícara de café na mão e olhando fixamente para a fumaça que dela saia, continuava a lembrar-me do dia anterior. Qual lembrança vertiginosa! Quão cruel fora o sentimento que tomara conta de mim naquele momento? Eu não saberia dizer, foi como voltar, de fato, ao passado, como se ele estivesse bem ali, como um aviso ou alerta, minha alma estremecia, minha razão se desfazia. Soprei a fumaça e desviei o olhar, já olhando para os bolinhos em um prato sobre a mesa, balancei levemente a cabeça para escapar de tais lembranças e, por fim, tomei o primeiro gole do café, respirei fundo, contei lentamente até três - sempre ajudara quando precisava acalmar-me - e então, suspirei um pouco aliviado.

Após terminar o café da manhã, lavei tudo e deixei sobre a pia. Em seguida, fui ao ateliê e ali fiquei a observar cada pintura que eu havia terminado e que só seriam mostradas às outras pessoas no dia da exposição, exceto ao Pietro, ele seria o primeiro de todos, como sempre. Tirei o celular do bolso e coloquei músicas para tocar, peguei o avental e vesti-o, peguei a paleta, tintas, pincéis, e decidi por finalizar aquela última pintura.

- Vamos lá, está quase pronta. - sussurrei, encorajando a mim mesmo.

Prendi fixamente o meu olhar naquela pintura ainda não finalizada, por alguns segundos e, esforcei-me por limpar a minha mente de todo o resto, mas, enquanto segurava o pincel com tinta, antes de tocar a tela, de repente, lembrei-me de quando eu ainda morava no castelo...

- O que é isso? - perguntou-me o meu pai, furioso, ao entrar no meu quarto. - Onde conseguiu essas coisas? A sua mãe lhe deu? - fiz que não com a cabeça, estava tão assustado que não era capaz de falar uma só palavta. - Não importa como conseguiu. Nunca mais faça isso. - permaneci em silêncio.

Ele estava tão cheio de ira que fiquei paralisado.

- Você não deve mais pintar. Nunca mais faça isso. - disse-me tais palavras em gritos enquanto destruía as minhas primeiras pinturas. - Seja músico. MÚSICO! - continuava gritando e acertou-me a face com um tapa, o qual fez-me cair ao chão. - Não seja uma decepção, Kim Jonghyun. Me obedeça. - sussurrou e saiu dali batendo a porta com furor.

Retornando de tais pensamentos, fechei os olhos brevemente enquanto respirava fundo, abri-os novamente soltando um pesado suspiro e, por fim, toquei a tela com o pincel e dei continuação àquela pintura. Após algumas horas pintando, enfim, estava pronta a última obra para a exposição.

- Finalmente! - exclamei num sussurro deixando escapar das minhas mãos o pincel e a paleta, os quais caíram ao chão.

Tirei o avental, peguei o celular, parei a música e decidi ligar para o Pietro.

- Jonghyun. - disse ele ao atender.

- Está pronta.

- O quê?

- A última pintura.

- Estou indo aí agora mesmo. - falou animado e encerrou a ligação.

Sentei-me ali diante daquele quadro observando-o por alguns instantes, logo levantei-me e fui à sala, sentei-me no sofá e decidi por ficar ali até que o Pietro chegasse, o que não demorara mais que alguns minutos.

- Sempre chega tão rápido que tenho a impressão de que você mora logo ali. - falei assim que ele entrou.

- Mas... eu moro logo ali. - falou sem entender a piada.

- Verdade.

- Espera... foi uma piada?

Levantei-me sem dar-lhe uma resposta e comecei a caminhar em direção ao ateliê.

- Espera... - falou já seguindo-me. - Foi uma piada, não f... - parou de falar ao entrar no ateliê e ver os novos quadros por todos os lados. - Minha nossa! - exclamou admirado.

- O que achou? - perguntei-lhe de braços cruzados e também olhando para os quadros.

- Jonghyun...

- Diga.

- Você sempre se supera. Mas isso... - fez uma breve pausa e soltou um suspiro. - Fiquei até sem fôlego.

- Acho que essas são as minhas obras mais autênticas.

- Jonghyun... - começou num quase sussurro.

- Demorou, mas consegui terminar. - interrompi-o antes que ele começasse a ser sentimental.

- E eu estou ansioso para mostrar todas elas. - falou sorridente.

