Entro e me encaminho para sentar na cama com ela. Não sei nem como começar, mas tenho que começar de alguma forma, mamãe percebe minha aflição e então pergunta.
- Há algo errado? Aconteceu alguma coisa?
- Sim e não, quero falar algo, mas não sei como.
- É sobre garotos? Não me diga que você... _ Meu deus! Como ela pode pensar isso?
- Céus! Não mãe! Claro que não, nem comece com essas conversas.
- De certa forma é um alívio. Mas se não é sobre isso, o que poderia ser tão sério para você está desse jeito?
Continuo sem saber como dizer, acho que se fosse sobre garotos seria mais fácil. Mas não é, então tenho que ter coragem.
- Mãe você sabe que eu sempre quis ser cantora, não é? Que sempre foi e é meu sonho.
- Sim querida, eu sei, mas já conversamos que esse é um futuro muito incerto.
- Eu sei mãe, mas na escola surgiu uma oportunidade, um concurso estadual, que dará como prêmio um contrato com uma gravadora para o grupo vencedor.
- Ana, nem pense nisso, seu pai nunca aceitaria.
- Mãe, eu estou falando com você, e não com papai.
- Você conhece o seu Pai Ana, sabe como ele pensa, o que ele quer para você.
- Mãe eu não vou fazer direito, não é justo, eu odeio direito, isso não é para mim.
- Ana não ouse falar essas coisas para o seu pai.
As lágrimas começam a descer em meu rosto, minha mãe odeia me ver chorando, então ela me acolhe em seus braços, me abraça forte e fala.
- Ana, por favor tire essas ideias da cabeça, seu pai nunca permitirá isso.
- Mas mãe, ele não pode controlar minha vida para sempre, e não posso perder essa oportunidade agora.
Ficamos ali as duas abraçadas, por um tempo, eu chorando cada vez mais, até que a porta do quarto se abre e papai entra, observando aquela cena incomum, sem entender nada ele entra deixa sua maleta na mesinha perto da janela e pergunta.
- Aconteceu alguma coisa? Porque está chorando Ana?
Eu não respondo nada, então ele se aproxima e acaricia meu rosto e meu cabelo, sinto que esse é o momento perfeito para falar.
- Pai, se eu tivesse a oportunidade de fazer algo que eu queira muito, muito, muito mesmo, e que me deixaria muito feliz, você deixaria? Não iria impedir?
Minha mãe me encara, ela não consegue acreditar que perguntei isso, ele olha fixamente para mamãe, como se já soubesse do que se trata, então papai responde.
- Se você estiver falando de cantar, nem pensar, Ana eu estou trabalhando duro para prepará-la para tomar o meu lugar na empresa, essa é a nossa vida, e você será uma grande advogada, você é muito inteligente e não deixarei isso se perder para algo que é tão duvidoso. _ Com o tempo, papai se tornou sócio da empresa, Barreto e Braga Construções (BBC) agora, devido a associação com seu parceiro o Sr. Antônio Barreto, e isso faz de mim a continuação da "sua" empresa, ele realmente dedicou-se incansavelmente a ela.
- Mas eu não quero fazer direito, eu não gosto.
- Você aprenderá a gostar, assim como eu.
- Mas pai...
- Nada de mas, essa é a minha decisão. _ Ele vai para o banheiro. Quando volta ainda estou lá, sendo consolada por mamãe.
- Ana, pare com isso, não é o fim do mundo, já chega de chororô.
- Pai, você nem me deixou falar do que se trata. Você nunca me escuta, nunca quer saber como me sinto, o que quero fazer, o que importa para você é só aquela maldita empresa, você não se importa comigo. _ Grito!
- Ana... _ Fala mamãe, colocando a mão na boca.
Eu me levanto e saio do quarto deles, papai não diz uma palavra, vou em direção ao meu, só quero chorar e ficar sozinha, na verdade queria uma pessoa ao meu lado agora, Maitê, mas ela me abandonou também, uma sensação de solidão enche meu coração, penso em Rey, mas ele não é a melhor pessoa nesse momento, ele é super legal, mas... mas tem o "mas" e isso modifica muito as coisas. Então só choro, choro muito, até que pego no sono. Alguém bate na porta.
- Querida, você não vai jantar?
