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Eu estava sentada na minha mesa com uma flor branca em mãos e soltei um suspiro ao ver a cada segundo a minha sala de aula se esvaziar e acabar contando somente com a presença de Melanie C. Manoban e Clarisse V. Carson. As duas haviam decidido ficar por ali lendo gibis e eu não me importei em permitir, mesmo sabendo que o correto no intervalo dos alunos era ter a presença deles somente no pátio da escola.
Eu olhei rapidamente para a janela, vi que as crianças pareciam bem lá fora e voltei a observar as duas meninas juntas lendo gibis. Clarisse comia uma maçã, mas mantinha seus olhinhos finos e doces fixos nas páginas que ela aparentemente lia com toda a fome possível de cada informação da historinha e Melanie a perguntava a cada segundo se ela já tinha terminado para que ela pudesse passar para a próxima página. Melanie sempre teve uma leitura tão rápida que em algumas aulinhas sobre a história da arte me deixava tonteada, porém, sempre me deixou muito orgulhosa. Melanie era o tipo de criança extrovertida e animada que fazia um motim com os seus colegas de classe pra preparar uma festinha de aniversário para um de seus professores e eu sabia disso porque assim que entrei na escola pra poder estagiar ouvi histórias sobre Melanie e sua mãe..Sua mãe, Lisandra Collins Manoban, ou como a própria Melanie dizia, mama lisa. Ou lili.
Nunca tinha ouvido algo de negativo ou bom demais sobre a mãe de Melanie, apenas ouvi que ela era uma mulher de negócios importante, era dona da Manoban Cosmetics, mãe de Melanie, era rica o bastante pra comprar a escola ou coisa assim. Honestamente, eu imaginava que a mãe de Melanie era bem mais velha, casada e sei lá, mãezona? Assim como todas as outras mães que eu já vi passaram aqui na escola, mas ela era completamente diferente. Não parecia nem mesmo estar perto dos 30 anos, por que de verdade, que mulher teria uma cintura tão fina e curvilínea que nem aquela?! Nenhuma! Nem mesmo eu! E eu sou uma tábua, Deus infelizmente não quis me agraciar com um corpo magro e curvilíneo, somente com um pouquinho de peito e um pouco mais de bunda porque eu malhei que nem uma condenada na academia durante cinco meses pra conseguir uma bundinha maior, um abdômen bonito e uma perna torneada o suficiente, nada que me deixasse horrível, mas não é como se eu tivesse virado uma Nick Minaj da vida. Eu ainda mantinha minhas dúvidas sobre a idade da mãe de Melanie, porém, não faria a cara de pau de perguntar isso a ela ou a alguém da direção. Seria muita vergonha até mesmo pra mim.
- Jennie! Tá me ouvindo? - Liv basicamente gritou ao pé do meu ouvido, me fazendo quase ter um tombo da minha cadeira.
- AI MEU DEUS LIV! - Gritei e coloquei a mão no meu peito, inspirando e expirando logo em seguida profundamente.
- Meu deus, mulher. Eu tô tentando te chamar a minutos pra te entregar sua comida! Tava onde em? No mundo da lua? - Liv perguntou e eu acabei olhando pra frente e vi que as meninas ao fundo da sala ainda estavam entretidas demais com seus gibis para se tocar no quão desatenta eu havia sido.
- Me desculpa, eu estava pensando demais. Obrigada por ter me trago meu almoço, você vale ouro! - Falei e Liv me entregou um pote de comida bem carregado de salada, arroz, feijão e frango ao molho vermelho. Liv era meu anjinho diário, as vezes eu agradecia 24 horas a ela porque se não fosse por ela eu já teria sido demitida daqui na primeira semana.
