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- O que você descobriu, Vladic?
- Você quer se sentar?
- Não sou a porra de uma mulherzinha -
olhei zangado para ele.
Isso. Eu tinha que me concentrar na raiva,
lutadores em competição faziam isso, ficavam na
raiva para buscar energia, por isso não era
incomum lutadores passarem semanas antes da luta
provocando um a outro, inflamavam as torcidas e
faziam com que eles mantivessem o foco de quem e
por que deveriam vencer.
- O que você descobriu? - perguntei,
agora com calma. Uma gota de sangue deslizou
pelo meu rosto e Vladic me analisou antes de
responder.
- Precisa ver esse corte. O Dr. Kushin
está lá embaixo, pode dar alguns pontos.
- Não precisava chamar o médico. Eu
mesmo poderia dar os pontos mais tarde.
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Será que como Boris, Vladic me achava
um fraco também?
- Não fiz só por você. Sei que é casca
grossa - explicou ele cruzando os braços - Fiz
por Kyara. Ela pode...
Mais uma vez ele não concluiu. Não
sabíamos como iríamos encontrar Kyara e ela
poderia realmente precisar de ajuda médica.
- Obrigado, Vladic - dessa vez me
sentei na cama esfregando meu rosto - Não pensei
nisso. Acho que não tenho pensado em muitas
coisas, além de encontrá-la logo. Você viu naquele
dia como o Boris olhava para ela. Não é só para me
atingir, ele a quer. Nesse momento, ele pode...
- Dmi, a Kyara sabe se cuidar - disse
Vladic colocando a mão em meu ombro - Lembra
como foi com a gente? Ela tem garras. Só precisa
se manter segura até a gente chegar.
Ele tinha razão, Kyara tinha unhas afiadas
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quando precisava ter, mas Boris era um louco,
somente uma mente insana tentaria algo como ele
fez, enfrentar e desafiar o Pakhan.
- Ele me ligou há pouco - informei a ele
- O Boris. O desgraçado riu na minha cara.
- Contou a Ivan?
- Entreguei o telefone para que tentasse
rastrear a ligação. O número era restrito.
Louco ou não, burro o Boris não era.
- Mas o que você descobriu com
Dembinsky? - voltei ao assunto principal da sua
vinda ao meu quarto - Ele disso algo ao sair que
não me interessei.
- Tem a ver com seu pai e Kamanev.
Ergui da cama em uma postura rígida.
- Você vai me dizer que...
- Isso mesmo - Vladic me interrompeu
- Foi o Boris que manipulou a Yasha para
envenenar o seu pai. Lembra que muitas coisas
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estranhas aconteceram naquele tempo? - houve
incêndios, furtos e mortes, até achamos que a
Tambovskaya estava agindo, mas o líder deles
alegou que não tinham nada a ver com os ataques
que estávamos recebendo - Foi apenas para o
manter distraído do seu pai. E o veneno fez parecer
infarto.
- Eliminar meu pai foi o primeiro passo
para que Boris chegasse onde ele queria - concluí
por fim - Agora, ele quer a Bratva e a Kyara
também. Tudo o que ele sempre mais quis estava
comigo. Mas ele não terá nenhum dos dois. E vou
fazer com que ele pague por ter dado uma morte
tão desonrosa ao meu pai.
- Pode ter certeza que estarei ao seu lado
quando isso acontecer - jurou Vladic.
Meus olhos estavam úmidos, mas não me
permiti liberar as emoções. Estava feito, otets
Milanovic estava morto ao lado de minha mat'; que
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os dois tivessem o descanso merecido.
Cheguei ao escritório e o Dr. Kushin me
encarou com seus olhos de texugo assustado. A
briga com Vladic deixaria Kyara chateada quando
me visse, mas com os devidos cuidados logo os
hematomas desapareceriam.
- Acho que vou precisar de pontos,
doutor.
- Não será o primeiro - ele fez uma
tentativa de gracejar, mas ao notar que nenhuma
expressão surgiu em meu rosto, ficou sério e
indicou a cadeira para que eu me sentasse enquanto
ele colocava sua maleta na mesa - Sei que pode se
remendar sozinho, sempre pôde.
Era parte de ser um guerreiro, e embora
não exercesse a função de um, precisava saber
como lutar, mas também como cuidar dos
ferimentos que recebia.
- Mas o Sr. Guriev também explicou que
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estou aqui de plantão para atender a futura Sra.