Olho para lá, percebo que é mamãe, só balanço a cabeça num sinal de negativo, o que a faz entrar de vez no quarto e sentar na cama, passando a mão em meu cabelo.
- Você sabia que seria assim, Ana, ele é muito rigoroso em relação a isso, contudo, não poderia falar aquelas coisas a ele.
Eu não falo nada, estou com os olhos inchados, não quero ver e nem falar com papai, não agora, mamãe entende minha reação e prefere não insistir.
- Tudo bem, mais tarde peço para Andreia trazer algo para você comer. Boa noite, minha querida. _ Mamãe fala me dando um beijo na testa e sai do quarto.
Eu estou realmente triste e sem pensar duas vezes mando uma mensagem para Maitê.
"Estou com muitas saudades, você não tem ideia da falta que me faz, queria poder evitar isso tudo, me perdoe por não perceber antes e te ajudar, quero ser sua melhor amiga para sempre, espero que saibas disso. I Love you, hoje e sempre".
Ela não responde, isso me tortura ainda mais, eu não quero e não posso perder a amizade dela, o tempo passa e adormeço, nem vejo Andreia entrando com o lanche, quando acordo na manhã seguinte, 7 de abril de 2009, terça, me preparo para encarar papai. Isso não será fácil. Tomo banho, me arrumo, pego minha mochila e desço para tomar o café. Papai já está sentado à mesa lendo o jornal, mamãe está descendo as escadas com seu jaleco no braço, ela acabou trocando de turno devido aos acontecimentos da noite passada, deixa-o no balcão, passa por mim e senta ao lado de papai, eu fico ali sem saber o que fazer.
- Venha Ana, coma rápido já estamos atrasadas.
Eu continuo e sento do outro lado da mesa, de frente para mamãe, ele não me olha em nenhum momento. Então para quebrar o silêncio mamãe faz um sinal, como se estivesse tossindo, papai abaixa o jornal e pega sua xícara de café.
- Ana, seu pai tem algo para conversar com você. _ Mamãe fala isso, olhando para papai, que entende o recado.
- Bom, eu sei do seu desejo de cantar e sua mãe e eu sabemos que você tem muito talento, então quero fazer um acordo com você. Minha proposta é a seguinte, você poderá participar desse concurso, mas se não der certo você me prometerá que deixará essa história para trás e prestará vestibular para advocacia, ou para administração. Essa é sua opção, é pegar ou largar.
Isso tudo é muito arriscado, não há garantias de que me darei bem logo na primeira tentativa, e se não der terei de largar todos os meus sonhos, mas se não for assim, perderei essa oportunidade, e agora? Céus que difícil!
- Tudo bem pai, como você disse é minha única opção, então não é uma escolha. _ Respondo de cabeça baixa. Estou feliz, mas frustrada ao mesmo tempo.
- Mas prometa que vai cumprir Ana, você sabe como isso significa para nós. _ Diz mamãe.
- Prometo mãe, e obrigada pai, você não imagina como isso é importante para mim, e verás que dará certo.
Meu pai não diz mais nada, então mamãe me apressa e saímos, ela me deixa na escola e vai para o trabalho, estou toda animada, vou falar com Maitê, preciso compartilhar essa notícia com ela. Tento encontrá-la antes da aula, sem sucesso, passo a aula toda pensando em tudo, em como tudo pode ser perfeito, mas lembro-me que era para ter aquecido a voz, esqueci totalmente, hoje terá teste. Porém o mais preocupante é não encontrar Maitê.
Após a aula, ela já se encontra no estúdio à espera de Katherine e dos outros alunos, eu a avisto logo quando entro, mas ela quando me ver desvia o olhar, isso já está ficando chato, não temos porque agir assim. Eu sento ao lado de Rey, Katy entra e ficamos na expectativa do que ela tem a dizer.
- Bom, aqui estão as autorizações para levarem a seus pais, cada pessoa pegue uma e traga assinada, eu fiz algumas combinações e vamos testá-las agora. A primeira será a mesclagem de meninos e meninas. Um grupo com 3 meninos e duas meninas e outro grupo com 2 meninos e 2 meninas. Então será assim: Rey, Andrey, George, Maitê e Caroliny e o outro com Priscila, Ana, Ferdinand e Alex. No decorrer das apresentações irei fazendo mudanças. Vamos começar com o grupo de 4, a música será I'm a slave 4 u da Britney Spears, irão cantar a mesma para eu analisar, podem se preparar.
