Capítulo 2 O amigo

São nesses momentos que minhas habilidades como policial são postas à prova, pois a adrenalina sobe e você se questiona se você realmente está vendo aquilo e se você realmente deve fazer o que seu cérebro está te dizendo. Mas antes de ser policial eu já passei por isso, então eu sei o que significa o que eu estou vendo e sei exatamente o que eu tenho que fazer.

É o Pedro, era ele quem estava me filmando, mas eu travei, não sei mais se esse é o certo a se fazer, não sei se o meu lado vingativo está se sobressaindo e inibindo minha razão e então em questão de segundos não tenho mais tempo para pensar, pois o Pedro também tem treinamento militar, então ele aproveita a falta de visibilidade devido a noite e tenta fugir, eu efetuo dois disparos, mas ele vai embora. Eu não consigo acreditar, de novo não...

Liguei para a Compania e poucos minutos depois minha casa estava cheia de viaturas e de soldados da corregedoria, então começaram as perguntas:

- Preciso que você discorra tudo o que aconteceu, a que horas você chegou, o que você fez, o que aconteceu e porque você efetuou os disparos, para começar. - questionava o Sargento Muniz.

Então surge minha mãe interrompendo e reclamando.

- Porque você ligou para polícia? Porque você atirou nele? Não tinha necessidade disso Nina! - dizia minha mãe fora de controle.

- Senhora, mesmo que ela não fosse uma policial, o que não é o caso, toda mulher tem o direito de se defender e por ela ser uma mulher policial, creio eu que ela fez o que julgava necessário na situação. Ninguém vai sair atirando por aí sem motivo.

- Mas ela não tinha o direito de fazer isso, devíamos ter resolvido isso como família, entre nós, não anunciando para todo mundo, taxando o Pedro como criminoso e expondo nossas vidas desse jeito.

- E o que a senhora queria que eu fizesse mãe? Já é a quarta vez que isso acontece e vocês sempre arrumam um jeito de me culpar e passar a mão na cabeça dele.

- Espera, já é a quarta vez que isso acontece e ninguém tomou nenhuma providência e ele continuou morando com vocês apesar de tudo? - questionou o Sargento Muniz incrédulo.

- Sim. - respondi.

- Bom, vamos prosseguir com o boletim de ocorrência e prosseguir com a queixa.

- Não! Ninguém vai prestar queixa de ninguém. Você já pensou como a Liz vai ficar com tudo isso?

Eu olhei para Liz e ela estava abraçada com meu pai chorando, já o meu pai estava com um expressão impassível no rosto.

- E eu mãe? Como eu fico nessa história?

- Você vai ficar bem, você é forte, só está fazendo tempestade em copo d'água.

Me arrepiei com as palavras da minha mãe, parecia que eu podia levar todas pancadas do mundo, porque aos olhos dela eu suportaria, já a Liz não aguentaria romper com um molestador, apesar de merecer mais que isso.

- Bom senhora, essa decisão não lhe cabe mais. Essa decisão lhe cabia tomar a muito tempo atrás, quando colocou uma de suas filhas em perigo, para proteger sua outra filha... Mas essa decisão também não é mais da Soldado Garcez, pois a partir do momento que ela efetua um disparo, ela tem que comunicar à Compania, para que seja aberto a apuração dos fatos.

Parece que aquilo pegou minha mãe de jeito, porque ela fechou a cara e não disse mais nada.

- Sargento Muniz! - o Matheus tinha acabado de chegar na minha casa.

- Cabo Ferraz! Peço por gentileza que leve a Soldado Garcez para sua casa depois que ela der o depoimento dela, vocês são amigos, não são?

- Sim senhor!

- Pois bem, ela merece um pouco de descanso, segurança e um abraço amigo e essas são coisas que ela não vai achar aqui.

Minha mãe saiu de perto de nós, pegou a Liz pelo braço, entrou em casa e não saiu mais, meu pai me deu um beijo e também entrou em casa, apagaram as luzes e não os vi mais aquela noite.

O Matheus me ajudou a fazer as malas, ele tinha vindo de carona em uma viatura que foi buscar ele na casa dele, então ele pegou meu carro, peguei o Jack - meu shitzu caolho - e ele dirigiu para sua casa.

- Não se preocupa, eles tem a foto do Pedro e já emitiram o mandato de busca, vão achar ele.

Continuo olhando pela janela e abraçando o Jack.

- Vamos Nina você precisa dizer alguma coisa.

- Você sabe tão bem quanto eu que ele tem treinamento militar Matheus, não vai ser tão fácil assim e ele é vingativo, pode vir atrás de mim porque perdeu tudo.

- Ele não sabe onde eu moro Nina, eu vou estar com você o tempo todo e no trabalho somos parceiros, então vou estar te protegendo o tempo todo.

Não é tão fácil assim de acreditar nele, depois que meus próprios pais não fizeram nada para me deixar segura e tentaram me impedir de eu proteger a mim mesma.

O Matheus mora sozinho e sempre me respeitou muito e além disso nos conhecemos a muito tempo, mas a sensação que eu sentia era de insegurança com outro homem por perto, mesmo esse homem sendo o Matheus. Eu chorei a noite inteira e tive dificuldade para dormir...

Acordamos e fomos trabalhar na manhã seguinte, eu não dormi quase nada e o Matheus percebeu isso. Chegando na CIA o Sargento Muniz veio conversar comigo.

- Como você sabe Garcez, você fica sem sua arma e trabalhando no serviço administrativo até a apuração acabar, o que você precisar, pode falar comigo e um conselho que posso te dar como um pai e um amigo, procure um psicólogo para que você possa conversar com alguém, você vai perceber que quando você começar a achar que está bem e que superou, é quando você vai ver como está destruída por dentro.

