A puxo e a beijo até cansar enquanto tudo sacode e treme como se a aeronave fosse se desfazer a qualquer momento.
"Se eu pudesse eu preferia morrer na cama, mas me contento em te beijar", digo quando ela me empurra e a puxo de volta sem a deixar escapar.
"Preparar para o impacto!", a voz alta da comissária treme e afivelo meu cinto e ponho a cabeça entre os joelhos.
Em segundos sentimos um impacto enorme, indescritível, a força dos motores dando propulsão avante enquanto o solo nos agarra e despedaça.
As forças colidindo e nossos corpos como marionetes sem vida sendo empurrados por todos os lados. A confusão é tão grande que não ouço nada, nem gritos, nem choro, nada.
E então, assim como tudo aconteceu um silêncio assombroso se instalou no meio da escuridão.
Eu sei que estou vivo porque estou sentindo dor, não muita dor, então acho que não aconteceu nada grave comigo.
Um pensamento me invade... fogo... o avião pode explodir a qualquer momento.
Me sinto preso, então deixo a saliva escorrer para ver onde está o chão e ao que parece estou sentado ainda. O breu é total, não há uma luz.
Celular! Me revisto e tento achar o abençoado aparelhinho. O sacudo e a luz aparece.
"Graças a Deus!", exclamo e me sinto infame com esse pensamento, porque mesmo vindo de uma família protestante, nunca fui religioso, mas agora estou agradecendo a Deus por tudo! Que hipócrita eu sou! Sorrio envergonhado.
Direciono a luz em todas as direções e fico espantado... cadê o resto do avião?
A parte de trás foi arrancada e estou em um pedaço que sobrou da primeira classe.
Desafivelo o cinto e lembro da Ária.
Meu Deus, o que aconteceu com ela?
Levanto, os joelhos ainda moles, meu corpo tremendo todo e direciono a luz com cuidado e a encontro caída, sua poltrona foi arrancada pela força do impacto.
"Ária, Ária", a chamo com medo do que vou encontrar ao me aproximar.
Escuto seu gemido e posiciono o celular escorado sobre outra poltrona, de forma que possa ver a situação dela.
Começo a puxar a poltrona dela e tentar desafivelar o cinto, ela gemendo.
A puxo com cuidado para mim, com muito medo de ver fraturas, sangue...
Ela tem um corte na testa, foi feio para uma situação normal, mas não tão grave como poderia ter sido e não parece ter nenhuma fratura.
É um milagre realmente e vou me desculpar com minha avó que sempre me inferniza para frequentar a igreja e me tornar 'um homem de Deus', depois dessa.
Ária me abraça e chora soluçando. "Tudo bem, tudo bem", a deixo chorar baixinho no meu ombro, afagando suas costas.
De repente ela me olha com os olhos arregalados e se vira para olhar a cabine à nossa frente. Meu coração dá um pulo.
Sou um homem, mas se gostasse de anatomia, sangue e ossos quebrados seria médico! Só de pensar no que vou encontrar logo adiante, meu sangue gela.
Ária passa por mim e pede para que eu ilumine e vai adiante em direção à cabine de comando.
A cena vai me assombrar para sempre. A cabine parou em uma árvore e uma colisão frontal com uma árvore na velocidade em a gente vinha... um dos pilotos estava evidentemente morto, sua situação era horrível e logo desviei o olhar, mas o outro estava todo quebrado, mas ainda vivo.
Ária imediatamente foi até ele e tentou ajudá-lo, mas metade do seu corpo estava esmagado pela estrutura do avião prensada na árvore.
Ele pedia água e nós corremos de um lado para o outro tentando achar para dar a ele.
Eu firmei sua cabeça e Ária deu água a ele devagar, porque ele não conseguia mais se mexer, nem os braços ou mãos, nem sustentar a cabeça sozinho.
O cara era jovem e me senti horrível por ele estar nessa situação...
Ele pediu que a gente dissesse para a família dele que os amava e que não sofreu, o que evidentemente era mentira, mas concordamos. Então ele começou a tossir muito nos deixando desesperados e em poucos minutos estava morto.
Foi uma coisa horrível de ver e tanto eu como ela ficamos em choque.
"Será que todo mundo morreu?", a Ária me encarava com olhos arregalados como pires.
"Não sei, se estamos vivos, com certeza mais gente deve ter sobrevivido", digo sem muita convicção depois de ver a situação dos pilotos.
Muita gente estava no avião, mas não estava lotado, graças a Deus não foi próximo a feriado ou coisa assim, senão a tragédia teria sido pior ainda...
A Ária começou a gritar: "Alguém? Alguém aí?", mas só o silêncio nos respondeu e o barulho dos insetos e do mato.
"Scott desliga o celular", ela me diz de repente.
"Por que?", não entendi, como vamos ficar no escuro no meio do mato?
"Olha pelo visto somos só nós e vamos ter que aguentar até que alguém venha nos resgatar e a única coisa que temos agora é o seu celular, eu não achei o meu... estamos no meio do mato nessa escuridão, não adianta tentar fazer nada agora. Quando amanhecer a gente se organiza para ver o que pode fazer", ela diz tentando montar uma estratégia.
Peço para ela focar o celular e arrasto as poltronas para as colocar contra a parte interna da aeronave, tentando fazer uma cama para nós e puxo todos os cobertores e travesseiros que encontro.
Entro no 'ninho' e a chamo e sem hesitar ela vem e me entrega o celular.
"Desliga para economizar", ela me diz.
"E se um animal aparecer...até ligar, já era...", digo pensando nas possibilidades.
"Tanta má sorte não existe! Além do que os bichos devem estar assustados com o que aconteceu, então pelo menos hoje, acho que estamos a salvo", ela diz suspirando.
Não estou muito convencido, mas desligo o celular e a escuridão invade com força, não há uma luz sequer, estamos no meio da floresta.
Respiro fundo e me acomodo o melhor possível, sentindo o corpo da Ária colado no meu, estamos encolhidos, dormindo de conchinha, eu e ela, nem acredito nisso.