Todos se aprontam, eu estou separada de Rey e principalmente de Maitê, isso me deixa triste. Mas será só um teste, então os dois grupos cantam, eu confesso que o outro grupo foi extremamente melhor. E Katy também sabe disso, depois ela troca de componentes, também uma mesclagem de garotas e garotas, mais uma vez fico separada de Maitê, mas no mesmo grupo de Rey, e mais uma vez o outro grupo foi melhor, então Katy resolve formar os grupos só de meninas e só de meninos, e mudar a música, para os meninos a música é I Want It That Way dos Back Street Boys, e para as meninas a música é Thats The Way It Is de Celine Dion, temos sempre 5 min para ajustar e combinar a música e mais complicado ainda é que é tudo à capela.
Começamos a cantar, primeiro os meninos, eles foram muito bons, realmente perfeito, depois nós, eu canto, sempre olhando para Maitê, ela percebe e tenta não me olhar, mas ela sabe e sente que estou triste com tudo, estou disposta a resolver essa situação. Terminamos, e pela primeira vez sinto que o grupo em que eu estou foi melhor que o outro, essa é uma sensação ótima.
- Meu Deus isso foi incrível meninas, perfeito, os meninos foram ótimos, mas vocês, foram espetaculares. Acho que já temos nossos grupos formados. _ Katy fala com um sorriso no rosto, e todos aplaudindo.
Todos estão muito felizes, observo Maitê que abre um sorriso que eu não via há dias, ela está ao lado de Caroliny, ela é morena, cabelos cacheados, magra, uma negra literalmente linda, elas estão rindo uma para a outra, isso me incomoda um pouco, mas deixo para lá, nesse momento quero resolver as coisas com Maitê, vou me aproximando dela, e de repente, antes de eu chegar, Carol a beija, sem ela esperar, surpreendendo-a, o que é isso? Eu paro, não sei o que fazer, mas faço o mais sensato, recuo, todos observam, quando Carol se afasta Maitê olha para ela e depois me olha, olha a todos e sai correndo da sala, ela está confusa. Eu corro atrás dela.
- Maitê, espere. _ Ela continua correndo em direção ao banheiro e vou atrás dela, quando entro, ela está dentro de uma das cabines.
- Saia daqui, Ana, não preciso de você.
- Você não está bem, por favor, me deixe ajudar você.
- Eu não quero a sua ajuda, você não entende.
- Maitê, por favor, eu não quero perder você, você é a minha melhor amiga. _ O silêncio persiste por um tempo, mas aí Maitê o quebra.
- Porque ela fez isso, Ana?
- Ela deve gostar de você, nós sempre soubemos que ela é gay, ela talvez agiu por impulso. _ Respondo me sentando encostada na parede pelo lado de fora da cabine em que Maitê está.
- Mas porque eu?
- Você falou alguma coisa para ela ou outra pessoa sobre suas dúvidas?
- Não Ana, claro que não, só para você.
- Então não sei, mas pode ter sido só coincidência, saia daí, vamos para a sua casa, você precisa de colo, não sei se você quer o meu, mas não conseguirá nada aqui.
O silêncio toma conta novamente do banheiro, mas logo depois ela abre a porta, levanto-me, ela está arrasada, corro para abraçá-la, eu sei que ela está muito triste, então a ajudo a sair dali, precisamos as duas sair. Pegamos o ônibus e seguimos para a sua casa. Os pais dela estão no trabalho, o que é bom, seguimos para o seu quarto, deitamos na cama, e ela aceita cordialmente o meu colo, eu sei que ela precisa disso. Ela está aos prantos.
..........***..........
- Calma, você não precisa ficar assim, e não coloque culpa em Carol, eu tenho certeza que ela agiu sem pensar. _ Digo a ela.
- Mas ela não podia ter feito isso Ana, ela não tinha o direito. _ Maitê diz chorando ainda mais.
Ficamos ali por um tempo, até que ela se acalma, as lágrimas já não caem mais, e sua respiração voltou ao normal.
- Você está melhor? _ Pergunto.
