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Meses se passaram sem saber do paradeiro dos meus filhos. Saia na rua e em toda criança via eles. Há muito tempo que guardava meu sorriso. Agora, o escondia. Não tinha motivos para tal. Tão pequenos, tão frágeis, onde estariam. Mesmo sendo uma cidade pequena, não conseguia encontrar. Ele ficava me vigiando. Encontrava as vezes aquele pesadelo nas esquinas. Chegava puxando meu cabelo, dando tapa na minha cara. Tinha vergonha de pedir ajuda.
Ele descobriu onde ficava a casa onde eu trabalhava. Era de manhã. Cheguei para trabalhar. Fui informada que havia trazido meu filho mais novo para chorar na porta da casa a noite toda. Pedi para dormir na casa aquela noite, pois poderia trazer de novo e assim, descobrir o paradeiro.
No dia seguinte ele apareceu, mas sozinho. Saí na porta:
- Rose, o Laelson sofreu um acidente. - Disse com um ar sofrido. - Quebrou a Clavícula e o braço. Está todo machucado no hospital. Vem, te levo lá.
Fiquei desesperada, montei em sua bicicleta e fomos. Cheguei e fui logo entrando no hospital. Entrei em três quartos e não o vi. O desespero aumentou.
- Onde ele está - disse chorando.
- Ah, ele não está mais aqui. Está...
Falou o nome de uma pessoa que era amiga dele e concluiu.
- Vamos lá buscar. Vou deixar você trazer o menino.
No caminho tentou me convencer para a voltar com ele para criar nossos filhos. Cuspi-lhe na cara. Não sei de onde tive coragem, mas cuspi. Mal sabia o que me esperava em cada curva, em cada esquina. Dirigimo-nos para o Caveira. Caveira, nome que dava arrepios, era na verdade o bairro São José, afastado da cidade e famoso por ser palco de tensões, de violência. Com medo, chamei uma prima para ir comigo e fomos os três. Mas no caminho ele a convenceu a voltar. E sabendo também do perigo, deixei. Seguimos por uma estradinha de chão já bem afastada do bairro Caveira.
A noite era iminente. A estradinha estava deserta. Tentou me agarrar a força. Relutei, mas me disse que se não voltasse com ele, deixaria nossos filhos no meio da rua para os carros passarem por cima. Vi novamente aquela vida miserável em que vivíamos. Recusei suas tentativas. Puxou um canivete e me obrigou a entrar na mata.
- Sua hora chegou sua vagabunda. Entra no mato e me obedece em tudo, se não mato você e depois mato nossos filhos um por um.
Estava tremendo imaginando as cobras. Sentia os bichos relando nas minhas pernas. Tremia de medo, chorava. Amarrou minhas pernas e meus braços em uma árvore. A escuridão tomava conta da mata. Apenas chorava e pedia clemência. Rasgou minhas roupas e me estuprou a noite toda. Pensei que não veria mais a luz do dia. Nunca desejei tanto a morte, como naquela noite. Estava ali sem dignidade, com fome, com medo. Ele me dava nojo.
O dia já estava adiantado quando me tirou da tortura. Colocou-me em sua bicicleta e seguimos um pouco mais na estradinha de chão até que chegamos em uma casinha. Ainda no caminho me ameaçou:
- Vou te levar para ver seu filho. Você vai ficar lá sem dizer um pio. Se contar o que aconteceu eu mato vocês dois. Primeiro mato ele na sua frente e depois eu acabo com a tua vida.
Eu nada dizia. Estava com dores no corpo todo. Fiquei apenas com a minha calcinha. Ele me deu a camisa dele e vesti, foi assim que cheguei na casa para ver meu filho. Estava envergonhada, cabisbaixa e toda machucada. Quando cheguei na frente da porta, olhei no fundo da casa e avistei meu pequeno filho. Na mesma hora também me viu e veio correndo lá dentro gritando meu nome. Caí de joelhos no chão, chorando, beijando-o. Procurei forças para poder abraçá-lo e não cair. Ficamos vários dias morando com a família. Dormíamos em uma barraca atrás da casa. Todas as noites vinham as ameaças:
- Se contar alguma coisa para a família ou eu ao menos suspeitar...já sabe.
A família era composta pelo marido, a mulher e um casal de filhos. Eu vestia as roupas da filha e as vezes da mulher. Foram os dias mais vergonhosos da minha vida. O mais estranho era que ninguém suspeitava ou se sim, tinham medo:
- Você não acha estranho uma mulher vir para cá na casa de vocês sem roupa, sem nada e toda machucada? - Indaguei a filha (uma moça).
- Verdade. É estranho...
A família acabara de sair para o igarapé e havíamos ficado só nos duas. Contei-lhe tudo, tintim por tintim. Fomos ao igarapé e relatei ao restante da família. Eles me ajudaram a fugir. Depois não sei mais o que aconteceu com eles. Um ano depois encontrei meu outro filho.
O tempo passou, parou de me perseguir. Achei que aos poucos estava me libertando de suas amarras amargas. Acreditava que jamais encontraria um amor, tinha dificuldade de me relacionar. Depois de muito tempo comecei a deixar meu cabelo crescer novamente. Pois sempre usava bem pequeno para evitar os puxões, voltei a usar brincos, que também não mais usava. Certa vez, minha orelha foi rasgada por um de seus puxões. A vida deveria me sorrir de novo.