Milanovic. Esperamos que nada aconteça. Ela
estava tão feliz com o casamento. Espero que ela
esteja bem, principalmente no estado dela.
- Estado dela? - ele tinha acabado de
colocar a luva e estava com a seringa na mão
quando me virei bruscamente para ele - Que
estado?
Ele mesmo tinha garantido que Kyara
estava bem quando a consultou no dia que a
encontrei desmaiada no banheiro.
O Dr. Kushin ficou pálido e deu alguns
passos para trás. Vladic, que estava atrás, impediu
que se asfaltasse mais com o corpo servindo como
barreira.
- Fale logo, homem! - urrei ao ficar em
pé - O que a Kyara tem?
- Ela disse que iria contar na lua de mel
- disse ele nervoso, tremendo a agulha na sua mão
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- Mas eu pensei que iria contar logo. As mulheres
quase nunca conseguem guardar um segredo, ainda
mais um assim. Pensei que contaria no mesmo dia.
Ele estava enrolando para conseguir minha
piedade, mas só estava me deixando mãos irritado.
- Kushin?
- Ela vai ser a esposa do Pakhan, eu
também tenho que ter a confiança dela. Eu juro que
ela disse que ia contar.
Avancei até Kushin, disposto a arrancar a
confissão nem que fosse com meu punho enfiado
na garganta dele.
- Fale de uma vez - disse Vladic.
- Ela está grávida.
Foi como se eu tivesse levado um soco no
estômago, e pareceu tão real que cambaleei alguns
passos para trás.
- O que disse? - indaguei desnorteado.
- A Srtª Smirnov está grávida. Apenas
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algumas semanas, mas sim. Isso explica o desmaio
daquele dia e outros sintomas.
Kyara estava grávida de um filho meu!
A mulher que eu amava, com quem iria me
casar nas próximas horas, carregava um bebê no
ventre enquanto era mantida prisioneira nas mãos
de um lunático que me odiava.
- Você não me contou nada! - avancei
na direção dele, mas Vladic rapidamente levou o
homem para trás, segurando agora a mim - Sua
obrigação era me contar independente do que ela
dissesse.
Eu a teria protegido melhor. Se eu
soubesse que Kyara estava grávida acho que nem
teria saído de perto dela.
- Dmitri, a gente precisa dele. E foi um
pedido dela, a futura koroleva. Provavelmente ela
queria te fazer uma surpresa. Você, matar o Kushin,
vai deixar Kyara triste - ele olhou por sobre o
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ombro o médico que praticamente chorava - E o
mesmo aconteceria com a sua mat' [1]se estivesse
viva.
Acontece que eu já não estava
raciocinando bem apenas por saber que Kyara
havia sido sequestrada, agora, saber que meu filho
no ventre dela também corria perigo no mesmo dia
que descobri o assassino do meu pai, me tirava todo
o raciocínio lógico.
Se Boris soubesse disso, que o fruto do
nosso amor estava crescendo dentro dela... Não
conseguia nem imaginar o que ele seria capaz de
fazer, apenas para me desestabilizar. Encontrá-la
agora não era questão apenas de precisa tê-la
comigo, mas de sobrevivência para Kyara e o bebê.
- Tire-o daqui - disse a Vladic ao me
curvar e agarrar firme a borda da mesa - Agora!
Assim que senti a porta fechar às minhas
costas, passei o braço sobre a mesa jogando tudo no
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chão, inclusive a maleta do médico, espalhando boa
parte dos utensílios dentro dela sobre o carpete.
Vidros se quebraram, outros materiais rolaram pelo
chão.
Não satisfeito com isso, fui encolerizado
em direção à estante de livros e a derrubei também.
Tudo o que havia no escritório que pudesse ser
derrubado ou danificado sofreu as consequências
da minha ira.
- Maldito! - urrei erguendo a grande e
pesada mesa, virando-a contra o chão - Maldito!
Maldito!
Como já não havia mais nada a ser
atacado, comecei a socar a parede com força.
Cada murro que eu dava, imaginava ser
Boris Kamanev e isso me fazia socar a parede cada
vez mais.
- Pare com isso! - Vladic me conteve e
me afastou da parede manchada de sangue -
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Quebrar a sua mão não vai te ajudar.
- Meu filho - desabei contra o chão e
Vladic se ajoelhou ao meu lado.