- Sim, obrigada, e me perdoe, eu fui tão idiota com você, e é você que sempre esteve ao meu lado. _ Ela fala isso sentando na cama e abaixando a cabeça.
- Ei, pare com isso, já passou, eu também não soube lidar com a situação, me desculpe. _ Falo isso, sentando também na cama e colocando minha mão em seu queixo levantando sua cabeça, estamos frente a frente.
Ela está tão triste, seu olhar é arrasador, lembro-me de todas as vezes que ela sorriu para mim, de todas as vezes, que ela disse que me amava, e eu não percebi nada, observo de modo diferente sua beleza, seus lábios, seus olhos, e sem pensar, em nada, em ninguém, a beijo, com a mão ainda em seu queixo, encosto meus lábios nos seus, ela prende a respiração, ela está novamente sem ação, por que estou fazendo isso? Eu paro, me afasto e abro os olhos, ela está me olhando fixamente, o que eu estou fazendo? Não posso fazer isso com Maitê, não com ela.
- Me perdoe, me des.... _ Falo com a voz trêmula, sem terminar a frase.
Levanto, pego minha mochila e saio correndo, é o máximo que posso fazer, deixo-a lá, tenho que raciocinar. Estou no ponto de ônibus, esperando sentada, com os pensamentos a mil, até que me assusto com Maitê aparecendo de repente e sentando ao meu lado.
- Tudo bem? _ Pergunta ela.
- Me perdoe, Maitê, eu não queria fazer isso, foi... nem sei dizer o que foi. Só me desculpa. _ Falo de cabeça baixa.
- Eu também não, eu sonhei tanto com isso, em te beijar, e agora estamos aqui, sem saber o que fazer e falar.
- Só me perdoe. _ Falo olhando para ela.
- Tudo bem, acho que as coisas não estão bem para nós duas, temos duas opções, ou esquecemos isso e seguimos sendo melhores amigas, ou deixamos isso nos afetar, e perderemos nossa amizade para sempre.
- Você acredita que poderemos esquecer tudo? _ Ela dá de ombros, nem ela sabe, mas precisamos tentar, não quero e não posso perder a amizade dela.
- Eu não sei Ana, mas esses dias foram horríveis sem você, e não quero que continue assim e mais, temos que ficar unidas agora mais do que nunca, vamos ganhar aquele concurso Ana, e você vai provar para os seus pais do que é capaz.
Lembro-me dos meus pais, nem contei a ela sobre o que aconteceu, e faço isso, conto tudo, do acordo, do drama, ela sorri e me abraça dizendo.
- Isso é ótimo, Ana, fico muito feliz que poderemos cantar juntas.
- Sim, vamos lutar por esse sonho.
Maitê sempre me abraça, mas agora seu abraço está mais forte, mais quente, diferente, é estranho e bom ao mesmo tempo. Ela se afasta, ficamos ali por um tempo sem dizer nada. Até que faço uma pergunta, óbvia e oportuna.
- E o que pretende fazer com Carol?
- Não faço a mínima ideia, acho que o mais sensato é conversar. Preciso entender porque ela fez isso.
- É, o mais sensato.
O ônibus chega me despeço dela com um abraço, entro e sento no banco atrás, meus pensamentos estão à mil e ao mesmo tempo imagino como devem estar os de Maitê. Chego em casa, papai já se encontra, assistindo a um jogo de basquete.
- Oi pai, chegou cedo hoje. _ Vou até ele e dou-lhe um beijo na testa.
- Sim, está tudo tranquilo na empresa hoje, resolvi me dar a tarde de folga. Você não deveria está toda saltitante? Não parece tão feliz.
- Eu estou pai, só estou cansada. Ah! Está aqui a autorização, preciso que você e mamãe assinem, preciso levar amanhã, fique com ela para ler, depois me entregue.
Ele concorda, dou-lhe os papeis, e vou em direção ao quarto. Entro, jogo minha mochila no chão e deito na cama, não consigo parar de pensar em Maitê e no beijo, passo as mãos em meus lábios bem lentamente., como ela é doce, como ela é linda, como ela é... Ana, pare com isso! Digo a mim mesma, isso é loucura, relaxo, e pego no sono. Até que mamãe bate à porta, para irmos jantar.