Capítulo 2 Palavras de um demônio e a voz de um anjo

- Então, vamos ver algo mais suave.

Fazendo leve um movimento com a mão sobre o espelho, a imagem lentamente se tornou opaca, formando uma nova em seguida.

- Oh, esse sim parece mais leve e... sombrio?... - comentou ele inocentemente. Em seguida, sentindo a pessoa ao lado enrijecer, ele perguntou com um sorriso - O quê? Você não gostou?

A pessoa não respondeu, ele não podia falar, afinal.

Além disso, não era preciso que ele falasse, o demônio tinha confiança em tirar tudo que quisesse dele com apenas um olhar.

E observando a visão, o sorriso do demônio só cresceu.

Era um momento feliz para ele.

Normalmente, ele não daria mais que um olhar em qualquer figura proeminente que ele precisasse tirar algo, deixando tudo por conta de terceiros.

Mas aquela figura o fez descer de seu trono.

Em meio aquele lugar onde ele não podia confiar em ninguém, a existência daquele jovem precisava ser mantida longe da curiosidade alheia.

Por isso, ele trabalhou sozinho todos os dias e deu muito duro para desconstruir aquele jovem e futuro herói.

Ele merecia ao menos esse pequeno entretenimento por isso.

- Como prometi ser sincero com você, não vou mais esconder o jogo. Eu percebi que ultimamente você estava meio triste, não tinha tantas reações ou o mesmo brilho no olhar do mês passado... Então, como seu melhor amigo, era minha obrigação tentar mudar isso, certo?

- Então eu gastei bastante tempo, pensativo, em como fazê-lo se animar para termos essa conversa. Claro, eu posso falar por nós dois se você ainda quiser o silêncio. Mas eu ainda precisava pedir ajuda de alguém para te convencer...

- Eu queria convidar sua mãe, já que ela é a pessoa que trouxe meu precioso melhor amigo ao mundo, mas como ela é uma pessoa ocupada, você sabe.

Ele calmamente explicou, como um monólogo já pronto. Entrelaçando cada mentira derradeira para aumentar aquela chama de ansiedade e raiva.

- Bem, pensei que a pessoa que cuidou do meu amigo, ainda mais do que sua mãe de verdade seria a opção perfeita, você não acha?

- Infelizmente, eles não podem vir até aqui ainda. O império é bem longe, afinal - ele comentou desanimado, suspirando ao final.

- Mas eu imaginei que você gostaria de vê-la. Pelo que eu ouvi, vocês são muito ligados. Mesmo que seja à distância ainda deve aliviar um po...

- Oh! Já está funcionando! Esse olhar é bem melhor, meu precioso amigo.

Em meio a tensão, os dois se encararam por um momento. Até que balançando a cabeça e suspirando, toda a atmosfera envolvendo o demônio mudou.

- Ah! Eu tive o suficiente. Se continuar assim, posso acabar perdendo meu convite para o paraíso... Eu não devia brincar tanto, então serei direto. Sou bom amigo o suficiente para saber que você prefere assim - disse ele, com elegância e cordialidade que contrastavam com sua aparência jovem.

Recebendo um leve aceno de cabeça em troca, o demônio sorriu interiormente, mas manteve sua expressão de serenidade à tona.

Sentindo a intenção e aceitação vinda do seu ouvinte, ele sentiu que a última porta havia sido aberta... No entanto, estranhamente uma pequena insegurança surgiu em meio aos seus sentidos.

Procurando a origem, ele percebeu que vinha do brilho aceso no olhar do jovem.

Por um momento, ele sentiu que a reação dele parecia um pouco mais branda do que imaginava. Mas inconscientemente lançando um olhar para o espelho, ele apagou o pensamento.

Em toda a sua investigação, aquelas cinco pessoas eram as mais preciosas para ele. E de uma coisa ele tinha absoluta certeza, contanto que fosse preciso, pelos seus entes queridos aquele jovem estava pronto para caminhar descalço por todo o inferno.

Essa era a facilidade de brincar com um verdadeiro cavalheiro, ele pensou, antes de voltar a falar em um tom resoluto e confiante:

- Assine o contrato - sua expressão e seus olhos brilharam em ganância por uma fração de segundo. Apenas o suficiente para mostrar o quanto ele estava ansioso para dizer aquelas palavras.

- As histórias que você deve ter ouvido sobre os demônios podem estar afetando a sua decisão, mas eu não tenho amigos tolos. Você deve ter percebido que a origem de tais rumores e o ponto principal são o mesmo, a intenção e confiança do contrato.

