Capítulo 9 Alianças irritantes

Roberto riu alto após ouvir a maneira em que Hugo lhe contou o que pretendia fazer com a jornalista e seu riso chegou até o escritório dos Garcias no novo hotel. Os irmãos olharam na direção da porta e dos recém-chegados.

- Boa tarde, senhores! - Disse Hugo ao adentrar o cômodo

- Boa tarde! - Os irmãos responderam de modo simpático.

Hugo e os irmãos Garcia tinham um relacionamento de cordialidade além da sociedade na rede dos hotéis. Além de experientes em hotelaria, os irmãos vinham de uma família renomada, o chamado "dinheiro antigo", embora tivessem mais nome do que dinheiro. A crise financeira do país, além de alguns golpes sofridos por parceiros estrangeiros desonestos fizeram com que perdessem a maior parte de suas fortunas, ao ponto de pedirem falência, não fosse a sagacidade de Hugo e seu contador. Era um excelente negócio investir nas redes de hotéis, além de lucro garantido, ainda eram uma fonte de lavagem de dinheiro que os Scorpions tanto precisavam na época.

Diante do risco de chegarem ao fundo do poço e serem atingidos pela pobreza, os Garcia aceitaram o dinheiro novo sem pestanejar, não se importando nem um pouco com sua origem.

O relacionamento entre eles era simples: os Garcia emprestavam o nome de prestígio, tinham uma renda segura que aumentava conforme a rede se expandia, mas ficavam por baixo dos panos, apenas recebendo os cheques. O controle dos negócios estava nas mãos de Hugo, que tinha setenta por cento das ações. Aos Garcia cabia quinze por cento para cada irmão.

A ascensão do líder dos Scorpions foi meteórica, seu tino para os negócios era incomparável.

- Desculpem o atraso, fomos parados por um bando de hienas.

- Não se preocupem, nós vimos o rebuliço que causaram com a chegada de vocês. Deem uma olhada nisso!

O mais jovem dos irmãos empurrou uma pilha de jornais na direção de Hugo e Aquiles, sorridente.

- Isso vai ser ótimo para os negócios!

Hugo espalhou os jornais e leu as manchetes da primeira página.

" DO LIXO AO LUXO! JOVEM EMPREENDEDOR QUE TRANSFORMA OFICINA DE RECUPERAÇÃO DE CARROS EM FORTUNA QUER ABRIR UM CASSINO NA CIDADE"

(Gazeta de Turmalina)

" JOVEM MECÂNICO FAZ FORTUNA AO VENDER CARROS USADOS E REVELA SEGREDO DE SEU SUCESSO:. TRABALHE ENQUANTO OS OUTROS DORMEM"

( Diário de Cristal, o jornal da capital)

"O MAIS COBIÇADO EMPRESÁRIO DE TURMALINA É SOLTEIRO!"

(Revista Glamour)

Já irritado, Hugo leu a chamada da revista feminina com o cenho franzido e grunhiu em desgosto, o que fez com que o jovem Garcia risse ainda mais alto.

- Solteirão cobiçado, Hugo! As moçoilas devem estar alvoroçadas com a sua presença aqui no centro.

- Culpa dessa jornalista idiota. Como revistas tão bestas vendem tanto?

- Não sei, mas a mulherada lê, acho que deveríamos fazer propaganda dos hotéis nela. Talvez uma promoção de estadia grátis por um fim de semana, sei lá!

- Hm... é uma ideia. Posso condicionar a propaganda a eles publicarem um artigo sobre os benefícios de um cassino na cidade.

- Podem mencionar o meu nome também, como apoiador da liberação dos Cassinos. As mulheres não apenas votam, mas podem convencer seus maridos a votarem em mim.

Roberto se surpreendeu ao ouvir a voz de Renan Carvalho, candidato à prefeitura apoiado pelos irmãos Garcia. Sua presença era tão insignificante que Roberto nem tinha se dado conta de sua ausência até aquele momento. No entanto, seu amigo Hugo estava mais do que ciente do homem de meia idade que havia acabado de entrar por uma porta estreita que ficava no canto do escritório.

- Está atrasado! - Rosnou Roberto incomodado com o recém-chegado.

