Capítulo 5 Abraço Materno

Descrente do que ouvira, o Senhor Jiang se voltou para o garoto com o olhar desconfiado. Mais que qualquer um, ele sabia bem o que o menino estava pensando.

Demian sabia que seu pai ficou noites com ela no passado, e que foi quem esteve ao seu lado quando despertou. Porém, Nádia parecia alheia à presença do sujeito, como se Heitor fosse uma massa de ar estática. "E meu pai, Heitor Jiang, já o viu antes, certo?".

Só aí Nádia se virou para admirar o indivíduo plantado feito uma árvore na porta que até então ela ignorava a presença.

Primeiro deslizou seus orbes por sua figura lânguida, espremeu as pálpebras semelhante a um idoso tentando ler um rótulo de letras miúdas, então desistiu. Heitor não acreditou no que seus olhos lhe mostraram. Ficou duplamente incrédulo quando a mulher abriu a boca e soltou:

"A gente já se conhece?", perguntou àquele homem carrancudo.

Como essa mulher ousava não se lembrar de sua pessoa ilustre? Se foi ele quem passou quase a noite toda cuidando dela? Ele tinha o rosto tão medíocre e insignificante a ponto de ser facilmente esquecido? Pensou.

"Bem", o Senhor Jiang iniciou frígido, "é um prazer vê-la novamente, Senhorita N –", seus lábios desenhavam a forma que dava som ao "N" quando uma voz se sobrepôs a sua.

"Senhora!", interrompeu. "Por favor, me chame de Senhora Nádia", exigiu.

Que mulher abusada! A cara de surpresa de Heitor Jiang era nítida, mesmo sob suas camadas de gelo.

Após o torpor da confusão, os neurônios do Senhor Jiang retomaram o trabalho. Ele franziu as sobrancelhas involuntariamente.

"Muito bem, Senhora Nádia", pronunciou quase entredentes, com um desgosto contido, como se cuspisse espinhos, não sílabas "é um prazer conhecê-la.".

Enfatizou a palavra prazer, na verdade, não era isso que ele queria dizer. Isso estava longe de descrever o que ele sentia. Mas, perante essa mulher irritante, ele ocupava uma posição de subordinação, afinal, ele tinha uma dívida altíssima com esse ser isento de bom senso, o que ele poderia fazer?

Agora, até o seu sobrenome parecia que a mulher tinha levado. No futuro, só Deus sabia o que mais ela poderia tomar. Tudo isso era inesperado, imaginou.

"Senhor Jiang, é prazer conhecê-lo também", falou num tom tão lânguido e despretensioso que, se não tivesse mencionado seu nome, Heitor poderia imaginar que ela falava da cor da parede ou de um capim impertinente em seus sapatos.

"Agora...", ela voltou a falar despreocupada, ignorando o par de olhos mortais em si; "eu estou com fome, onde tem comida por aqui?", a mulher passou a mão na barriga. Ela estava sem se alimentar há algumas horas.

"Eu já vejo isso", Heitor foi obrigado a responder como um servo ou um garçom cujo único propósito fosse atender aquela moça. Suspirou sentindo a derrota se apoderar de seus membros.

Agora ele também sabia que a mulher não era tímida nem humilde, além de tratá-lo com pouco caso, não lhe direcionava um único agradecimento. Nesse momento, além de ser mal tratado, ele precisava sair para comprar comida para ela, como se fosse um office boy. Lamentável.

"Meu pai vai providenciar tudo o que a senhora precisar, é só pedir", Demian falou com muita convicção, nem lançou um olhar de consulta ao seu pai antes de prometer por seu nome.

"Você não precisa me chamar de Senhora; só ele", apontou com o queixo na direção de Heitor que lhe devolveu uma expressão insatisfeita, logo se retirando com um gesto como se batesse a poeira de suas mangas.

Ela prosseguiu: "Somente, me chame de tia ou de outro nome menos formal. Não se preocupe, você tem minha permissão. Eu gostei muito de você Demian, que tal sermos amigos?", Nádia disse sincera. Uma sinceridade genuína.

De repente, o coração de Demian estava aquecido. Ele sentia o mesmo por ela, queria que fossem amigos. Ele confiava nela, logo um sorriso caloroso apareceu no rosto gentil da criança.

Em seguida, ele se lançou para um abraço o qual foi retribuído por ela prontamente.

Ele sentiu como se ela fosse sua mãe. Então era assim um abraço materno? Aquele que nunca havia experimentado?

Havia, no canto, uma poltrona de couro branca, lá ela se sentou com o garoto no colo, os dois conversavam e riam. Ao observar aquela interação, as enfermeiras logo saíram, assim eles poderiam ficar a sós para se conhecerem melhor.

Pela forma que conversavam, eles pareciam dois amigos de longas datas, ou mãe e filho. Com o garoto, a mulher abaixava todas as suas defesas involuntárias. Aos poucos, um vínculo de confiança era estabelecido.

Quando o Senhor Jiang voltou ao quarto, o cubículo branco estava numa harmonia só. Cheio de gargalhadas, frases eufóricas e uma atmosfera afetuosa que exalava dos dois.

Heitor estagnou os passos antes de entrar, seus sapatos estavam parados na entrada do quarto, parecia pensar em algo. Ele deixou os alimentos que trouxera sobre a cômoda do quarto e foi até o diretor do hospital para receber mais informações dos médicos sobre a situação atual de Nádia e sobre a alta hospitalar.