- Esforçada pode ser, mas você tem certo distanciamento do público, mon amour, hoje foi diferente. Hoje a sua alma estava naquele palco. E foi lindo de se ver.
- Para de falar besteira!
- Besteira o caralho, sou madame Bovary, diva do show adulto. Dona do Burlesco. Rainha da porra toda. Se eu digo que foi incrível , você sorria e aceite...
- Modesta e humilde.
- E gostosa... Não se esqueça disso, rainha.
- Me dá uma carona?
- Claro.
Terminei de me trocar, e fui para o estacionamento. Madame dirigia como um piloto de fuga. Fomos cantando Lady Gaga durante a volta, eu amava estas caronas. Cheguei em casa e liguei o celular.
- Mensagem recebida.
"Bons sonhos, minha, só minha loira".
Mordi os lábios, o que estava sentindo era um sentimento avassalador, desejava demais estar com Miguel, ao mesmo tempo em que morria de medo de perdê-lo.
Era tão recente, e descompromissado. E ainda assim perfeito.
Mesmo sabendo que não era para mim, eu não conseguia dizer não e me afastar. Então comecei a contar pequenas mentiras.
"Saudades, meu grandão, aliás, preciso saber se é todo grandão mesmo" - mensagem enviada.
- Mensagem recebida.
"Essa minha namorada, acordada a essa hora pensando na extensão do meu tamanho, hahaha parece que a noite faz minha gatinha virar uma onça".
"Vou dormir pensando em outras formas de saber isso, beijinhos" - mensagem enviada. - Mensagem recebida.
"Eu só vejo uma, mas não se preocupe, terça-feira você saberá e nunca mais esquecerá, te adoro minha loira, um beijo e durma bem".
Fiquei um bom tempo rolando na cama até pegar no sono, apesar de estar muito cansada, minha mente estava em um turbilhão.
Prometi a mim mesma que eu ficaria com ele até terça-feira, nesse nosso encontro eu mataria todo o tesão que sentia por ele, e romperia de vez com aquilo. Eu precisava tê-lo. Depois disso dormi um sono sem sonhos e revigorante.
A quinta-feira passou rápido, assim como a sexta. Já o fim de semana me deixou mal-humorada, fui visitar minha mãe e não me deixaram entrar, só vê-la através do vidro. Mamãe estava entubada novamente, pegou uma infecção que segundo os médicos já estava controlada. Toda vez que eu a visitava eu me lembrava de que era impotente, por mais que eu batalhasse pelo tratamento, remédios e tudo que pudesse aumentar e melhorar a qualidade de vida dela, eu não podia fazê-la acordar.
Voltei para casa, mais uma vez com o coração na mão. Queria um abraço do meu bonitão. Porém com Miguel de plantão e eu de folga, dificultava.
Queria vê-lo, porém tinha consciência de que se eu ficasse com ele o tempo todo, me apaixonaria fácil.
Quando o domingo terminou constatei que era a primeira vez na vida que fiquei feliz por ser uma segunda-feira, fui trabalhar com gosto.
Cheguei à lanchonete cinco minutos antes do meu horário, lavei o chão, coei o café e vi Patrícia correr com o avental ao entrar atrasada.
- Loira, peguei um ônibus que não andava.
- Imagino. Seu Clóvis não está.
- Ótimo. Assim não emenda com a bronca de ontem.
- O que aconteceu ontem? - me aproximei curiosa.
- Helena foi pega dando para um médico, no estoque.
- Que médico? - não vou negar que um fio de medo subiu pela minha espinha.
- Doutor João, aquele negão absurdamente gostoso.
- Sei quem é - suspirei aliviada.
- Ficou com ciúmes do bonitão? - ela gargalhou - Loira nunca vi esse homem olhando ninguém, nem ouvi boatos na rádio corredor. Quer dizer o povo agora fala de vocês dois.
- Fala o quê?
- Que tá rolando - ela esfregou uma mão na outra num ar de pura malícia.
- Bom dia - a voz dele encheu a sala.
- Bom dia - o sorriso que se estampou na minha cara foi involuntário.
- Como você está? - ele aproximou-se de mim - Eu senti saudades.
- Eu também.
- Porque não veio me ver? Você sabia meus horários de pausas.
- Achei melhor que você dormisse.
- Eu senti que você não está mais com vontade de ficar comigo.
- Estou sim, você sabe que estou.
- Como foi seu final de semana? - quando aqueles olhos escuros pousaram em mim, eu me sentia como uma fogueira crepitando.
- Dormi de dia, trabalhei à noite.
- Pensei que não tinha trabalhado fim de semana.
- Fim de semana que é mais puxado.
- Sério? - ele arregalou os olhos - Pensava que os pais preferiam ficar com as crianças aos finais de semana.
- Não. É difícil ter folga de sábado e domingo. - me doeu dizer aquela mentira, aliás, mentir para ele era doloroso.
- E teve alguma novidade sobre o caso de sua mãe?
- Na mesma, fui visitá-la. Desta vez não pude entrar. Não vejo a hora de isso terminar.
- Quer que eu vá até lá? Eu consigo um quadro clínico. Meu pai... Ele... Bem, ele trabalha neste hospital.
- Você faria isso por mim?
- Eu faria tudo por você.
- Ih - interrompeu Paty - Parece que alguém vai casar.
- Meu Deus, Patrícia você não cansa? - casamento não podia ser pauta.
O que sentíamos um pelo outro, era atração sexual, quando transássemos passaria.
- Quem sabe do futuro? - Miguel beijou minha bochecha com malícia evidente.
- Vá trabalhar Miguel.
- Me dá um tesão louco quando você chama meu nome.
Ele saiu sem nem tomar o café, e eu fiquei molhada só de ouvir aquela voz maravilhosa.
À noite não o vi quando saí, fui direto para o trabalho. Trocariam o mastro do pole dance e Bovary queria que eu visse se o serviço fora bem executado.
- Rainha, vem ver.
Madame me levou para dentro pela mão, o palco teve seu tapete preto trocado por um de tom vermelho. Estava bem mais bonito, devo admitir.
Subi e fui até o mastro dourado, dei alguns rodopios e sentei-me no chão.
- Rainha hoje não terá ensaio, as outras meninas foram dispensadas, mas eu queria que você visse.
- Está lindo.
- Ótimo, vamos pra casa então... Meu celular tocou enquanto nos despedíamos, olhei o visor, era meu bonitão.
- Linda? Estou saindo do hospital agora, vamos nos encontrar?
- Pode ser.
- Onde eu posso te pegar?
- Vai me pegar é? - pude ouvi-lo rindo do outro lado da linha.
- Se você quiser...
- Besta, estou perto da Rebouças, me encontra perto da casa de aulas de música?
- Chego em uns vinte minutos.
Madame Bovary me encarou, porém não falou nada, desci correndo e fui caminhando apressada até nosso ponto de encontro.
Não o esperei mais que dez minutos, Miguel estava lindo, como sempre, entrei no carro, sentei-me no banco do carona, demos um selinho rápido.
- Vamos para minha casa?
Acenei concordando com a cabeça, pude sentir sua mão em minha coxa e fiquei úmida.
Seria naquela noite, se bobear naquele carro.