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PONTO DE VISTA DE HELOÍSA
Encerrei meu expediente às 18 horas e corri pra pegar o ônibus da empresa que levava os funcionários a estação do metrô. 45 minutos depois eu estava entrando no meu apartamento morrendo de fome e desejando um banho bem quente. O lugar não era grande e nem luxuoso, contava apenas com dois quartos pequenos, um banheiro e uma sala com cozinha americana. Eu e Liz dividíamos o apartamento desde que nos mudamos pro Rio, nós crescemos juntas no interior de Minas, numa cidade chamada Araxá. Viemos tentar uma vida melhor e de lá pra cá passamos muitos perrengues, tivemos altos e baixos, mas nossa amizade só se fortaleceu. Estávamos sempre no aperto, tentando fazer o salário render pra conseguir pagar aluguel, faculdade e, se possível, mandar um dinheiro pra ajudar nossas famílias. A Liz estudava economia e eu estava no último semestre de Secretariado Executivo.
Quando entrei estranhei o silencio que estava o apartamento, Liz era sempre muito barulhenta, cantando suas músicas altas e trazendo alegria pra minha vida. Chamei por ela e sem ter nenhuma resposta achei que ela não tivesse chegado do trabalho ainda.
Fui pra cozinha preparar algo pra jantar, quando ouvi a porta do seu quarto abrir e uma Liz de olhos vermelhos e cabelo bagunçado saiu de lá me deixando um pouco preocupada com o que podia ter acontecido.
- "Oi." – Ela disse simplesmente, me deixando mais em alerta ainda.
- "O que aconteceu, amiga? Por que você tá assim?"
- "Eu fui demitida, Helô." – Ela disse com os olhos marejados, colocando a mão no rosto respirando fundo, tentando se recuperar. – "E como se não bastasse, o dono do prédio veio aqui mais cedo e disse que terá reajuste no aluguel, eu disse que no momento não dava pra gente, aí ele disse que podemos nos mudar se não estamos satisfeitas."
Meu coração parecia que iria sair pela boca, é claro que já passamos por muita coisa juntas, mas esses perrengues da vida adulta sempre me desestabilizavam um pouco.
- "Calma, Liz, vai dar tudo certo. Nós vamos dar um jeito, nós sempre damos." – Dei um sorriso pra ela na tentativa de passar alguma confiança e tranquiliza-la, mas parece que dessa vez não adiantou muita coisa.
- "Eu não sei como, amiga. Você não vai conseguir pagar tudo sozinha e ainda tem a minha faculdade, que não tenho mais como pagar. Se eu tiver que trancar o curso, meus pais vão me pedir pra voltar pra casa, e não é o que eu quero." – Ela disse entre um soluço e outro, meu coração doeu de vê-la tão mal.
- "Você pode começar a procurar outro emprego amanhã e eu posso tentar algo pra você lá na empresa também. Não vamos nos desesperar. Ok?"
Liz respirou fundo e procurou se acalmar enquanto eu ia terminar o nosso jantar. Eu ainda não sabia como as coisas ficariam, mas eu sei que daríamos um jeito, a gente sempre conseguia resolver.
Naquela noite eu quase não dormi, eu procurava solução atrás de solução, e me sentia ansiosa pra resolver tudo. Emprego não estava fácil pra ninguém, mas eu sabia que tudo daria certo. Eu só precisava pensar direito e logo saberia o que fazer.
Levantei com olheiras mais fundas que o normal pela noite em claro, tomei um banho rápido, vesti meu terninho de sempre e fui pro trabalho decidida a resolver a situação.
Cheguei na minha mesa pontualmente, tratei de substituir a roupa extra que havia usado ontem por causa da chuva, passei na copa pra buscar o café do meu chefe e fui em direção a sala, bati na porta anunciando a minha presença e entrei. Ele estava arrumando seu paletó na cadeira, porque também tinha acabado de chegar, quando olhou pra mim com a cara de poucos amigos de sempre.
- "Bom dia, sr Cesarini." – Eu disse de forma contida enquanto deixava o seu café em cima da sua mesa com todo cuidado possível, pra não cometer a mesma tragédia do dia anterior. O homem não se dignou a me responder, apenas pegando o seu café e levando a boca enquanto olhava algo que parecia muito interessante no seu celular. – "Com licença." – Eu disse me virando pra ir em direção a porta.