Algo tão bonito e que eu não soube pelos
lábios dela; não pude comemorar enquanto via seus
olhos brilharem de felicidade. O desgraçado
Kamanev também tinha roubado isso de mim.
- Cara, alguns meses atrás você nem
pensava em se casar - disse Vladic me amparando
pelos ombros - Agora, terá uma esposa e um
garoto gritando por você pelos cantos.
- Ou uma menina - consegui dizer -
Como a Kyara. Vai ser bonita pra caralho.
- Vamos fazer um acordo - disse ele se
afastando de mim e rastejando pela confusão na
sala até achar a única garrafa no bar que eu não
tinha desperdiçado em minha fúria - Prometo que
encontraremos Kyara e seu filho, porque só eu
estando morto para não ver esse menino nascer.
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Sequei o meu rosto e aceitei a mão que ele
me dava. Só Vladic para conseguir um pálido
sorriso de mim.
- Você afoga suas mágoas - me
estendeu a garrafa - Pelo menos por essas horas,
Dmitri, você está precisando. E quando descer pela
manhã, preciso que esteja forte.
Eu não queria anestesiar minha dor na
bebida. E muito menos, esperar todo esse tempo
para que Kyara fosse encontrada.
- Ivan...
- Está fazendo o possível, cara - disse
ele insistindo para que eu pegasse a garrafa de
vodka - Todos nós estamos. Mas isso pode durar
algumas horas, como pode durar dias.
No fundo, eu sabia que ele tinha razão.
Um dos motivos que mais me deixava puto com
tudo isso é que eu sabia que Boris estava agindo às
minhas costas. Sabia os motivos das reuniões e iria
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pegá-lo no que eu acreditei ser o momento certo,
mas Boris moveu uma peça que eu não sabia estar
na jogada.
Kyara!
- Você me avisou, Vladic - murmurei
pegando a garrafa - É culpa minha. É tudo culpa
minha.
- O único culpado é o Kamanev - disse
ele - Você fez o que achava certo. Eu achei certo.
Você é meu irmão - disse colocando a mão em
meu ombro - Deixe-me carregar um pouco esse
fardo para você.
Nós éramos irmãos de coração, mas se
fôssemos de sangue, não sei se eu o amaria tanto,
talvez houvesse entre a gente inveja e competição.
Eu preferia um irmão que eu escolhia para ser. Não
eram assim os amigos de verdade, quem
escolhíamos para estar do nosso lado e chamar de
irmão?
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- Está bem - disse passando pelo
amontado de lixo que havia espalhado - Confio
em você, Vladic.
Saí em direção ao meu quarto, já tomando
alguns goles pelo caminho.
Eu havia me tornado o que Boris me
alegava ser: um fraco, porque nesse momento, eu
não tinha condições alguma de lidar com a
frustração e raiva que toda essa merda me causava.
Ao chegar ao quarto, um detalhe novo me
chamou atenção, a folha dobrada em cima da
mesinha de cabeceira do lado onde Kyara
costumava dormir. Caminhei até ela, sentei no
chão, as costas apoiadas contra a cama e comecei a
ler.
Eram os votos de casamento. Votos que
prometemos não ler, mas eu não tinha como não
quebrar essa promessa. Estava faminto por um
pouco de Kyara perto de mim.
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"Eu não sou muito boa com as palavras,
acho que poucas pessoas têm esse dom, mas aqui
expresso com toda sinceridade o que há em meu
coração.
Dimitri.
Meu amor... meu cavaleiro de armadura
negra. Não o que me levou para o seu lindo
castelo, mas o que me libertou das muralhas que eu
mesma havia erguido em volta de mim. Você não
tem apenas duas cores, Dmitri, você é todo o meu
arco-íris.
É seu amor que me liberta todos os dias.
Nunca me senti tão livre, tão protegida e tão
amada. Quero ficar sempre presa em teus braços,
eu te escolhi e te escolheria mil vezes..."
O discurso continuava inflamado, mas já
não conseguia ler. A dor em meu peito era forte
demais. Coloquei a garrafa ao meu lado junto com
a carta enquanto a madrugada escura lá fora surgia.
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Até isso me fazia lembrar Kyara e de quantas vezes
ela passou admirando o céu.
Será que olhava para ele agora?
- Querubim, onde você estiver, estou
pensando em você.
Dmitri Milanovic sofria terrivelmente por
Kyara, mas estava na hora de eu deixar o meu lado
negro falar por mim.
