__ Se não quer vir, tranque as portas, eu não me demoro. - Alertou sem cessar os passos.
__ Eu não vou ficar aqui sozinha?! Me espere, eu também vou! - Disse já abrindo a porta e indo atrás dele.
Dione sabia que a enorme construção de alvenaria em ruínas com várias torres circulares era com certeza a moradia de muitos mendigos ou desafortunados que não poderiam ter uma casa decente para habitar. No meio de um pátio entre as altas paredes, havia um latão no centro com uma fogueira no seu interior. De onde estava, Dione conseguia visualizar as silhuetas de três sombras que dançavam na parede seguindo o movimento das chamas que se moviam com o vento.
__ Você não precisa disso! É um andarilho miserável! - A voz masculina ecoava por entre os salões.
__ Claro que preciso, tanto quanto vocês! É minha chance de mudar de vida! - Rebateu o velho aparentando ter uns sessenta e cinco anos ou mais, magro, olhos grandes e barba rala grisalha.
__ Cai na real seu idiota, se não deixar a gente resolver isso pra você, logo será enganado por alguém. - Falou o outro rapaz, na intenção de ludibriar o velho.
O pobre homem estava encurralado entre as paredes sendo ameaçado por dois rapazes muito jovens, que deveriam ter no máximo uns vinte e quatro anos.
__ Não serei. Eu saberei cuidar disso sozinho! Eu não preciso de vocês. Me deixem em paz! - Falou o homem nervoso e se esquivando deles. Um deles, um rapaz de cabelos loiros olhos castanhos e cheio de sardas no rosto, o segurou pelo braço e disse:
__ Aonde vai?! Ainda não terminamos!
__ Você não saberá lidar com esse prêmio! Nem sabe dirigir! - Disse o outro rapaz, de pele morena cabelos pretos volumosos e lisos.
__ Eu vou vender o carro e ficar com o dinheiro. O mendigo explicou.
__ Ha,ha,ha... - Riu o loiro sardento, debochado. __ E em qual conta vai depositar a grana? Você nunca entrou em um banco! - Completou o questionando ainda achando graça.
__ Vou pegar dinheiro vivo. Eu dou o meu jeito. Eu o esconderei muito bem escondido. - Suas palavras foram firmes.
__ ha,ha,ha... - A gargalhada foi generalizada.
__ Você é maluco?! - O Moreno claro o indagou indignado.
__ Nos entregue o bilhete, vamos vender o porsche e dividir a grana em partes iguais entre nós três. - O loiro sardento compartilhou o seu plano.
__ Não vou entregar nada! Eu não tenho que fazer isso! Me deixem em paz, eu já disse! Maldita hora que eu fui contar isso pra vocês. Eu tive a sorte de acertar os números, o prêmio é só meu! - Falou o mendigo se soltando abrupto e se afastando.
__ Que isso Ralf, a gente é amigo ou não é? - O loiro disse na tentativa de o fazer refletir sobre o assunto.
__ Não sou mais amigo de vocês, vocês querem me roubar! - Bradou cuspindo saliva entre os dentes amarelados e podres.
__ Acha que se você chegar lá nesse estado, sujo e fedido, eles vão lhe entregar algum prêmio? No mínimo vão dizer que você roubou o bilhete. - O sardento o alertou.
__ Não me importo! Vão embora daqui, o bilhete fica comigo. - Falou gesticulando os braços, furioso.
O loiro sardento lhe deu um empurrão o fazendo cambalear e cair para trás no chão. Ele se sentou olhando os cotovelos ralados e se pos a chorar...
__ Olha o que vocês fizeram! Malditos! - Gritou choramingando.
Ralf pegou o bilhete em um dos bolsos e o apertou firmemente em uma das mãos.
__ Ninguém vai pegar o meu bilhete! Vão embora! - Falou se levantando.
__ Não queria que chegasse a isso Ralf, o tratamos tão bem, quando vai na loja do meu pai... somos os seus únicos amigos; mas sua cabeça dura me faz apelar para isso... - Falou o sardento, sacando um canivete. O andarilho arregalou os olhos assustado, pegou um volume em um saco plástico que estava entre os muitos objetos jogados pelo pátio e bateu na cara do moço o fazendo pender o rosto para trás.
__ Acha que vai ser fácil isso?! - Falou ele estreitando os olhos e encarando os dois moços. Não se sabe o que carregava ali dentro, mas deixou um grande e notável corte no rosto do seu oponente.
__ Seu mendigo desgraçado! Eu vou matar você! - Falou o loiro sardento ao sentir a dor do ferimento e vê o sangue em sua mão assim que tocou a área atingida. O moreno claro segurou o andarilho por trás e disse:
__ Mate logo ele, Edu!
Com uma certa distância, pai e filha observavam a cena...
__ Eu preciso intervir. - Falou Dione para filha ameaçando sair de trás de uma das muretas da qual estavam escondidos. Ela segurou o seu braço e disse:
__ Você não vai a lugar algum! Isso não é da nossa conta.
__ Mas eles vão matar ele! - Alertou o pai.
O rapaz desferiu vários golpes com o canivete no estômago do mendigo que caiu de joelhos os xingando e os amaldiçoando.
