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Por algum motivo o demônio estava relutante em tirar seus olhos do jovem, mas a 'verdade' e coerção naquele tom angelical não deixaram espaço.
Examinando o reflexo no espelho, suas sobrancelhas e o canto de seus lábios se ergueram levemente.
Não havia diferença ou qualquer problema com o reflexo que ele pudesse notar. No entanto, ele sabia que as palavras do jovem não eram de ânimo leve.
Assim, a cada segundo que ele observava o espelho seus lábios franziam, junto à sua expressão que se tornava uma carranca.
Ele não via nada digno de nota. Mas seus instintos diziam o contrário.
Revisando a tela, ainda se passava o pequeno entretenimento que ele planejou.
A visão era separada em duas extremidades por uma parede. Parecia que alguém havia parado no meio de uma porta aberta, propositalmente, para dar uma visão de dois cômodos.
Um corredor e um pequeno quarto, ambos os cômodos eram de uma casa de madeira antiga e decrépita. Uma tempestade e a escuridão que vinha com ela se faziam presentes pelas janelas, dando uma aparência sombria e perturbadora a toda a visão.
No corredor, ao lado direito da imagem, três homens adultos estavam caídos, desmaiados e amarrados. Suas aparências eram semelhantes, barbas e cabelos longos, todos sujos e molhados; suas roupas surradas, aparentemente gastas por anos.
E no piso de pedra em meio ao corredor sombrio, uma caixa estava em destaque.
Aberta e com alguns repartimentos em cubos, vários frascos ficavam à mostra. Seu conteúdo era um líquido borbulhante, colorido em um tom brilhante de vermelho e alaranjado.
Na superfície do vidro, um papel de cor preta com detalhes elegantes em dourado evidenciava que se tratava de uma poção afrodisíaca. Era uma visão primorosamente orquestrada para quebrar a última resistência na mente do jovem...
Já que na meia visão do quarto, à esquerda, a pessoa que ele mais amava repousava tranquilamente, usando um singelo vestido branco de dormir. Como se ainda estivesse protegida no mesmo quarto e cama em que adormeceu.
Essa foi a cena que deveria convencer aquele jovem mais do que a dor de um longo mês de torturas e jogos mentais, era nisso que o demônio tinha absoluta confiança.
Mas o sorriso em seu rosto teimoso abalava essa confiança e o demônio logo percebeu que a imagem no espelho também.
Ela era uma manipulação para repetir as memórias de seu subordinado que supervisionava o lugar... ou seja, alguém havia posto seu subordinado em uma ilusão.
A prova era que a respiração das pessoas adormecidas e os relâmpagos iluminando a escuridão da casa eram repetitivos.
Processando tudo isso, um dos seus subordinados de maior confiança havia sido posto em uma ilusão sem nem mesmo perceber...
Ele poderia aceitar isso.
Mas o que ele não entendia, era porque o jovem o avisou...
Sentindo seu humor tranquilo e expressão bem humorada - ambos direcionados a ele. Uma preocupação e raiva fria brotou na sua mente, e foi escalando por toda a sua espinha. Inconscientemente fazendo ele estreitar os olhos na direção do jovem, em uma pergunta silenciosa.
‟'Por quê'... não é? É isso que você quer perguntar." - ele suavemente comentou, calmo e despreocupado.
Estranhamente, o demônio congelou no lugar, ele sentiu como se estivesse sendo repreendido... e seguindo o pensamento. Era como se aquelas palavras o levassem à uma memória antiga, de volta ao inferno de onde veio e o deixasse novamente de joelhos e impotente, como uma criança em frente a um predador...
Como um demônio insignificante em frente ao seu dono. Foi assim que ele se sentia na época e foi assim que se sentiu agora.
Seu mundo parecia estar despedaçando dentro de seu punho fechado e assim que ele o abrisse, só restaria pó.
‟Ah, isso é estranhamente reconfortante, meu amigo. Sério! Talvez fosse porque aqui é sempre um pouco escuro ou, porque minha mente muitas vezes não funcionava direito... Mas nessas vezes você me parecia um verdadeiro demônio." - a voz ressoou, novamente, a partir do colar que o jovem segurava. Dessa vez com um proposital tom de ironia e uma leve risada ao final antes de acrescentar:
‟Eu até poderia jurar que vi um belo chifre se camuflando no escuro, uma vez ou outra. Você acredita nisso? E por isso, era um pouco cansativo ficar aqui brincando com você. Aquela criança também pensava o mesmo, por isso, deixei que ela descansasse."
