- Enquanto tiver vida jamais deixarei que venha a funcionar outra vez! – fala o homem alto, moreno, com calça jeans e blusa de mangas longas escondendo sua mão esquerda toda desfigurada até metade do antebraço.
O homem fora embora olhando para trás, arrastando uma criança. A cada passo, meio que mancando, olhava novamente para trás se afastando rapidamente daquele monstro de concreto, ferro e plantas que tomavam toda a sua estampa.
Quinze anos antes.
Sala treze havia poucos alunos naquela certa tarde.
- Luizinho! Não já falei pra não ficar conversando durante as minhas aulas! – diz a professora Fernanda lhe olhando nos olhos.
- Sou eu não tia! – diz o garoto – É meu amigo aqui que tá me chamando lá na cozinha pra ver onde ele mora. – completa Luizinho olhando para a banca ao seu lado direito.
Tia Fernanda passou o olho e não viu nada, apenas uma banca vazia.
- Menino agora deu pra mentir para sua tia, foi? – fala Fernanda sob as inúmeras risadas do restante dos alunos que se voltara para trás a fim de observar a cena. A banca de Luizinho era a última da classe.
Estranhos acontecimentos tomavam horas de conversas em rodas entre alunos, funcionários da limpeza, professores. Já há algum tempo a temperatura no âmbito daquele certo colégio estava mais baixa do que o comum. Crianças são vistas constantemente vagando nos corredores, mesmo com a escola fechada a noite. Menções de vultos juvenis até pelos telhados. Os gatos já não mais fornicavam naqueles imensos telhados. As aulas turbulentas, centenas de conversas paralelas, brigas involuntárias, outras mais sérias, os professores mais nervosos do que o habitual. Ao virarem de costas para escrever no quadro negro as janelas sombreavam aos ouvidos dos mestres parecia que duzentas crianças conversavam ao mesmo tempo.
- Calem essa boca, agora! – exclama a professora Fernanda batendo fortemente no birô da classe treze.
Havia apenas dez crianças fazendo recuperação. Todas se olharam e depois todas sem exceção olharam com olhos lacrimejantes e esbugalhados como se não entendessem nada, todas assustadas. O sinal do intervalo dispara, os alunos e alunas saem imediatamente em disparada, correm, correm, sentam-se aos olhos de águia do zelador Cristóvão.
Homem estranho, rosto de expressões fortes, dentes amarelados devido ao constante tabagismo, andar coxo, mas implacável, pelos alunos era temido e respeitado. No salão tocara novamente o sinal. Era hora de irem para suas classes. Cristóvão ainda no corredor a passos descompassados, o barulho irregular das suas solas de seus sapatos alardeavam todos os estudantes que era sua presença naquele velho e longo corredor. O chão sempre sujo com bolsas de pipocas e embalagens de balas por toda aquela extensão, aviões de papel também pelo chão. A cada soleira que aquele temido zelador passara as salas silenciavam.
Foi quando avistara três crianças adentrarem o banheiro em frente à cozinha. O portão de ferro oxidado batera tão violentamente que todo o colégio devia ter ouvido. Fora no encalço daqueles alunos, penetrou no banheiro masculino, mas as crianças estavam ao lado no banheiro feminino. As aulas haviam há muito começado.
- Vamos Fernandinho, beba dessa água, você vai gostar! – disse aquele outro menino transparente com rosto indefinido.
O garoto Fernando de repente começou a olhar aquela água amarelada de todo um dia naquela encardida latrina de modo diferente. A terceira criança colocou suas mãos sobre a cabeça de Fernando descendo na frente dos seus olhos. O garoto avançou com sua boca no interior daquele manchado vaso sanitário. Cristóvão com um pé na porta do box abrira em banda, puxara Fernando de dentro do vaso.
- Seu diabinho! O que você fez menino? – disse o zelador com o garoto nas mãos.
- Fui eu não! – retrucou o menino falando pouco, ainda engasgado com a água amarela de urina daquela velha latrina. E completa:
- Foram os meus amiguinhos novos que falaram que essa água era boa. Tão gostosa! – disse Fernando.
- Bora garoto! Vamos à diretoria pra você aprender que mentira não leva a nenhum lugar. – fala Cristóvão segurando Fernando fortemente pelo braço.
- Não tem ninguém aqui. – disse Cristóvão olhando vaso por vaso e completa. – Você vai aprender a entrar no banheiro certo!
Na sala treze o coleguinha ao lado da banca de Inácio fala.
- Oh amigo deixa pra lá essa aula chata! – e completa colocando o seu dedo indicador, que nesse momento cresceu quase meio metro, no ouvido do garoto Inácio e proferiu as seguintes palavras:
- Quer ver onde eu fico? Lá é tão bom! – disse aquele colega ao lado de Inácio.
A temperatura caíra imediatamente na sala de número treze.
- Ricardinho!
- Oi tia?
- Baixe as janelas filho, por favor! – e completa a mestra cruzando os braços – Que frio!
"Engraçado, mas já é inverno"! – pensa a mestre.
O garoto Inácio levanta-se bruscamente e deixa a sala.
- O senhor vai aonde seu Inácio? – pergunta a professora.
O jovem nada diz e sai vagando pelo corredor em direção à cozinha. Sem ninguém entrou na cozinha, o caldeirão cheirando como nunca em estado de ebulição. O barulho das inúmeras bolhas que se formavam. As cozinheiras conversando e fumando lentamente na porta do banheiro com as costas viradas para a cozinha.
- Coloca as mãos dentro do caldeirão! É tão divertido! – disse uma criança que surgiu por trás do fogão industrial.
- Não tem melhor! – disse mais outro garoto agachado em um canto de parede daquela cozinha.
- É tão gostosinho! – disse ainda outro menino sem braços lambendo aquele caldeirão fervendo repleto de sopa.
O garoto Inácio subiu em uma cadeira, a borda do tal caldeirão batia em seu tórax.
"Mas está calmo demais isso aqui!". – pensa Cristóvão vencendo aquele sujo corredor.
Era a enésima ronda naquele colégio na Rua Preta. Passa sem ser notado, apesar das passadas características sua.
"Bando de desocupadas viciadas!" – disse o zelador ascendendo um cigarro. Quando passa o olho em direção à cozinha...
- Ei garoto! Faça isso não! – grita Cristóvão antes de correr em direção ao jovem Inácio.
Mas era tarde demais! Inácio levado pelas crianças da cozinha a enterrar suas duas mãos até o cotovelo dentro do caldeirão de sopa fervendo. O zelador Cristóvão segura os braços do garoto. Em meio a todo calor da ebulição do caldeirão a cozinha estava gelada. Uma sucção sugou o braço de Cristóvão, assim como o do garoto.
A cozinha ficara lotada. Alunos, alunas das salas mais próximas, professores em uma cena de filme de terror de terceira classe. Quando puxara os braços do garoto Inácio só veio os ossos das mãos pegando o antebraço, a pele pendurada. O jovem Inácio urrava de dor. O zelador Cristóvão também se acidentara, sua mão e antebraço ao puxar Inácio gravemente se queimaram, o cigarro caíra na sopa. As cozinheiras injustamente lhe acusaram.
- Foi ele! – exclamou uma delas ainda com um cigarro entre os dedos.
- Não! Não fui eu! – diz Cristóvão mostrando as queimaduras de segundo e terceiros graus.
- Também me queimei! Sou inocente! Foram os fantasmas das crianças. – fala o zelador sob o olhar incrédulo de todos.
Continua...