Ele era implacável e traria os dois de volta.
Irina Novitsky
Não haverá mais casamento e o Pakhan
não quer ser incomodado.
Essa foi a única informação que tive
quando o boyevik bateu à minha porta uma hora
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antes de eu começar a me preparar para a
cerimônia. Para mim, a informação e a ordem não
foram suficientes.
Por que Kyara não me ligou avisando?
Afinal, eu era uma das damas de honra. Por que
Dmitri, e até mesmo o insuportável do Guriev, não
entraram em contato comigo se tinham meu
telefone? Por que nenhum deles respondia
nenhuma das minhas dezenas de ligações o dia
todo?
Caramba! Eu tinha me tornado mais do
que a cientista maluca que Dmitri supervisionava.
Eu era a amiga da sua futura esposa, amiga de
todos eles, menos de Guriev. Minha relação com
Vladic era estranha de se explicar. Eu o detestava,
mas ele mexia comigo como nenhum outro homem
foi capaz até hoje. Até Dmitri, a quem sempre
considerei um homem lindo, e o cientista novato e
atraente que eu tinha solicitado que trouxessem dos
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Estados Unidos, não exerciam a mesma fascinação
sobre mim.
Vladic era um grosso, ignorante e burro.
Bom, não realmente burro. Dentro do que ele fazia,
no que ele foi treinado para fazer, não havia pessoa
mais eficiente e preparada que ele. Talvez quem
chegasse mais perto fosse Ivan Trotsky, o chefe dos
Obshchak[2]. Que também tinha muitos músculos,
tatuagens e fazia mais a linha galã de cinema do
que Vladic.
Ele não tinha o rosto perfeitinho. O nariz
era quebrado devido as porradas que deve ter
levado guerreando, treinando o porquê agia como
um cretino mesmo. As orelhas típicas de um
lutador, queixo quadrado e duro. Uma muralha de
músculos, músculos por toda a parte para ser mais
exata e eu sempre admirei mais a massa encefálica
do que a muscular, sorri ao pensar nisso, podia usar
isso contra Vladic quando o encontrasse de novo.
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Os olhos nem eram azuis, mas de um
castanho comum, contudo, traziam algo que o
suavizava; sempre tinha um ar divertido ou de
deboche, principalmente comigo, o que me irritava
mais ainda. Ah, ele também tinha um traseiro de
dar inveja, mesmo que na maioria das vezes
estivesse de terno. Sim, eu havia reparado na bunda
de Vladic. Era quase impossível não reparar, já que
todas as vezes que ele ia embora, meus olhos
fulminantes estavam sobre suas costas, bom,
deveria estar nas suas costas.
A boca também me agradava, bem
desenhada e generosa o suficiente para me fazer
querer mordê-la. E as mãos dele eram firmes e
grandes, já me apertaram firme algumas vezes,
fossem para impedir uma queda ou para me
atormentar.
Isso era uma coisa que ele também sabia
fazer muito bem, foder com a minha mente por
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simplesmente estar no mesmo ambiente que eu. O
problema com Vladic é que ele tinha jeito de
homem, aquele tipo das cavernas que eu deveria
odiar (e eu odiava), mas que também me atraía.
Mas por que eu estava pensando em
Guriev quando minha preocupação deveria ser
Kyara e o casamento que não aconteceria?
Alguma coisa estava muito errada e após
horas tentando entrar em contato com um dos três,
decidi ir até a casa Milanovic e eu mesma encontrar
as respostas.
- Onde você vai? - estava perto de tocar
a maçaneta quando ouvi a voz de meu otets atrás de
mim.
- Vou ver a Kyara - virei para ele e o
encontrei com seu cigarro na mão e copo de vodka
na outra - Pai, o que o Dr. Ian Kovsky disse sobre
não fumar e não beber?
Ele teve um princípio de infarto há alguns
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meses quando seu médico o tinha proibido de
fumar, beber e aconselhado a ter uma vida mais
saudável. Eu ficava de olho e pagava muito bem
Oleg Bezrukov, seu secretário, para ficar de olhos
bem abertos em relação ao meu pai. Depois da
morte do Pakhan, o pai de Dmitri, por infarto,
fiquei ainda mais paranoica em vigiá-lo.
- Aquele merda não sabe de nada -
resmungou ele, mas deixou que eu tirasse o copo e
o cigarro de suas mãos.
