A música suave que adrentava o quarto era relaxante e preocupante ao mesmo tempo. Tudo parecia calmo demais, porém ela estaria rodeada de demônios e isso a fazia querer sair correndo pela porta e nunca mais voltar. Sky disse que esse jantar com demônios poderosos era necessário para que soubessem que ela estaria em um acordo com ele e que não tentassem nada. Cassie tinha uma teoria de que era porque ela seria sua primeira contratante, ele não sabia que ela sabia.
- O que eu faço? - Questionou a Plutão, se sentando ao seu lado na cama. - Eu devo fugir para outro continente?
Batidas na porta a interromperam e ela sentiu seu coração parar ao ouvir a voz de Sky:
- Cassiopeia, estamos te esperando.
- Eu já estou indo - respondeu com um longo suspiro.
Quando ouviu ele deixando a porta foi até o espelho novamente, encarando o reflexo da pessoa que ela não era, então forçou um sorriso e abriu a porta, finalmente tomando coragem para ir até a sala de jantar.
Todos já estavam reunidos envolta da mesa e Cassie engoliu em seco ao ver todos lhe encarando como se ela fosse um pedaço de carne.
- É essa a humana? - Um homem questionou a Sky com as sobrancelhas erguidas e ele assentiu. - Prazer, meu nome é Barzan.
- Cassiopeia - respondeu, sentando no lugar vago entre Sky e Livian. - Mas eu prefiro Cassie.
- Cassiopeia - outra mulher repetiu com um curto sorriso nos lábios. - É uma constelação, não é?
O olhar dela era hipnotizador. O batom vermelho em seus lábios e o lápis preto embaixo dos olhos lhe davam um ar de superioridade. Ela lembrava alguma vilã que todos amavam e que muitos se identificavam.
- É. - Sorriu. - Cassiopeia Uttara. Meu sobrenome significa "filha real" ou "uma estrela", minha mãe costumava dizer que eu era feita de poeira estrelar.
- Costumava?
- Ela morreu quando eu era criança.
- E o seu pai?
- Nunca o conheci.
- Agora eu entendi porquê ela dizia que você foi feita de poeira estrelar - ela comentou, abrindo um sorriso. - Quando eu era humana, minha mãe dizia que eu o anjo da guarda dela viu que ela estava muito só e me mandou para ela. Eu acreditei nisso por muito tempo até descobrir que, na verdade, meu "pai" tinha ido comprar cigarros e nunca mais voltou.
Era bem aí que Cassie sabia que ela era daquelas vilãs com um passado triste e que todos os atos ruins eram justificados.
- É uma coisa típica dos homens.
- Ei! - Livian chamou como se estivesse ofendido.
- Não faça drama, não combina com você, Livian - ela disse. - Meu nome é Kiara.
- Nós soubemos dos últimos acontecimentos, eu sou Zarek - outro homem falou, sentando na ponta da mesa. - Você está segura aqui, ajudou um dos nossos e por isso vamos lhe proteger.
Ele deveria ser o líder deles, o terno perfeitamente liso e o lenço branco indicavam isso.
- Eu agradeço, ainda estou tentando entender o que houve.
- É complicado - ele concordou. - Nós estamos investigando porque você conseguiu ver a luta sendo uma humana. Mas, Cassie, já lhe explicaram como o contrato é feito?
Ela não tinha a mínima ideia e temia por isso.
- Não.
- Eu vou ser o cerimonialista do acordo e tudo acontecerá em uma sala feita especialmente para isso - ele explicou. - É possível que você desmaie durante o processo, é muito forte para humanos, porém não precisa se preocupar.
- Eu tenho uma dúvida - ela falou, mordendo o lábio inferior -, o que eu terei que dar em troca?
Todos olharam para Sky, esperando que ele respondesse, então ela se virou para ele e esperou.
- Cassiopeia... - ele começou, abrindo e fechando a boca várias vezes. - O que eu pedirei em troca é a sua alma.
O silêncio pairou entre eles e ninguém ousou mexer um músculo.
Cassie passou a mão pelos cabelos, tentando fingir que suas mãos não estavam tremendo, então respirou fundo e tomou um gole da água na taça a sua frente.
- Minha alma? - Questionou, agradecendo por sua voz não ter falhado. - Não existe outra coisa?
Sky negou com a cabeça.
- São as regras - Barzan respondeu. - Você pede, ele dá e recebe em troca. Quem faz acordo comigo, por exemplo, tem direito a viver as duas primeiras décadas da melhor forma, depois...
Ele as matava, concluiu mentalmente. Cada um era terrível de sua forma, mas ela deveria saber disso, afinal são demônios.
- E se eu não quiser mais fazer um acordo? - Ela olhou para eles.
- Querida, você não pode desfazer um acordo assim. - Kiara sorriu.
- O acordo já foi iniciado quando o sangue de vocês se misturaram - Livian revelou.
A expressão deles não havia mudado nem por um segundo. Eles não se importavam.
- Vamos parar de assustar a garota e comer - pediu Kiara, mudando de assunto para tentar quebrar a tensão do lugar.