- "Espere!" – Meu chefe disse antes que eu chegasse à porta. Me virei em sua direção e esperei pra ouvir o que ele tinha a dizer. – "O Alex deixou algum recado?"
- "Não, senhor. Devo ligar para o sr Bernardi?"
- "Não é necessário. Pode se retirar."
Voltei para a minha mesa e fui tratar dos meus afazeres. Por causa da evento do fim de semana eu estava atolada de trabalho.
A manhã passou voando e quando percebi já era hora do meu almoço. Peguei minha bolsa e fui pra um restaurante que fica perto da empresa, onde sempre estava cheio de funcionários do Grupo Cesarini. Fiz o meu pedido e logo avistei a Ana, ela trabalha no RH do Grupo e almoçamos juntas sempre que possível. Ela é um amor de pessoa e ficamos muito amigas nesse período que estou na empresa. Fui em sua direção e coloquei minha bandeja na mesa ao lado dela puxando uma cadeira para me sentar.
- "Oi, Ana, tudo bem?" – Cumprimentei sorrindo pra ela, recebendo um abraço em resposta.
- "Oi Heloísa. Eu tô na correria de sempre. E como você está? O humor do chefe está melhor hoje ou você deu outro banho de café nele?" – Ela disparou a perguntar sorrindo enquanto almoçava.
- "Ele tá com o humor infernal de sempre. Sabe como é, poucas palavras, nenhuma gentileza... o de sempre." – Resumi o que ela já sabia. Conversamos mais algumas amenidades e quando ela começou a se despedir de mim, criei coragem pra perguntar: - "Ana, você sabe se tem alguma vaga em aberto pra área de economia? Na verdade, nem precisa ser nessa área especifico, qualquer coisa que uma amiga possa fazer. Ela foi demitida e não pode ficar desempregada de jeito nenhum." – Eu disse já com cara de desesperada.
- "Na área de economia eu acho que não tem não, mas posso dar uma olhada em outra coisa. Me manda o currículo dela e vejo no que posso ajudar. Mas não estou prometendo nada." – Ela disse de forma simpática e sorriu antes de se levantar e sair. Um alívio tomou conta do meu coração e sabia que de alguma forma as coisas se ajeitariam.
Voltei para a empresa e fui andando em direção aos elevadores cumprimentado timidamente quem passava por mim nos corredores. Eu não era de muitos amigos, mas tentava ser o mais simpática possível. O elevador parou no térreo e quando as portas abriram o sr Bernardi estava do lado de dentro, ele abriu um sorriso enorme ao olhar pra mim e eu não pude evitar corar um pouco. Ele foi um pouco lado, abrindo espaço para que eu pudesse passar. As portas fecharam e eu fiquei em silêncio sem saber como agir. Isso sempre me acontecia quando eu estava na presença de algum homem, eu tinha certeza que parecia um bicho do mato.
- "Boa tarde, Heloísa. Que prazer em vê-la." – Ele deu um sorriso enorme e eu novamente não sabia como agir.
- "Boa tarde, sr Bernardi. Tudo bem?"
- "Com certeza eu ficaria melhor se me chamasse apenas de Alex, mas já aceitei que isso não irá acontecer." – Ele sorriu novamente e olhou pra frente encerrando o assunto.
O caminho pro trigésimo andar demorava um pouco, e foi quando me dei conta que ele, aparentemente, estava indo pra sala do meu chefe, já que o andar dele não estava selecionado no painel. Já perto de chegar ao nosso andar, o senhor Bernardi me surpreendeu ao fazer a ultima pergunta que eu esperava ouvir naquele momento:
- "Você tem namorado, Heloísa?" – Eu engasguei com a minha própria saliva, como se o momento já não fosse constrangedor o suficiente.
- "Co.. Como?" – Gaguejei pra terminar o meu show da vergonha.
- "Perguntei se você tem namorado. Sabe como é, uma pessoa com quem tem um compromisso." – Ele deu um sorrisinho de lado que fez minha barriga gelar.
- "Não, não tenho namorado." – Respondi mais baixo do que deveria e olhei para as minhas mãos totalmente envergonhada. E ainda tinha certeza que estava tão vermelha que poderiam achar que eu estava tendo um ataque.
Para o meu alívio, o elevador chegou ao meu andar, assim que as portas se abriram saí de lá quase correndo tentando encerrar de vez o meu vexame.
O sr Bernardi veio logo atrás e passou por mim sorrindo discretamente enquanto se encaminhava para a sala do meu chefe.