Foram direto para o lixo.
- Ele só quer me controlar e que eu viva
mais para arrancar mais do meu dinheiro.
- Eu quero que você viva mais, papai -
olhei feio para ele, embora isso não fosse afetá-lo
nem um pouco - E não é por causa do seu
dinheiro.
- Daragáya[3], não venha com essa
vozinha de garota meiga que ama o papai - voltou
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a resmungar - Para onde estava indo?
Se havia alguém que me conhecia bem era
o meu pai. Nós éramos tudo um para outro, após
minha mãe ter morrido no parto, algumas horas
depois de ter me dado à luz. Eu até achei que ele se
casaria de novo e desejei que isso acontecesse para
me dar irmãos, mas acho que seu carinho por
minha mãe foi mais forte do que ele ousava
admitir.
- Eu preciso ir ver a Kyara - decidi ser
honesta - Alguma coisa está acontecendo. Ela
estava radiante com o casamento. Por que foi
cancelado?
Meu pai respirou fundo e pegou minha
mão me conduzindo à sala de estar. Sempre que ele
queria que eu entendesse um assunto sério, agia
assim. Desde criança, olhava dentro dos meus olhos
e dizia com toda calma quando não poderia ter
alguma coisa, porque ele não podia faltar ao
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trabalho para ficar comigo ou porque a mamãe
tinha morrido e que não, eu não tinha matado ela.
Foi assim desde que criança.
- Sei que é muito amiga dela.
- Eu me tornei muito mais agora -
corrigi lembrando que no passado não era tanto
assim.
Kyara sempre foi uma garota legal comigo
no colégio. Não me chamava de esquisitona como a
maioria das garotas e nem se incomodada que
prestasse mais atenção aos meus livros do que no
que me falava. Mas ela sempre estava com Sonya e
essa sempre foi uma grande suka [4]comigo, a quem
eu preferia passar bem longe e ignorar.
Mas sem a presença da irmã má, era como
se Kyara se permitisse brilhar e ela não precisava
apagar a luminosidade das outras pessoas para se
sentir mais bonita e segura de quem era. Conversar
com ela era fácil, ficar em sua presença era calmo.
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- Ela me convidou para ser dama de
honra - relembrei a ele - Sabe o que isso
significa?
- Exatamente o que a palavras dizem,
uma honra. E não existe pessoa no mundo que
mereça ter todas as honras, além de você -
afirmou ele.
Papai não era de ficar tecendo elogios,
nem mesmo para mim, mas quando fazia era na
hora certa e com palavras perfeitas. Eu nunca fui de
ter muitos amigos, principalmente do sexo
feminino. O que elas conversavam nos vestiários e
nos intervalos das aulas não me interessava. Por ser
filha do dono do colégio ou se aproximava de mim
quando tinham algum interesse em relação à escola
ou me afastavam porque tinham interesses que nem
eu, e principalmente meu pai e professores,
deveriam saber.
Passei a vida toda com a cara enfiada nos
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livros, depois, nos computadores. Ambos eram
mais fáceis de entender do que os humanos. Então,
ele sabia que essa nova fase da minha amizade com
Kyara era importante para mim.
- Mas se o Pakhan ordenou que não
queria ser incomodado, nós vamos obedecer.
- Mas alguma coisa aconteceu, não
estamos falando de um convite para um jantar. É
um casamento, papai - insisti e o sondei com o
olhar - A menos que você saiba de algo que eu
não saiba.
Meu envolvimento com a Bratva ficava na
ciência e tecnologia. Eu sabia das coisas que
aconteciam nos bastidores, dos negócios que eram
fechados e nas relações boas e ruins que eram
mantidas. Mas Dmitri me deu algo que talvez eu
não tivesse em outro lugar, a oportunidade de
mostrar que era boa, ou podia ser, no meu trabalho.
Não importava para ele se eu usava saia ou um par
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de calças, salto alto ou tênis, que minha boca
tivesse mais creme para o café do que batom. O que
ele exigia era que eu fosse eficiente.
Em algumas culturas, mulheres andavam
atrás dos maridos, literalmente. Em outras, cobriam
o corpo para andar na rua, e em outras, eram
tratadas apenas como uma máquina procriadora. Na
Tambovskaya isso ainda era assim. Todo país tinha
suas leis, regras e sua cultura. A Bratva era como
um país dentro da Rússia. Eu não conhecia outra
coisa e me adaptava da melhor forma possível.