‟Mas agora que estamos aqui, eu percebo... Que você também é apenas uma criança. Uma criança má, excitada por encontrar um novo brinquedo... oque te torna ainda mais previsível." - suave e indiferente, a voz era misteriosa e bela ao ponto de encantar o demônio.
Porém, ele voltou ao controle de seus pensamentos como se tivesse acabado de acordar de um pesadelo. Sua mente girando para processar o que estava acontecendo.
E assim ele percebeu que, entre algumas das frases, o tom e emoção da voz vacilava. E isso deveria ser impossível. Pelo menos para uma voz reproduzida pelo colar.
Apenas uma mente deveria controlar os pensamentos que seriam ditos pela voz, e apenas uma voz deveria ser representada. Era assim que uma mente normal funcionava.
- Quem é você? - perguntou ele, finalmente se deixando guiar por seu instinto e percepção.
'Aquela pessoa não era aquela que ele queria ter para si.'
Processando esse pensamento, um grande quebra cabeça de peças perdidas e irreais começou a se formar em seus pensamentos. Várias percepções de momentos no ultimo mês voltaram para ele em uma enxurrada:
'Mesmo que o império seja famoso por treinar a tenacidade e resistência à dor de seus soldados... Como um jovem, alguém conhecido por ser frágil, poderia suportar por tanto tempo?'
'Cada vez mais resistente em soltar até o mínimo gemido...'
'Cada vez...'
'Ele não era resistente a esse ponto no início.'
Lembrando-se da teimosia e orgulho naqueles olhos fracos e cinzentos, um pensamento selvagem se fixou na sua mente.
Aqueles eram os olhos de um jovem, mais realistas e vazios de vida comparados a seus pares, no entanto a pureza neles não poderia ser falsificada, assim como o brilho de uma verdadeira pedra preciosa.
Os olhos que ele encarava agora não eram os mesmos.
Havia semelhanças. Que se bem usadas, se passar pelo jovem seria fácil.
Mas não agora, agora não... o dono desses olhos já tinha conseguido o'que queria, por isso se revelou.
Se lembrando dos seus sentidos o mostrando uma cobra astuta que havia trocado de pele. Ele percebeu que seus sentidos haviam o subestimado...
'Não. Eu sou a velha serpente astuta aqui. Merda! A arrogância em cada gesto e palavra... ele no mínimo está me desprezando e já que está preso comigo aqui no corpo do garoto... ele tem que ter ao menos o poder para apoiar esse desprezo.'
'Ele me lembra algo pior... ele me lembra daqueles malditos lagartos...'
'Talvez a alma de um dragão ancião. Orgulhoso, sábio e astuto, e assim como os demônios, eles tinham a força para se apoiar. Um inimigo temível para qualquer raça.' - só de pensar que seu instinto tivesse alguma base, ele sentiu sua ansiedade crescer.
'Merda. Merda! De onde diabos surgiu isso?!'
'Poucos tem poder para me pressionar assim apenas com um tropeço no plano e alguma intenção. Eu treinei minha mente e empatia, justamente por isso, afinal.'
‟Oh, você já está tão ansioso com apenas isso..." - ele disse com um riso, como se tivesse encontrado um momento de diversão aleatória.
Um leve sorriso se formava em seu rosto, mas seus olhos não eram nada divertidos. O que por um momento congelou os pensamentos do demônio, antes dele voltar a falar:
‟Tão fofo e prestativo... Se preocupando com nosso bem estar ao ponto de nos dar uma ultima visão dela." - enquanto a voz dizia com a aparência de uma gratidão sincera, seu olhar frio o contradizia. Porém, ele não deixou de perseguir a imagem da bela mulher adormecida no reflexo do espelho.
Com seu olhar aumentando em intensidade por um instante, o demônio percebeu que parte do objetivo de tal 'elogio' era atiçar suas emoções. Por que objetivo final ele não sabia, mas conhecia bem o processo de brincar com a mente de alguém.
Ele era um demônio, afinal.
Ele só ficou inseguro por um momento se ele era o único, ou o verdadeiro demônio ali...