- Olha moço, eu vou dizer uma coisa pro senhor, esse touro não é pra qualquer um não! Mas eu entendo que 500 mil é um bom motivo pra arriscar, né?
Murilo respirou fundo e disse sem rodeios:
- Ah, sim! Mas eu não quero os 500 mil, não!
Tobias o olhou curioso, piscando duas vezes.
- Não quer os 500 mil? Como assim? Esse é o valor máximo!
- Pois é... O que eu quero é a mão da filha do Sr. Otoniel!
Tobias sobressaltou-se:
- O que?- perguntou ele atônito.
- Catarina! Esse é o nome dela, não é?
- O senhor tá maluco?
- Não sei! Não sei se eu tô maluco, mas é de onde eu tô tirando minha coragem! 500 mil não me fariam subir nesse boi de jeito nenhum! – Afirmou Murilo dobrando as mangas da camisa.
Tobias o encarou por um instante e voltou a escrever no seu caderno.
- Ta certo! Essa sua proposta pode custar a sua vida! Você ganhado ou perdendo...
Murilo balançou a cabeça afirmativamente e piscou com um olho.
- Fala com seu patrão! Se ele não aceitar, eu declino!
- Tudo bem! Por sua conta e risco!
...
- Como é que é? Quem é esse filho de uma égua?
Otoniel ficou mais vermelho que um tomate ao saber da proposta do Murilo e mais furioso do que já costumava ser. Laura e Nina já tinham ido embora. Catarina estava envolvida com outra parte do evento. Ela acabou ficando em segundo lugar. Estavam no camarote agora só os interessados nas tais apostas.
- O nome dele é Murilo Freitas, patrão!- informou Tobias.
- Mas é muita petulância dum sujeito desse! Querer se engraçar justo com a minha filha!
- Quer que eu dê cabo dele, patrão? - propôs um dos seus capangas, levando a mão à cintura onde trazia uma arma. Visivelmente louco para fazer o serviço.
- Não!- disse Otoniel erguendo a mão para fazê-lo parar.
Ele trancou os lábios de forma que ficaram só uma linha e pensativo ficou alisando o bigode.
- A gente pode só dar uma surra nele, patrão! - falou o outro capanga.
- Não, eu tenho uma ideia melhor!- falou ele.
Todos o olhavam curiosos.
- Eu vou aceitar o desafio!
- Mas patrão e se ele ganhar?- perguntou Tobias.
Otoniel soltou uma gargalhada. Todos riram juntos. Tobias riu meio sem graça.
- Eu quero dar uma lição nesse fedelho! Ganhar, eu sei que ele não vai, mas vai ficar me devendo os 500 mil!
- Como é que é?
- O prêmio de 500 mil está sendo oferecido aos peões, não é isso? Eles se arriscam, perdem o desafio, perdem o dinheiro e vão pra casa cuidar dos ferimentos...- ele caminhou até a borda do camarote olhando para multidão como se procurasse pelo rapaz que o afrontou no meio dela. - Agora, esse filho de chocadeira, vai se arriscar, perder e voltar pra casa com uma dívida de 500 mil! E se não pagar! - e olhando para seus capangas - Aí sim, vocês podem agir!
Tobias e os outros homens se entreolharam com expressões receosas. Otoniel ordenou:
- Tobias! Faça o documento, porque eu gosto das coisas por escrito!
...
Murilo já estava se preparando, junto com outros rapazes, para enfrentar o touro Tsunami. Beto e Júnior ainda estavam tentando convencê-lo a desistir.
- Pelo amor de Deus, Murilo! Deixa de ser irresponsável! Mal chegou na cidade e já tá metido em confusão! - insistia Beto.
- Ainda dá tempo de desistir! Você é muito novo pra morrer!
- Eu não vou morrer, Junior! Eu vou conseguir! E aquela prenda vai ser minha!
- Escuta aqui, Murilo! E se você ganhar e a Catarina não quiser se casar com você?- perguntou Junior curioso.
Murilo coçou o queixo e respondeu:
- Aí, eu vou ter que conquistar ela! Pelo menos já vou ter garantida a bênção do pai!
- Eu não contaria com isso!- observou Beto - Eu não sei o que você viu nessa mulher!
- O que eu vi? Por acaso você é cego?
- Tá, ela é muito bonita, mas cê nem conhece ela!
- Eu só tô seguindo meu coração, Beto! Meu coração nunca se engana!
- Seu coração tá mandando você fazer uma dívida de 500 mil? Porque é isso que vai acontecer! Nós nem terminamos de pagar as mercadorias!
- Você se preocupa demais, Beto!
Beto meneou a cabeça em reprovação.
- Pode ficar tranquilo, vai dar tudo certo! - tranquilizou Murilo.
Depois da apresentação de alguns rapazes que foram antes, estava bem claro que não seria fácil. Não estavam conseguindo nem montar direito no boi. O bicho se agitava dentro da jaula como se estivesse endemoninhado. O primeiro rapaz caiu com um segundo de tempo e enganchou o pé na corda que circundava o peito do animal, o que o fez ser arrastado por um bom pedaço da arena dando muito trabalho para os palhaços. Teve ferimentos leves. O segundo rodopiou no ar caindo de cara no chão, mesmo assim levantou-se acenando para a galera que gritava seu nome:
- Zeca! Zeca! Zeca!
Mas Zeca também não passara de dois segundos. O terceiro peão chegou a se sentar no animal, fez três vezes o sinal da cruz, mas ao sentir o sangue quente da fera, desistiu.
Chegou a vez do Murilo. Ele estava nervoso. Abria e fecha as mãos para espantar a tensão. Olhou para os amigos, que agora pareciam demonstrar pena e respirou fundo. Beto lhe apertou o ombro com se o desejasse sorte. Ele despediu-se e subiu a cerca.
O Touro estava lá berrando e soprando pelas ventas. De perto ele parecia ser bem maior do que ele imaginara. Murilo sentiu um frio na espinha e tentou empurrar, com muita dificuldade, um gole de saliva pela garganta seca. Deram-lhe a ordem para subir. Ele colocou as luvas. As pernas começaram a tremer involuntariamente, mas ele conseguiu sentar-se. Foi Lhe oferecido um capacete, que ele aceitou prontamente. Estava chegando a hora. O locutor fazia as apresentações. Ele enganchou a mão direita na corda americana e com a esquerda se apoiava na cerca. Foi dado o sinal e a cancela se abriu.
Murilo que em um segundo estava montado no touro, viu tudo a sua volta se apagar.