Mesmo sem fome, ela se forçou a comer, ainda com as mãos trêmulas e o estômago embrulhado.
Percebendo seu nervosismo, Livian segurou a mão dela embaixo da mesa e fingiu que nada acontecia, voltando a comer sua comida com tranquilidade.
Ela se surpreendeu com aquilo, mas agradeceu com um olhar e tentou normalizar a respiração. O calor das mãos dele aqueceram o gelo das mãos dela.
Eles estavam conversando, rindo e bebendo como se Cassie não estivesse ali e fingiram não notar seu desconforto após saber o preço que pagaria por ajudar Sky.
- Amanhã, após a cerimônia do contrato, o Barzan dará uma festa em sua casa - Kiara comentou, olhando para ela. - Você vai?
- Eu acho melhor não - Sky disse, balançando a cabeça negativamente.
- Deveria ir. Somos a nobreza aqui e ninguém ousa tocar na realeza.
- Ela vai - Livian respondeu. - É sempre bom fazer novos amigos.
- Eu vou - ela confirmou. - Eu ainda não sei diferenciar humanos de demônios, se eu os visse na rua com certeza diria que são pessoas normais. Há mais humanos aqui?
- Na verdade, você é a única - Zarek contou. - O seu caso é raro já que um arcanjo prometeu sua morte.
- E vocês não tem medo? Quer, eles são mais fortes, não são? Eles podem matar vocês facilmente.
Todos riram daquela pergunta como se Cassie tivesse contado uma piada.
- Eles podem tentar.
- Por que vocês estão em guerra?
- Os humanos querem riqueza, fama, coisas que orações não trazem e dessa forma buscam cada vez mais um contrato. Isso tem irritado os anjos e...
- O quê?
- Uma história não muito boa.
- Gosto de ouvir histórias.
- Uma das nossas, se apaixonou por um anjo e do amor dos dois nasceu um filho - explicou, franzindo o cenho ao se lembrar.
- Amar foi o pior dos atos - Sky falou com voz vaga.
- É por isso a guerra? Vocês não podem simplesmente viver em paz cada um no seu canto?
- Não é tão fácil. Eles nos culpam pela perdição e pela morte do anjo.
- Por que vocês assumem essa culpa?
- Porque não vamos nos render aos anjos como covardes. Vamos lutar e acabar com qualquer um que esteja em nosso caminho.
O olhar de Zarek era repleto de ódio e raiva. O tom de sua voz era amedrontador e ela soube que aquele assunto lhe arrancava o pior quando as luzes piscaram e as taças sob a mesa tremeram.
- É engraçado, eu sempre achei que os anjos eram nosso protetores - ela comentou, balançando a cabeça negativamente.
- Qual a sua religião? - Barzan questionou.
- Eu não tenho religião - respondeu, pensando a respeito. - Eu fui a igreja algumas vezes, mas quando eu me dei conta de há certas coisas erradas na Bíblia e que muitas pessoas se escondem atrás de religião para serem preconceituosas, parei de ir. Eu rezo todas as noites é claro, mas para ficar perto de Deus eu não preciso ir a igreja ou ter uma religião, entende?
Ele assentiu com a cabeça, erguendo as sobrancelhas.
- Eu posso falar que acredito em Deus aqui? - Perguntou, tentando não soltar uma risada com o nervosismo.
- É claro - Zarek respondeu. - Não somos bárbaros. Lúcifer também acreditava em Deus.
- Você é interessante - Kiara falou. - Nunca conheci humanos como você.
- Eu vivi a vida inteira convivendo com traumas e aprendi a lidar com eles.
- Bem que o Sky disse que você é especial.
- Sério? - Olhou para Sky com surpresa.
- O Sky não sai muito - Livian respondeu. - Quando ele conhece alguém novo, já acha que é especial.
- É isso - Sky confirmou.
- Eu agradeço pelo jantar e pela conversa - ela falou, se levantando com um meio sorriso -, mas eu preciso ir dormir. Tenho aula amanhã e ainda tem a cerimônia e a festa.
- Foi um prazer conhecê-la. - Kiara sorriu.
- Esperamos você na festa amanhã - Barzan disse. - Apenas a realeza, não se esqueça.
- Eu te acompanho. - Sky se levantou também.
- Não precisa.
- Tudo bem.
Cassie não negou mais e deixou que ele a acompanhasse no curto caminho até meu quarto.
- Eu só quero que saiba que para o contrato dar certo e ambas as partes saírem em vantagem, precisa confiar em mim - ele disse, parando em frente à porta.
Ele não havia contado que era um anjo e que nunca havia feito um contrato na vida, e ainda assim esperava que Cassie confiasse nele.
- Eu confio - ela mentiu. - Vai dar certo.
- Boa noite.
Cassie trancou a porta assim que entrou. Não confiava neles e nunca iria confiar. Ela só queria que isso acabasse logo e sua vida voltasse ao normal. Ela só precisava ser uma garota normal novamente.
Ela deitou na cama com o corpo dolorido, exausta pelo longo dia de hoje e suas revelações. Repetiu milhares de vezes que tudo ficaria bem e que em breve eu poderia dormir sem medo.