- Que seja. - falei como se não me importasse, o que o fez soltar uma risada. - Vamos preparar algo para comer. Estou com fome. - chamei já caminhando em direção à porta.

- É... eu também. - falou e então seguiu-me.

Chegando à cozinha começamos a preparar nosso almoço. Algum tempo depois, com tudo já pronto, sentamo-nos à mesa.

- Pietro.

- Sim?

- Me passe o endereço do local da exposição por mensagem.

- Você vai? - perguntou-me animado.

- Não como o Si-woo. Apenas... - respirei fundo. - como qualquer outra pessoa ali.

- Como desejar. -- falou e ficou sorrindo em silêncio por alguns segundos enquanto encarava-me e eu encarava-lhe de volta. - Bom... - continuou já olhando para a comida. - fico feliz que ao menos vá.

Dito isto, começou a servir-se. Ele estava feliz, e eu... bem, estava um pouco preocupado a respeito. Talvez as pessoas reagissem de forma negativa aos novos quadros, e eu estaria lá. Mas já estava decidido, iria à exposição.

- Por que está me olhando assim? Não vai comer? - perguntou-me o Pietro. - Ou já se apaixonou por mim? - brincou erguendo as sobrancelhas.

- Ah... - Fiquei olhando para ele e nem notei. - é. Digo, não. Sim. - olhei para a comida. - O que perguntou, mesmo?

- No que está pensando? - perguntou-me sorrindo.

- Nada. Esquece.

- Quando quiser conversar, sabe que vou ouví-lo.

Fiquei em silêncio por alguns segundos, e então, decidi falar algo.

- Só estou me perguntando porque você continua aqui. - não era no que estava pensando antes, mas era no que já pensava naquele momento. - Não tem medo que eu te machuque? Digo... não fisicamente, mas...

- Eu entendi. - interrompeu-me, pela primeira vez, e olhei-o com surpresa. - Ora, não me olhe assim.

- Eu só... é.

- Sabe... as pessoas machucam umas as outras. - falou o mesmo que o meu pai, porém como que com um sentido diferente.

- É... alguém já me ensinou isso.

- Mas...

- O quê?

- Isso é algo inevitável, sabe? Por isso... não.

- Não... o quê?

- Não. - sorriu brevemente. - Não tenho medo que me machuque, e também sei que não quer fazer isso.

- Não quero.

- Então... se o fizer, vou saber que não era a sua intenção. Por tanto, caso chegue a isso, me peça perdão.

- E... vai me perdoar?

- Mas é claro. E você?

- Eu?...

- É. Você me perdoaria?

- Você eu perdoaria. - respondi-lhe sem hesitar e ele soltou um leve suspiro de alívio com um sorriso.

- Tente perdoar quem te ensinou o que é ser machucado também. Acredite, é libertador.

Apenas permaneci em silêncio.

- Vamos. Coma, antes que a comida esfrie de vez.

Apenas fiz que sim com a cabeça, e então, comecei a servir-me. Após comermos, lavamos e guardamos tudo. Decidimos, então, irmos à sala. E já ali...

- Olha... - começou, sentando-se no sofá. - Estou realmente feliz que tenha decidido ir à exposição.

- Já eu, não sei o que sinto a respeito disso. - falei sentando-me também.

- Está preocupado com algo?

- Talvez um pouco sobre como as pessoas irão reagir. - respirei fundo. - Será a primeira vez que verei, pesssoalmente, a reação das pessoas sobre as minhas pinturas.

- Aquieta esse coração. Essa, sem dúvidas, será a exposição mais épica da sua carreira até o presente.

Respirei fundo novamente e fixei meu olhar em um ponto qualquer daquela sala.

- Está pensando em não ir? - perguntou-me com um tom desanimador.

- Não. Estou apenas um pouco ansioso.

- Ah! Que bom que não desistiu de ir. - falou aliviado.

Ficamos em silêncio por alguns segundos, até que o Pietro tomou a palavra mais uma vez.

- Bom... falando em "ir". Preciso voltar para a minha casa. Tenho alguns formulários para preencher e e-mails para enviar.

- Certo.

- Até mais. - falou levantando-se, já caminhando até a porta e abrindo-a. - Se cuide. - disse, saiu e fechou a porta.

- Se cuide também, Pietro. Eu preciso de você. - Sussurrei.

            
            

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