Liv e eu nos conhecemos no dia em que eu vim aqui para o meu primeiro dia de estágio, como uma boa universitária ferrada que faz pedagogia eu tive que dar meu suor e sangue pra conseguir um estágio que pagasse um preço ok porque eu já estava basicamente sendo retirada pelos cabelos do apartamento alugado. Ouvi sobre a vaga aqui por um dos meus professores e como a professora que me contou sobre era amiga pessoal da dona daqui, eu pude ser indicada com honra e fazer uma entrevista rápida pra ter a chance de trabalhar aqui. Lembro que eu estava completamente perdida sobre o que fazer na primeira semana, eu deveria somente ajudar Liv com as aulas dela, mas eu estava mais perdida do que cegos em tiroteio. Me lembro de ver Liv me chamar durante o intervalo e me explicar cada detalhe de como a escola, os pais, os funcionários, a diretora e a dona do local funcionavam e só assim eu pude entender melhor a forma como poderia me portar e como deveria. Depois da ajuda de liv eu comecei a ser mais proativa, muitos pais começaram a falar sobre mim de forma positiva porque diziam que seus filhos ficavam "Tia Jennie pra cá" "Tia Jennie pra lá". Conquistar as crianças não foi um trabalho difícil, pra ser honesta foi bem fácil, somente me atentei a vontade de todos eles e os ajudei da forma como estava ao meu alcance. A diretora acabou indo tanto com a minha cara que me disse que iria separar algumas turmas que estavam um pouco cheias demais e faria uma turma somente pra mim com essas crianças, mas, claro, ela não facilitaria tanto a minha vida. A princípio ela pegou algumas crianças calmas e outras que eram insuportáveis em outras turmas, aquela velha quis me ferrar bastante com isso, mas, deu tudo certo. Fui o mais paciente possível com todas as crianças e fiz eles melhorarem a cada dia de uma forma diferente, hoje em dia eu tenho uma turma de anjinhos que beijam minha bochecha quando vão embora e sempre se divertem nas minhas aulas.
- Estava pensando tanto no que em? - Liv perguntou e puxou uma cadeira para se sentar a minha frente e almoçar comigo.
- Na mãe de Melanie - Falei um pouco mais baixo para Liv e a vi segurar o riso em seguida.
- Ah, então quer dizer que conheceu a gostosa Manoban? - Liv disse e eu revirei os olhos por conta de sua boca suja.
- Para, não fala assim!..Mas, sério, quantos anos ela tem? Quando ela chegou aqui eu pensei que fosse irmã da Melanie! - Falei e Liv gargalhou, eu já não esperava uma reação diferente dessa, eu era uma estabanada nata. A última coisa que eu com toda a certeza diria para a Sr. Manoban era a resposta certa ao vê-la.
- Meu deus Jennie! - Liv disse ainda em meio aos gargalhou que dava.
- Eu juro! Eu não tinha como saber, como eu ia imaginar que ela era mãe da Melanie? Eu sei que a Melanie tem só quatro aninhos, mas era impossível a mãe dela ser tão nova - Falei ainda em um leve choque e Liv fez um sinal com a mão livre que não estava segurando seu garfo, para que eu parasse de falar.
- Calma, calma. Acho que eu esqueci de te explixar isso, calma. Olha, pelo o que eu ouvi, a Sr. Manoban se casou quando tinha só dezenove anos e teve a Melanie quando estava com vinte anos, ela e o marido se divorciaram por conta de de algumas traições dele e etc - Liv me contou e em seguida abocanhou sua salada como se aquelas informações não tivessem nada demais, já eu, estava novamente em choque com os olhos completamente arregalados.
- Onde ouviu isso, Liv!? - Perguntei.
- Na revista de fofocas - Liv respondeu e eu revirei os olhos - Mas pode confiar, essa revista não mente! - Eu a ouvi e somente balancei a cabeça e resolvi encerrar o assunto por alí e ir comer. Estava morrendo de fome mesmo.
Depois do intervalo eu fui para a sala dos professores pegar algumas das minhas coisas, incluindo a minha bolsa pra sair da escola. Meu expediente de trabalho já havia acabado porque minhas duas outras turmas haviam ido a um passeio no dia e as duas outras turmas que eu tinha já haviam tido a minha aula, por muita sorte eu pude sair cedo hoje, coisa que não acontece com frequência. Depois de pegar minhas coisas me despedi de todos os professores que estavam na sala e fui em direção ao ponto de ônibus que ficava próximo a escola. Cheguei em casa quando o relógio marcou 15;30 em ponto e soltei um longo e frustrado suspiro quando me permiti estar em casa.
