ganhar um ursinho de pelúcia, mas como eu morava num orfanato que mais
parecia um inferno, essa regalia para as crianças nunca acontecia, nem
mesmo nas épocas natalinas.
Agora, o Jacob e o Apolo realizaram meu sonho sem nem ao menos
saberem dele. O choro logo me atingiu em cheio e a única coisa que eu
queria fazer aquele momento era agradecê-los então sai do quarto,
enxugando as lágrimas, e desci. Assim que entrei na cozinha, onde os três se
encontravam conversando. Eu me aproximei e abracei Apolo bem forte, pois
ele era o mais próximo da porta.
- Obrigada, muito obrigada, Apolo – falei em meio aos soluços,
depois fui abraçar o Jacob que tinha se aproximado de nós, meio preocupado
– Eu amei o presente que vocês me deram – comentei me desvencilhando
dele e olhando para os dois – Muito obrigada, gente. Vocês estão me fazendo
apagar lembranças ruins e substituir só por recordações boas. Quando eu for
embora, vou na certeza de que fiz dois amigos...
- E eu aqui não conto não, é? – resmungou Ethan, me fazendo sorrir
ainda meio chorosa, então o chamei para um abraço também.
- Quem aqui está com fome? – indagou Jacob, já nos chamando
para comer o espaguete que ele tinha feito.
"Nunca tive amigos tão legais e divertidos como esses" pensei
enquanto os via terminando de se servirem à medida que conversavam sobre
quem fazia o melhor espaguete dentre os três.
Era por volta das duas e meia da tarde quando Shoreline ficou para
trás, à medida que seguíamos a I-5, rumo ao Canadá, pois segundo Apolo me
informou, sua família residia em uma casa em West Vancouver. Como Ethan
praticamente me contou sua vida toda enquanto fazia o meu cabelo, agora na
viagem, eu passei a ser o seu alvo. Mas não tinha muita coisa para contar
sobre a minha vida.
Apenas que meus pais haviam morrido em uma queda de avião
quando voltavam de uma viagem de férias. Que após isso eu tinha sido
levada para um orfanato, onde fiquei dos sete aos dezesseis anos, mas que
fugi de lá, indo morar nas ruas por alguns meses, até que conheci o meu ex-
namorado que era chefe de uma gangue local.
Passei então a viver com ele, sendo sua mulher, sua subordinada, sua
escrava sexual e principalmente seu saco de pancadas até o dia que o mesmo
foi preso e eu tive a chance de sair daquele relacionamento abusivo e
violento por qual vivi por mais de dois anos.
- Meu Deus! Que vida triste. Tadinha da minha Buchoca – Ethan
disse chorando, já me abraçando.
- Ok, gente, vamos parar de falar de mim, senão o Ethan vai alagar
o carro todo, porque ele está pior que o chorão do Apolo.
- Ei, eu não sou chorão não! – ele rebateu se virando para trás,
encarando-me.
- Você é um chorão muito fofinho – murmurei me inclinando um
pouco para frente e apertando a bochecha de Apolo, fazendo os outros rirem.
- Bota Kazaky aí para tocar, Jacobito. Vamos balançar os
esqueletos meu povo!
- Ka... o quê? – indaguei, sem entender nada.
- Kazaky é uma banda gay...
- Eles não se assumiram gays, Ethan – interrompeu Apolo.
- Se eles são héteros daquele jeito, então também somos, Cherzito.
Mas continuando... – ele disse voltando a olhar para mim – Kazaky é uma
banda mega muito diva. Aquelas bichas arrasa no salto, literalmente.
- E tem uns abdomens de tirar o fôlego – acrescentou Apolo.
- Ah é, né? É bom saber disso, querido.
- Humm... Jacobito está com ciúmes – Ethan provocou sorrindo.
- Relaxa, amor. Os deles são de tirar o fôlego, mas o seu é de matar
de tesão – Apolo ressaltou, fazendo um carinho no Jacob, provavelmente na
bochecha, pois não deu para ver direito, já que eu me encontrava sentada
atrás do banco do motorista.
- YOUR STYLE! – Ethan gritou quando uma música invadiu o
interior do carro e logo os três começaram a cantar e a se remexerem em
seus lugares, da cintura para cima.
