Capítulo 5 O irmão mais velho

Aquiles pôs o telefone da mesa de volta no gancho com força. Sabendo de tudo pelo que passaram, de como a vida era tantas vezes cruel, como Rosália podia ser tão ingrata diante do privilégio de ter uma oportunidade de estudar naquele colégio tão caro?

Era tão frustrante lidar com as suas travessuras. Nada o deixava mais contente e orgulhoso do que receber a grade de notas dela pelos correios, mas logo depois recebia um telefonema da diretora furiosa por conta de alguma traquinagem. Foi assim durante aqueles quatro anos de afastamento entre eles. Era como se Rosa estivesse se sabotando. Desde pequena sempre foi impulsiva, agia sem pensar direito e arriscava pôr tudo a perder.

Teria sido falha dele como irmão mais velho?

Era difícil saber, Aquiles não tivera uma vida em família exemplar. Passou a infância e pré-adolescência vivendo no circo com os pais, sempre trabalhando ou treinando. Se sabia ler e escrever, era graças ao velho mágico do circo que simpatizava com ele e ensinou, com alguns truques, a importância das letras e números. Aquiles nunca entrou numa escola como aluno, estudar era seu sonho, mas nunca pôde realizar. Em vez disso, deu a Rosália a oportunidade de ter aquilo que nunca teve.

Cada vez que o boletim chegava apresentando as notas altas que ela tirava, mostrava a todos com orgulho, até mesmo os líderes da gangue aguardavam com ansiedade a chegada do carteiro a cada dois meses, para saberem das suas notas. O bom empenho nas disciplinas escolares era comemorado sempre por ele e os amigos mais chegados, geralmente em um dos clubes dos Scorpions, com um brinde ao sucesso da pequena Rosa.

No entanto, em pleno sábado, receber tão cedo um telefonema como aquele, acabava com o seu humor. Teria que dirigir por mais de uma hora e encarar a diretora, que provavelmente cobraria mais um gordo cheque para não expulsá-la, como sempre fazia quando Rosália aprontava uma das suas.

" Este é um colégio de moças de classe, senhor Aquiles, entenda como é difícil para mim, manter Rosália aqui enquanto se comporta como uma selvagem!"

E assim, a sua conta bancária perdia algumas centenas apenas para apaziguar os ânimos da diretora, para que Rosália tivesse a chance de se formar e ser alguém melhor do que ele jamais seria...

- O que a Rosa aprontou dessa vez? - Perguntou Roberto, segundo em comando dos Scorpions, que estava sentado na sua cadeira e tinha observado curioso a conversa do amigo ao telefone.

- A professora não explicou direito, a ligação estava ruim e ela parecia querer desligar o quanto antes, mas deve ter sido algo muito grave, pois a danada foi suspensa!

- Devia estar muito furiosa se não quis falar o motivo ao telefone. - Roberto suspirou. - O que vai fazer?

- Não tem jeito, vou ter que trazê-la pra cá...

- Não vou negar que sinto falta dela e vou adorar revê-la. Tem quase um ano que a vi pela última vez no aniversário de dezessete anos quando a visitei no colégio.

- Eu também sinto falta dela, mas sabe como me sinto em trazê-la para cá, Roberto. Não somos flores que se cheirem. Não queria misturá-la com a nossa raça.

Aquiles tirou um estojo do bolso, mas Roberto o tomou da sua mão.

- Não está pensando em fazer fumaça antes de ir falar com a vaca da diretora, né? Desde que Hugo parou de comer aquela filha da puta, ela tem agido como se estivesse fazendo um grande esforço em manter Rosa lá!

- Tem razão... Eu só... Minha vontade é deitar minha irmã em meus joelhos e dar tantas palmadas, que ela não vai conseguir nem pensar em aprontar mais alguma!

- Rosa não é mais uma criancinha para levar palmadas, Aquiles, além disso, a "nossa raça" é a única família que ela tem e não vamos contaminar a sua irmã só porque ela ficou aqui uns dias.

Aquiles olhou para Roberto e percebeu que as suas palavras o magoaram. Se sentiu um ingrato por falar daquela maneira com o homem que tirou ele e a irmã das ruas e ofereceu um lar entre os Scorpions.

- Desculpa, mano, não quis te ofender. Eu só quero o melhor para ela e não acho que seja aqui.