Por mais que Renan fosse um aliado aos interesses de Hugo e seus negócios, Roberto não tinha como deixar de desprezar uma figura que considerava patética e fútil. Um "filhinho de mamãe" nascido em berço de ouro, sem nenhum respeito ou consideração aos mais pobres, ou minoria alguma.

Renan, pensava Roberto, teve a sorte de nascer em uma família abastada com todas as chances e meios aos seus pés, mas se tornou um adulto mesquinho, preconceituoso, misógino e pueril. A razão pela qual era interessante aos Scorpions apoiar sua candidatura estava em seu poder de fala. Renan era carismático, conseguia esconder seu caráter por baixo do bom humor e conquistava muitas pessoas, colocando-o em segundo lugar na corrida eleitoral, apenas dois pontos abaixo do atual prefeito nas pesquisas.

- Eu cheguei antes de vocês, mas precisei usar o banheiro. Acho que os frutos do mar que comi mais cedo não me caíram muito bem, ou terá sido uma de suas putas que me passou alguma doença ontem no clube?

- Minhas garotas são limpas, Renan, doravante, a exigência no uso de preservativos nos clubes. São para protegê-las de fanfarrões sem noção.

Os presentes no escritório podiam praticamente ouvir "como você" no final da fala de Roberto, mas Renan pareceu não perceber, ou preferiu fingir não ter notado.

Renan sentou sorridente de frente para Hugo, que o encarava com o rosto inexpressivo.

- Grande Hugo, vejo que está muito bem, como sempre! sabe o que não entendo, Hugo?

Hugo largou o jornal que estava segurando e ergueu uma sobrancelha, únicos indicadores para que Renan concluísse sua fala.

- Como pode um cara durão e sério como você ser sócio e amigo, devo salientar, de um sujeito como Roberto, que é dono de bordéis de luxo que chama de Clubes do Zodíaco?

Os irmãos Garcia se entreolharam e abaixaram a cabeça, com um suspiro de cansaço. A atitude de Renan era sempre problemática e ele não fazia ideia de quem eram os homens à sua frente.

- Estou sentado à mesa com um homem que frequenta tais bordéis tendo uma esposa grávida em casa, acha questionável?

- Sou um homem jovem, acabei de completar trinta e seis anos, tenho minhas necessidades de homem, mas isso não responde a minha pergunta. - Renan deu de ombros.

- Não estou aqui para discutir minha vida pessoal com você, Renan, mas discutir como convencer o povo a te eleger. Faltam poucas semanas para as eleições, precisa visitar áreas carentes.

- Quer mesmo que eu pegue aquelas crianças imundas no colo e abrace aquela gente fedorenta das favelas?

- É o que vocês fazem, não é? - Pergunta Roberto ao recostar na cadeira com as mãos por trás da cabeça. - Fingem se importar com os mais pobres para pedir votos e depois esquecem daqueles que os elegeram...

- Sim, mas se vocês se pronunciassem ao meu favor publicamente seria mais fácil do que encarar aquele bando de mortos de fome!

- Não vou atrelar meu nome a nenhum político, nem meus negócios, Já estou injetando bastante dinheiro na sua candidatura Preste bastante atenção, Renan, Roberto preparou sua agenda para os próximos dias, obedeça cada detalhe, é praticamente um script!

Roberto exibiu um largo sorriso debochado para Renan que resmungou:

- Ele preparou o roteiro? Sabe que ele vai me fazer apertar a mão cheia de calos de um monte de gente rançosa vinda do mangue?

Hugo fechou a mão em punho, se controlando para não agredir Renan fisicamente. naquele momento ele desejava fazer um escalpo de seus cabelos loiros cheios de brilhantina para pendurar na sala especial da mansão dos Scorpions, mas precisava dele para seus negócios. Por enquanto...

- Apenas se mantenha longe de escândalos e obedeça, para seu próprio bem. - Concluiu Hugo levantando-se bruscamente. - Roberto, termine a reunião por mim, tenho um assunto mais importante para resolver. Me encontre na suíte quando terminar.

Sem dar ouvidos ao que os demais presentes disseram, Hugo saiu do escritório e seguiu para seu "encontro", torcendo mentalmente que Vítor tenha cumprido sua missão.