Eis algo interessante sobre minha pessoa; Eu nunca fui a pessoa mais rica, mais amada, ou mais feliz. Ser um doce, não significa sentir que sua vida está um doce. Larguei minha bolsa em cima da mesa e peguei meu celular, abri a tela de bloqueio e logo vi a foto onde eu estava abraçada com meu cachorro, Kuma. Que nesse exato momento larecia estar dormindo no meu quarto, pois simplesmente não me deu o ar da graça de vir correndo e latindo até mim. Vi uma mensagem do meu pai e bufei. Droga.
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[ Marcos. ]
M - Olá Jennie, bom dia
M - Como está indo seu trabalho, filha?
M - Seu pai está com saudades.
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Nem me dei ao trabalho de responder. Eu não queria responder. Eu não sentia que precisava, por que deveria? Ele era um traidor, não haviam motivos para que ainda me chamasse de filha, droga, droga, droga!. Me peguei em desespero e em agonia ligando pra minha mãe, era claro que eu estaria ligando pra ela, eu sempre estava ligando pra ela nesses momentos, ela era a única que poderia ter passado meu novo número pra ele, por que passar meu número logo pra ele?.
- Ruby, querida, que bom que você está me ligando, filha, eu tinha que te...- Minha mãe parecia feliz, parecia estar nas nuvens, eu seria uma péssima filha se estragasse tudo e gritasse com ela, por que ela tinha que me dar motivos pra sentir vontade de gritar com ela?!.
- Mãe, por favor. Marcos me mandou mensagem dizendo que está com saudades e me perguntando como anda meu trabalho, pela milésima vez para de passar meu número pra ele! - Tentei falar o mais calma possível, mas eu sabia que não havia conseguido, era nitida que eu havia soado um pouco ríspida.
- Jennie é claro que eu passei seu número pra ele, ele é seu...- Antes mesmo que minha mãe terminasse eu a interrompi.
- ELE NÃO É NADA MEU! Ele é só a droga do homem com quem VOCÊ decidiu viver, eu não sou obrigada a ter que lidar com ele por escolhas suas! Fala pra ele me deixar EM PAZ! - E sem esperar uma resposta eu desliguei a ligação na cara da minha mãe. Droga, droga, DROGA! PORRA!. Eu senti meus olhos pesarem, senti as lágrimas encherem meus olhos, senti minhas lágrimas escorrerem pela minha bochecha e senti a solidão, a angústia e o desespero me consumirem, mas eu não sentia que conseguiria fazer nada além de chorar, como sempre fazia.
Eu me sentia uma péssima filha, uma péssima pessoa. Mas eu.. Não era culpa minha, eu não queria que fosse. Eu sabia que era culpa dele. A culpa era dele. Se ele não tivesse feito o que fez, nada disso estaria acontecendo, eu não estaria assim, minha mãe não teria fingido que eu não existo por tanto tempo, por que ele tinha que mentir? Ele estragou nossa família! Como um homem daquele poderia ter essa coragem?.
Essas perguntas passavam pela minha cabeça desde que eu tinha 8 anos. Eu era nova demais, eu era ingênua demais. Quando somos pequenas, nossos pais acostumam a gente a pensar que eles são seres perfeitos, que somos a família perfeita, que temos uma estrutura de dar inveja. Eu pensava isso quando eu era pequena. Eu me sentia orgulhosa de falar que eu era filha de Marcos, mas e agora? Agora eu lembro todos os dias do que ele fez, me lembro do quanto doeu e do quanto ele estragou tudo. Eu me lembro da vontade que eu tinha de vê-lo resolver toda a merda que ele fez, mas eu também me lembro da sensação.
~ Eu sempre quis ser como você..Mas, agora eu nem consigo olhar pra você..