- Como você mesmo disse, não tem escolha. Vai resolver esse assunto, deixa que eu vou com o Hugo para a reunião. Espero voltar em tempo de dizer um "oi" a ela. E, ei, pega leve com ela, já foi adolescente, sabe muito bem como é...

Aquiles suspirou e voltou para o quarto. Tinha planejado levar a namorada à praia, mas teria que adiar o passeio.

*****

Daniela foi uma das primeiras garotas a serem resgatadas da rua Por Roberto e Hugo. Depois de anos na extrema miséria, encontrou entre os Scorpions uma família, mas não queria ser uma das "protegidas", vivendo entre eles apenas por ser namorada de alguém. se dedicou aos treinos e tornou-se uma excepcional atiradora, sendo responsável pelo treinamento do recrutas da gangue. Entre os membros novos, era quase tão temida quanto seu namorado Aquiles, também conhecido como "Diabo louco".

Ela sentiu o ar frio daquela manhã de início de primavera nas suas costas à medida que o lençol que cobria o seu corpo era lentamente afastado. Ela ajeitou o rosto no travesseiro, preguiçosa, e suspirou quando a língua quente e úmida do namorado deslizou por sua pele, da cintura até a nuca.

- Hum... Isso é tão bom!

Ela virou o corpo e os lábios dele cobriram os dela. Suspirou durante o beijo, contente e apaixonada.

- Tenho que ir! - Ele beijou a sua testa e rolou na cama, para levantar.

- Por que? - Ela ergueu o corpo decepcionada com a ausência do corpo dele sobre ela. -Hugo só vai sair depois do almoço, volta pra cama, vamos namorar um pouco, podemos ir para a praia mais tarde!

Ele a encarou, passou a língua pelos lábios, mas balançou a cabeça para os lados, pesaroso.

- Não posso, mulher, o colégio da minha irmã ligou, não sei o que houve, mas pelo que conheço dela, aprontou uma das grandes. - Suspirou vestindo uma calça jeans.

- Não vai vestir uma cueca? - Perguntou erguendo uma sobrancelha.

- Não, gata, a gente transou várias vezes essa noite, meu pau precisa respirar.

Daniela riu alto, em seguida esticou os braços, se espreguiçando.

- Sua irmã faz essas coisas para chamar a sua atenção, você sabe, né? Está sentindo-se rejeitada e magoada.

- Por quê? Ela está em um colégio foda, caro pra cacete, que me cobra cada coisa que ela destrói em dobro, diga-se de passagem!

Ela cruzou os braços sobre o peito, segurando o lençol que a cobria.

- Vocês colocaram ela num semi-internato, mas que para ela é como um colégio interno, fala sério, Aquiles! Eu ficaria Pê da vida e descontaria com juros!

- Você está dizendo que ela tem razão de aprontar? - Perguntou surpreso.

- Claro que não, mas quando nos livramos do escroto do irmão do Roberto, você poderia tê-la pego de volta para morar aqui e não pegou.

- Eu estava pensando no bem dela, Dani. Ficar perto de outras garotas, ter uma adolescência normal, uma educação de qualidade que eu nunca tive oportunidade de ter!

- Eu sei, meu amor, mas estou tentando te mostrar a perspectiva dela. Aliás, por que você tem que ir lá dessa vez? Não bastou telefonema e um cheque gordo como das outras vezes?

- Não sei, a ligação estava horrível e quase não dava para entender o que falaram, até a voz estava horrorosa. Tudo o que sei é que me mandou ir lá urgentemente para resolver a punição dela, que aliás, foi suspensa.

- Eu acho que esse colégio abusa de você, sabia? Prepare a carteira, aposto que vão tentar te explorar por lá.

- Pois é... Pelo menos é por pouco tempo, em breve ela fará dezoito anos e vai se formar.

- Você fica super gostoso dando uma de paizão, sabia?

Daniela levantou nua e o abraçou.

- Hum... Não faz assim que vou acabar me atrasando. - A beijou nos lábios e afastou-se de repente, pois teve uma ideia. - Ei, não quer ir comigo?

Daniela riu alto antes de beijar a sua bochecha e voltar para a cama.

- Eu não, saí fora! Vou voltar pra cama dormir que é melhor hoje é sábado e Hugo não estará na cidade, tenho que aproveitar a minha folga enquanto posso!