Eu nunca criaria uma arma nuclear ou um
vírus que se espalhasse matando rapidamente as
pessoas pelo mundo, mas eu faria algo para nos
defender dela.
- Você sabe de algo que eu não sei,
papai?
Ele desviou o olhar e quando fazia isso
significava três coisas: estava mentindo, iria mentir
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ou queria esconder algo. Eu era assim. Filha de
peixe...
- Pai?!
- Só ouvi boatos.
- Que tipo de boatos?
- Não muito coisa ou se é mesmo
verdade, mas algo sobre quererem derrubar o
Milanovic.
Levei minhas mãos à boca, assustada.
- É só isso que tenho a dizer por
enquanto, daragáya.
- Mas, pai...
Se Dmitri e Kyara corriam perigo, eu
precisava saber. Às vezes ser tão focada em meu
trabalho no laboratório me prejudicava. Eu não
tinha interesse nas questões políticas internas da
Bratva.
- Irina, sou um homem muito rico e
influente, dentro da Bratva e fora dela - disse ele e
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tocou minha face com as duas mãos - Mas se
perguntarem qual a minha maior riqueza, não vou
pestanejar em dizer que é você. Por isso, até que eu
ache seguro, você irá ficar em casa. Quando puder,
o Pakhan e sua amiga darão notícias.
- Mas e o meu trabalho no laboratório?
- Pode esperar alguns dias - disse ele
em um tom firme - Ou peça àquele americano que
traga tudo o que você precisa até aqui.
- Não pode esperar, não! - também falei
firme - E ele é metade russo. Você e Guriev
parecem esquecer isso.
- É que Vladic só dá importância ao que
é realmente importante - disse ele sorrindo -
Sabe, eu gosto dele.
- Do Tigran?
- Não! - ele olhou como se estivesse
louca - O Avtorieyt. E já que não posso mais
sonhar em vê-la casada com o Pakhan, o Guriev
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não é uma escolha tão ruim. Não é tão rico, mas
dinheiro nós temos mais que o suficiente para
dezenas de gerações, que aliás, eu espero que
continue a surgir antes de eu morrer.
- Eu não acredito que está querendo que
eu corteje o Guriev.
Pior do que meu pai ficar insistindo em me
ver casada e com filhos antes que ele morresse, era
ele querer me casar com alguém como Vladic.
- Na verdade - ele soltou meu rosto e
balançou o dedo em frente a ele -, Vladic quem
tem que cortejar você. Talvez eu o chame para um
drink e poderemos conversar melhor sobre isso. O
Pakhan vai se casar, ele deve seguir seu exemplo,
não existe pretendente em toda Bratva melhor que
você.
- Não se atreva, papai! - disse exaltada
- Não se atreva a me jogar nos braços do Vladic.
Você prometeu que posso terminar meus estudos.
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- O problema é que sempre me orgulhei
da sua inteligência e, por isso, dei asas demais a
você, Irina. Sua mãe também era inteligente. Uma
professora universitária fantástica. Mas como eu
fiz, está na hora de alguém com mais pulso te
dobrar.
Não deixaria que Vladic ou qualquer outro
homem tentasse me dominar, quando nem meu pai
havia conseguido.
- Não sou uma folha de papel para ser
dobrada - protestei recebendo um olhar duro, que
ignorei - Prefiro entrar para um convento do que
me casar com ele.
- Não vamos à igreja, minha filha - ele
riu - Você foi batizada?
Tanto quanto ele, não sabia ou não me
lembrava disso. Mas eu entraria para a Igreja nem
que tivesse que pular os muros.
- Vou ver sobre isso e sobre Guriev -
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ele se levantou - E nem tente sair de casa. Tem
um boyevik na porta. Obedeça ao Pakhan já que a
mim...
Ele saiu resmungando, mas meus
pensamentos estavam desconectados.
Ah! Eu queria odiar o meu pai, como eu
queria odiar Vladic Guriev.
Eu até tinha que admitir que sentia atração
por Vladic, mas não a ponto de me casar com ele e
sabotaria qualquer intenção em relação a isso que
meu pai tivesse.
Mas eu precisava ruminar isso depois.
Vladic só era mais uma pedra em meu sapato.
Minha prioridade agora era chegar até o Pakhan e
saber como minha amiga estava. Eu esperava que
ela estivesse bem.