"Estou presa num carro com três doidos"
- Vamos, Buchoca! Canta com a gente! Solte a bicha presa em você!
- Não sei essa música – declarei.
Fiquei apenas a observar eles enquanto as músicas preenchiam o
interior do carro de minutos a minutos, até que começou a tocar uma
conhecida e aí eu surtei.
- FOR YOUR ENTERTAINMENT! – gritei, pois era a minha
música favorita e a única que eu sabia a letra até detrás para frente, de tanto
escutar nas ravers que eu ia.
- Olha só, meninas, a Buchoca tem cultura. Eu tô chocada!
- Cala a boca e canta, Ethan! – exclamei empolgada, fazendo todos
rirem.
A viagem seguiu animada entre uma música e outra, até que Jacob
saiu da estrada e parou o carro no estacionamento de um posto de gasolina
em Blaine, desligando o som.
- O que foi, amor?
- Nós esquecemos – ele disse, num tom preocupado.
- Esqueceram o quê? – perguntei.
- De que você não possui documentos.
- E daí, Jacobito?
- E daí, que vamos passar pelo posto da fronteira no Canadá e vão
pedir os documentos de todos nós. E a Theodora não tem identidade.
- Ah merda! – praguejou Apolo, puto de raiva.
- O que vamos fazer, querido?
- O jeito é ela ir no porta-malas.
- Vá você no porta-malas, Apolo – retruquei, fechando logo a cara.
- Não vai ter jeito, Thea. Você vai ter que ir lá mesmo.
- Não vou não, Jacob.
- É só enquanto passamos pela fronteira, Buchoca.
- Não!
- Eu não vou perder o casamento da minha irmã por causa de você
não – comentou Apolo, já saindo de dentro do carro, dando a volta e abrindo
a porta do meu lado – Desce. Você vai sim no porta-malas.
- Isso é contra os direitos das grávidas – acusei saindo do carro e
encarando ele bem brava.
- Desde quando você sabe sobre direitos civis para gestantes? –
Apolo me questionou e eu dei de ombros.
- Não sei, mas lá deve ter uma parte onde fala que é proibido enfiar
uma grávida dentro de um porta-malas.
Apolo rolou os olhos e me encaminhou para parte de trás do VW
Golf R.
Graças a Deus conseguimos passar pelo posto no Canadá e na
primeira curva da BC-99, eu parei o carro no acostamento e pedi para que
Apolo fosse tirar a Theodora lá do porta-malas.
- E por que tem que ser eu, hein amor?
- Porque você deu a ideia e a enfiou lá. Anda logo – falei, já lhe
entregando a chave.
- Vamos deixar ela lá.
- Eu tô escutando, seu filho da puta! – ouvimos ela praguejar num
som abafado.
- Buchoca tá muito puta da vida – comentou Ethan rindo à medida
que o Apolo saía do carro.
Num minuto, eu via pelo retrovisor, Apolo abrindo o porta-malas, já
no minuto seguinte, eu o vi ser alvo de tapas de uma Thea em fúria, que dizia
coisas como "Vai prender sua mãe dentro de um porta-malas, seu
desgraçado!".
Então sai de dentro do carro, para tentar acalmá-la e salvar o Apolo
do ataque dela, mas não consegui segurá-la a tempo da Theodora dá um
chute nas partes íntimas do meu companheiro, que se curvou, ajoelhando-se
com as mãos entre as pernas e fazendo uma expressão de dor.
- Se acalma, Thea, por favor. Isso não vai fazer bem para a bebê –
falei e em seguida pedi que ela entrasse então me aproximei de Apolo e o
amparei, conduzindo-o devagar para dentro do veículo de novo.
- Você está bem, Cherzito?
- Ele acabou de levar um chute no saco, Ethan. Tu acha que o Apolo
está como, hein? Vomitando arco-íris de alegria? Não. Ele está sentindo
muita dor – retruquei com raiva, porque eu detestava ver o meu Apolo com
dor, pois parecia que a dor dele era a minha – Na primeira loja de
conveniência que eu ver, vou parar e comprar algo gelado para você colocar
aí, amor. Não se preocupe, essa dor logo vai passar – falei, afagando sua
coxa enquanto seguíamos viagem.