- E como prometi, fiz questão de deixar o mais sincero e equilibrado possível. Ele é bem simples e você vai entender facilmente minhas intenções - ele acrescentou. Em um tom gentil e confiante que poderia fazer qualquer um esquecer sua origem demoníaca.

Isso se não fosse por seu sorriso um tanto predatório.

- Se torne meu, se torne meu principal contratante...

Ele ficou em silêncio em seguida, deixando a ideia pairar lentamente sobre os pensamentos do jovem, como uma névoa se tornando cada vez mais densa... antes dele acrescentar com bom humor:

- Pode ser algo muitas vezes esquecido, mas nós e os espíritos elementais temos as mesmas orig... Ah, não quer ouvir? Tudo bem, não é algo essencial...

- Eu entendo que na situação atual, pode parecer unilateral, mas isso é apenas uma mostra do quão importante você é para mim.

- Eu trouxe até um pequeno presente para isso... como disse antes, estou pronto para investir em você.

Abrindo a caixa em seu colo com a mão livre enquanto ainda falava, ele tirou um fino colar de aparência simples e tentou o colocar na mão do jovem.

O jovem tentou afastar sua mão no primeiro momento, porém o demônio previu isso e usou um feitiço de empatia.

A confiança e segurança do demônio sobre aquele colar foram expostos e influenciaram a mente do jovem.

- Agora infunda um pouco de mana, tente conectar os dois tipos e sinta a ligação escalar até seu pescoço.

Dando um segundo olhar avaliador ao colar ele o segurou em um leve aperto e fez o que foi lhe dito.

Assim, por um momento o silêncio prevaleceu, enquanto o colar começava a brilhar levemente.

"Não funcion?..."

No entanto, logo uma voz que só poderia ser descrita como doce e angelical, soou. Fazendo com que o silêncio anterior se tornasse ainda mais denso, monótono, e entediante.

Como se apenas aquela voz pudesse e devesse tomar seu lugar de direito.

Percebendo o aperto do jovem sobre o colar aumentar, suave e sentimental, o demônio se orgulhou internamente.

Essa foi uma ideia que ele rejeitou a princípio, por sua dificuldade em conseguir tecnologia de outro mundo.

Principalmente em meio a uma missão e por conta do pouco retorno em comparação ao preço. No entanto, vendo essa cena ele se elogiou internamente.

Como um futuro general seu, conquistar sua lealdade seria vital...

"Mas agora que percebo. Com essa voz e postura... Dois pares de asas negras ficariam perfeitas nele."

"Será que eu consigo torná-lo discípulo de algum caído? Não, nem que eu precise pagar por dez vidas. Eu preciso ver isso." - pensou ele decidido, já tendo como certo aquele jovem se tornando seu.

Ele estava excitado apenas com a imagem de tal anjo de asas negras ajoelhando-se frente a ele, como seu cavaleiro e braço direito.

- Sabe, essa tecnologia não é desse mundo e teria me custado um chifre, se eu ao menos tivesse um extra, mas... é como eu disse, isso é quão...

"Já chega."

Como antes, o silêncio parecia se tornar mais pronunciado e denso com apenas o ressoar daquela voz.

Porém, dessa vez havia uma tensão fria e feroz pairando sobre esse silêncio...

O contraste entre o tom de voz anterior e aquele era gritante, fazendo o instinto do demônio tremer.

Algo naquele tom de indiferença cortante não estava certo.

Então, mesmo sem perceber, a guarda dele contra o jovem aumentou.

Quase como se uma serpente velha e astuta tivesse acabado de trocar de pele e estivesse ali em seu lugar, para exibir suas novas escamas douradas...

Essa era a sensação que sua habilidade de empatia lhe indicava.

"Ei, meu amigo. Parece que há algo de errado com seu espelho." - ele apontou movendo os olhos, com um leve sorriso se formando em seus lábios secos.

Sua voz soando doce e gentil, em melodia com seu humor.

Por um momento, mesmo seu rosto e olhar pareciam se iluminar sob o véu de longos cabelos cabelos brancos.

Vendo isso enquanto processava suas palavras, os olhos do demônio se arregalaram em leve surpresa antes de se estreitarem em apreensão.

E em oposto a isso, seu sorriso crescia, cada vez mais intimidador mostrando seus caninos brancos e afiados.

            
            

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