"Tenho fé que ainda provo a minha inocência"! – pensa Cristóvão se recuperando.
Já o garoto Inácio perdera parte do braço devido aos estragos e queimaduras de terceiro grau. Os médicos amputaram na altura do cotovelo. Inácio nunca mais retornou aquela certa escola. Há relatos a boca pequena que o mesmo deixara aquele bairro. Um mês após todo aquele ocorrido não se tocava mais nesse assunto, era meio que proibido.
Cristóvão chegara ao tal colégio. Parou por um bom tempo em frente aquele velho prédio e contemplou tudo aquilo, sua velha arquitetura caindo aos pedaços.
" Pena não fazer mais parte disso tudo! Ainda mais sendo acusado de uma coisa que eu não fiz."
– pensa o zelador olhando para o seu braço e mão enfaixada. "- Mas tenho que encarar a realidade. Aqueles espíritos das crianças."
Cristóvão adentra o colégio. O pessoal da gestão lhe fitava meio que de lado.
- Bom dia gente! – ninguém lhe respondera.
Se dirigira então a sala dos arquivos onde ficara suas tralhas, roupas, botas, luvas, etc.
"Ingratos! São todos ingratos!" – pensa o zelador Cristóvão mexendo naqueles troços no interior daquela sala úmida e sem janelas. Como um deficiente visual foi procurando a tomada a sua esquerda. Acendeu a lâmpada, que voltara a se apagar para logo em seguida acender.
"Hum, merda de luz"! – pensa Cristóvão enquanto procura o restante de suas coisas em meio a todas aquelas pastas com inúmeros documentos velhos e recentes.
" Minha primeira farda, onde que está?" – pensa Cristóvão com o olhar perdido e lacrimejante. –
- Elas não podiam fazer isso comigo! - Foi quando avistou a pontinha daquele tecido amarelo calcinha, era sua primeira farda a quase uma década de serviços prestados. Com sua mão boa puxara a ponta da tal camisa. Se esticara todo, pois estava na última prateleira da tal alcova daquele colégio. A camisa fora ao chão da sala juntamente com uma grande quantidade de poeira e algumas baratas grandes e pequenas. Também caíram ao chão algumas pastas empoeiradas. Vários documentos se espalharam, havia recortes de jornais antigos amarelados pela ação do tempo. Com alguma dificuldade ele se abaixou e apenas com uma das mãos pegou aquele certo jornal amarelado que lhe chamou atenção. Então Cristóvão folheou e observou manchetes antigas de décadas passadas. Passou o olho com atenção. O zelador não mais folheou, parou em uma certa matéria com uma foto semiapagada. Olhou atento, virou a página de um lado depois para o outro até conseguir ler e interpretar o que dizia aquela reportagem de outrora.
"Não acredito! Não pode ser nossa"! – reflete Cristóvão acariciando o curativo enquanto lia o tal jornal em seu colo.
O tal jornal mencionava em uma reportagem de meia página a construção e desativação de um cemitério no centro da cidade próximo ao HEMOPE e ao Grande Hotel, também no centro. A tal manchete ainda falava de um cemitério de crianças e bebês recém-nascidos. Era um dos primeiros cemitérios da cidade. Tinha o muro baixo esverdeado com um portão arqueado com desenhos romanos, porém dizia a reportagem:
"Era pequeno e sem muita estrutura como sendo em terreno privado. Após uma década de funcionamento o mesmo foi desativado e o terreno vendido a uma rede educacional que acabara de chegar à cidade". Fora construído naquele exato local o colégio do Primário ao Segundo Grau (hoje seria Fundamental I ao Ensino Médio).
"É isso! Eu sabia! Esse cemitério, os fantasmas de crianças se misturando aos estudantes." – pensa o zelador demitido.
Cristóvão pega o jornal antigo, rasga a página do caderno de notícias e vai em direção à diretoria ou gestão daquele certo colégio, mas é sumariamente ignorado. Após argumentar deixa o local quase expulso com ameaças dos gestores irem a polícia prestar queixa crime.
Passam-se alguns meses do ocorrido, mas as coisas só se agravavam. Relatos das duas cozinheiras que ao fazerem pausa para fumar avistaram crianças vagando pelos corredores esvaziados, meninos sem pernas se arrastando, meninas com rostos deformados assistindo aula e conversando com alguns alunos, choros estridentes de crianças recém-nascidas que vinham dos banheiros sujos e quando iam averiguar não era ninguém, o canto mais limpo como se houvesse ali naquele certo prédio uma verdadeira revolução de espíritos.
Cristóvão apesar de sua demissão sumária por justa causa com serviços hora aqui, hora ali sobrevivera até sua sacrificada aposentadoria por invalidez. Mas nunca deixara de vagar por aquele certo quarteirão macabro.
Outros acidentes não explicáveis surgiram com baratas saindo de uma foça. O colégio sem ter mais como abafar toda aquela repercussão que logo entrara no "cast." das lendas aterrorizantes da cidade, gradualmente fora perdendo mais e mais alunos. Logo deixara aquele terreno e prédio devido a toda aquela má repercussão em rádios e jornais como sendo o colégio mais mal assombrado da região. Mudara de nome, se transferindo para um bairro distante da periferia.