__ Ai meu Deus! - Marina gritou em desespero cobrindo o rosto.
__ Deixem ele em paz! - Falou Dione saindo de onde estava e caminhando rumo a eles.
__ De onde esse maluco saiu?! - Perguntou o moreno surpreso.
__ Me ajude! Eles querem me roubar! - Gritou o andarilho ao fitar Dione com o olhar carregado de desespero.
Edu, o loiro sardento que o ameaçava com o canivete, lhe deu um soco forte no rosto o fazendo calar. O moreno que o segurava o soltou. O velho caiu de joelhos e tombou para o lado levando as mãos ao estômago. O rapaz então puxou o seu braço e abriu com dificuldade sua mão pegando o bilhete.
__ Fica na sua, ô grandão! Falou Edu gesticulando com a arma na direção de Dione. Dione se aproximou e o rapaz já o atacou com o canivete. Dione segurou o seu braço no ar com a mão esquerda e bateu com a lanterna em seu queixo de baixo para cima com a mão direita. Logo girou seu braço o fazendo gritar e soltar a arma. Sem pestanejar soltou o braço do rapaz e já lhe acertou o rosto por mais três vezes com a mesma lanterna o fazendo andar para trás. Dione se admirou de como ela ainda estava inteira, depois da força discomunal que havia colocado nos golpes. Edu já estava zonzo. Dione então num giro muito bem dado, acertou seu rosto com um chute, o levando ao chão.
Olhou na direção do outro, mas já havia se mandado para o interior da fábrica. Viu o que aconteceu com o amigo e não queria ser o próximo. Dione não o deixaria escapar ileso, depois do que fez ao pobre mendigo. Não exitou e foi atrás dele.
No desespero o moreno havia se perdido naquele labirinto de paredes, e já não se lembrava mais do caminho que veio. Andava de um lado a outro procurando uma saída naquele breu até que Dione parado em sua frente feito um fantasma, acendeu a luz da lanterna de baixo para cima em seu rosto, se revelando para ele como um fantasma.
__ BUUU! - Dione brincou. O rapaz gritou de susto e Dione já lhe acertou o nariz com um soco, e depois seu estômago. De assalto, o pegou pela gola da jaqueta e o puxou para a parede ao lado, batendo forte sua cabeça contra ela. O moreno caiu ao chão, mas ainda estava consciente. Dione jogou o feixe de luz sobre ele de cima para baixo, o obrigando a cobrir o rosto pela claridade que ofuscava seus olhos. Um pouco atordoado e com o nariz sangrando, ele pedia clemência ao ver que Dione se aproximava.
__ Por favor cara, por favor, não me mate! O bilhete está aqui... Pronto, pode pegar! - Falou o tirando do bolso e erguendo o braço o entregando do chão. Dione o pegou e Disse:
__ Não vou te matar. Não gosto disso. Mas se fosse necessário eu mataria. - O rapaz lhe olhava de baixo assustado. __ Vou nessa, minha filha me espera. Enquanto isso, dorme um pouco até que a polícia chegue. - Disse chutando seu rosto, o fazendo apagar de vez.
Dione colocou o bilhete no bolso e saiu andando. Pegou o celular e...
__ Alo, é da polícia? Houve uma tentativa de homicídio numa fábrica de tijolos abandonada, ao lado da BR 156. Dois idiotas tentaram matar um homem. Venham o mais depressa possível, por favor. - Desligou o aparelho, e continuou andando.
[...]
O andarilho parecia sem vida no chão, caído sobre uma poça de sangue, com os olhos fitos para o nada. No silêncio da noite, o estalar das brasas era notável na fogueira do latão. Marina estava de costas, e olhava de soslaio o defunto de olhos arregalados. Com os braços cruzados e com o capuz sobre a cabeça, rezava a todo momento para que o pai retornasse logo. Uma mão grande foi apoiada sobre o seu ombro direito, que de súbito a fez gritar de susto.
__ Relaxa, sou eu. - Dione se apresentou. Ela se virou ainda assustada e lhe abraçou de imediato.
__ Por que chegou calado assim?! Quer me matar de susto?!
__ Desculpa, não foi minha intenção. - Mentiu. Na verdade, se divertiu muito com o susto dela.
__ Que bom que voltou! Ele está morto... - Falou ela o liberando do abraço e ambos se viraram para o corpo no chão.
__ Ele ficou agonizando e tentou me dizer algo. Eu não compreendi, não sabia o que fazer. Foi horrível! - Falou com os olhos marejados e um tanto desesperada.
__ Calma... está tudo bem agora. - Falou segurando as mãos da moça.
Dione pegou um cobertor velho jogado por ali, foi até o corpo e o cobriu. Em seguida fez o sinal da cruz e caminhou para perto da filha.
__ Eu quero ir embora desse lugar! Parece mal assombrado. - Disse passando os olhos em volta.
__ Eu também acho. Vamos logo então. - Disse achando graça e saindo abraçada a ela. Se lembrava que lugares como aquele já fora usado muitas vezes por ele como abrigo ou esconderijo no passado.
Um dia depois...