Capítulo 3 Me sinto uma estrangeira

Conduzida por Samuel, Kátia se aproxima da mesa de Edgar.

Ele que observava tudo a distância, vê outra vez nela um sorriso gentil e inocente enquanto ela conversava com o garçom, a impressão que eles já se conheciam era grande e o receio de ter caído em algum tipo de enrascada aumentava, agora não tinha volta, tinha que ver para crer.

Samuel deixa Kátia de pé ao lado da mesa de Edgar e sai, educadamente, dizendo apenas que ele voltará em breve para pegar o pedido dela, Kátia, encabulada se limita a sorrir.

Edgar então inicia a conversa.

- Oi, parece que vamos jantar juntos hoje. Pode sentar.

Ela visivelmente constrangida agradece em silencio e se senta em frente ao homem desconhecido.

- Meu nome é Edgar e o seu é...

- Kátia, muito prazer Edgar. Eu realmente agradeço por me deixar jantar aqui hoje. Você salvou o meu dia.

- Foi impressão minha ou você e o garçom se conhecem?

Ao mencionar Samuel, Kátia sorri involuntariamente.

- Sim, nos conhecemos, estudamos juntos e ele sempre me metia em suas confusões, mas eu não sabia que ele trabalhava aqui, fazem dez anos desde a última vez que nos vimos.

- Então alguém mentiu pra mim. Ele me disse que você é de fora e se equivocou com a reserva pro evento e que só podia jantar nesse restaurante hoje. Se você mora na cidade, qual o motivo disso tudo?

Kátia baixou a cabeça sorrindo e disse baixinho:

- Samuel, Samuel, realmente tu não mudou nada...

- Bem Edgar, deixa eu me apresentar adequadamente então para desfazer qualquer mal-entendido. Meu nome é Kátia Meyer, sou nascida e criada aqui em Joinville e conheci o espertinho do Samuel na sexta série, ainda na escola e estudamos juntos até concluir o ensino médio. Ele foi pro Mato Grosso e até o dia de hoje não tínhamos contato um com o outro, mas ainda considero ele um bom amigo.

Nessa hora, Samuel se aproxima trazendo um copo de suco de uva para Kátia, ela olha para ele e diz:

- Sem vergonha, o que tu ganhou com essa armação?

Samuel deixa o suco e se afasta respondendo baixinho e dando uma piscadela.

- Apenas servi bem a uma velha amiga que queria comer no restaurante onde trabalho.

- Sei...

Edgar assiste a interação entre eles com curiosidade, avaliando as atitudes dela e percebe que é sincera, decide então continuar com a conversa.

- Disse que eu salvei teu dia, não entendi

- Meu dia foi terrível e tudo o que eu queria antes de ir embora da cidade amanhã, era jantar aqui, mas não consegui um convite, então me arrumei e vim arriscar, se não conseguisse ia comer algum lanche ali no Mueller mesmo.

- Kátia você é daqui, mas disse que vai embora amanhã, onde você está morando então?

- Em Camboriú. Tinha uma imobiliária em Balneário, em sociedade com meu ex-marido. Agora que me separei vim passar uns dias na casa dos meus pais, mas não deu muito certo e estou voltando amanhã. E você Edgar, seu sotaque não é daqui.

- Sou de São Paulo, engenheiro civil, vim conhecer um terreno pra empresa onde trabalho.

- Ah... Pretendem construir o que?

- Um prédio de apartamentos.

- Em que bairro?

- Como assim?

- Isso, em que bairro pretendem construir, sabe, alguns lugares aqui, pontos específicos, costumam alagar quando chove muito forte, tudo piora com se for hora de maré alta. Acho que isso pode interferir no teu projeto não é?

- Deixa eu dar uma olhada aqui... o bairro é Anita Garibaldi.

- Se incomoda se eu fizer uma ligação? Tenho um primo que trabalha como bombeiro voluntário e costuma socorrer os moradores quando tem alagamento.

- De maneira nenhuma.

Kátia pega seu celular, conversa rapidamente e em seguida desliga. Nisso Samuel se aproxima e entrega o prato que Kátia escolheu e se afasta sem dizer nada.

- Bom, a região de alagamento costuma ser na área próxima ao Nova Brasília, o terreno que você está estudando é perto do Piazza Itália, não tem risco não.

- Ninguém me avisou que a cidade tem problemas com alagamentos na região próxima ao Centro.

Kátia riu espontaneamente.

- Edgar, a o centro da cidade sofre com enchente e alagamentos, é histórico. A situação é tal que fez com que um cemitério fosse realocado nos primeiros anos da cidade, quando ainda se chamava Colônia Dona Francisca.

- Sério?

- Sim.

- Acho que preciso buscar mais informações a respeito, o investimento que a empresa quer fazer é alto e eu fiquei responsável pelo projeto. Por que você não mora mais aqui?

Kátia abandona o sorriso e responde com um tom melancólico.

- É uma longa história, mas resumindo, virei estrangeira em minha própria terra.

            
            

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