- Pode deixar chefe, obrigada!

- Ferraz, você fica com a Soldado Lima até a investigação da Garcez terminar, vou procurar manter vocês no mesmo horário, para que você acompanhe a Garcez até acharmos aquele desgraçado e resolver essa situação, tá bom?

- Sim chefe!

- Bom... dispensados!

O dia passou rápido e fiquei bastante irritada tendo que fazer escala de pessoal. Como se não bastasse perder minha casa e ter minha família contra mim, o Pedro também conseguiu tirar o meu prazer de trabalhar. Percebi olhares de todos para mim durante o dia e também conversas sobre o que tinha acontecido, mas ninguém falava comigo sobre o assunto, e agradeci por isso. Tomei um banho e agradeci a Deus que aquela merda de dia tinha acabado, me sentia cansada, estressada e triste. Tinha recebido uma mensagem de voz do meu pai, mas não estava em condições de ouvir o Sr. Augusto. Fiquei esperando no estacionamento pelo Matheus, mas ouvi pelo rádio da Compania que ele ia demorar por causa de uma ocorrência que ele tinha pego quase no final do expediente. Então ele me mandou uma mensagem:

"Rua das Canções, n°1003 - esse é o endereço da casa dos meus pais, minha mãe tem uma cópia da chave da minha casa, se quiser e achar seguro ir primeiro, pode ir, depois eu me viro para voltar."

Respondi:

"Tranquilo, te espero. Vou tentar tirar um cochilo aqui no alojamento."

Alguns minutos depois:

"Beleza, vou tentar arredondar aqui."

Fui para o alojamento, deitei na cama e apaguei e comecei a ter um sonho horrível...

- Você não devia ter exposto nossa vida assim, você já pensou como a Liz vai ficar com tudo isso?...

- Ele não sabe onde eu moro Nina...

- Você fica sem sua arma e no serviço administrativo...

- EU TENHO UMA FANTASIA COM VOCÊ...

Acordei sentindo alguma coisa me tocando e pulei da cama, bati em alguém com toda a força que eu tinha e comecei a estapear a pessoa, que me abraçou com força, de repente quando minha mente voltou em ordem e minha visão desembaçou, então pude ver o Matheus deitado no chão surpreso abraçando meus braços com força e eu em cima dele, estava tão assustada e tão confusa que comecei a chorar. Ele se sentou ainda abraçado comigo e colocou as pernas dele em volta de mim e me falou:

- Nina, vamos procurar ajuda, você não mereceu o que aconteceu com você e merece ajuda para passar por isso.

Eu ouvi chorando mas não respondi, ele tinha razão, eu precisava de ajuda.

Fomos para casa do Matheus e não conseguia dormir de novo, minha sorte é que o dia seguinte seria sábado e até a investigação acabar eu estaria de folga aos finais de semana - única parte boa do serviço administrativo para mim - já que eu não conseguia dormir, troquei de roupa, peguei a coleira do Jack e estava pronta para sair para levá-lo para passear, mas o Matheus parou na porta e me perguntou:

- Você acha que o caolho aí dá conta de te proteger?

- Ele?... não! É mais fácil ele se fingir de morto se acontecer alguma coisa. - consigo tirar um riso do Matheus, mas logo ele fica sério e me diz...

- Nina, você precisa colocar pra fora o que está acontecendo. Não quero diminuir o que aconteceu com você e nem o impacto que isso deve ter tido em você, mas você é uma policial, já viu e passou por coisa pior, isso não iria te abalar tanto assim, eu estou preocupado.

- Você acha que não foi muito? Minha mãe também acha que não. Eu devo estar fazendo tempestade em copo d'água então, né Matheus? PORQUE VOCÊ NÃO VAI DORMIR, ENQUANTO EU PASSO A MÃO EM VOCÊ???

- Como assim Nina?

O Matheus ficou confuso, eu nunca contei tudo o que aconteceu comigo e com o Pedro, eu só tinha comentado que ele tinha feito uma coisa comigo, que eu não tinha gostado e que as coisas ficaram estranhas entre eu, ele e a Liz. Ele me conhece bem, sabia que se não fosse nada sério, eu não teria contado para ele e então deve ter tirado as próprias conclusões, mas ouvir eu falar isso, deve ter feito cair a ficha dele de o quão grave era a situação.

- Nina, me conta o que aconteceu, por favor. Você é minha melhor amiga, é uma pessoa importante pra mim, você acha que eu não estou preocupado? Ou que eu consigo dormir enquanto sei que você está acordada?

- Matheus, por favor... eu não estou em condições de falar sobre essas coisas agora... eu... - começo a chorar - não consigo parar de pensar em tudo isso, então por favor... não me força a relembrar mais do que eu preciso... por favor...

- Tudo bem Nina, do que você precisa? Um abraço? Eu posso te dar! Precisa de um tempo? Eu peço na Compania! Precisa fugir? Eu pego o carro!... Só me diz o que você precisa para ter uma boa noite de sono.

Eu podia sentir a dor na voz do Matheus e não sei se foi o reflexo da luz da lua, no corredor escuro da casa dele, mas parecia que os olhos do Matheus estavam cheios d'água e então pude sentir minha mente mais calma e meu coração bem quente. Então me lembrei de uma coisa.

- Sabe, quando eu não conseguia dormir, meu pai me levava para dar uma volta de carro no quarteirão e eu acabava pegando no sono, será que agora que estou mais velha ainda funciona?

- Vamos ver, eu preciso mesmo ir na farmácia comprar meus suplementos. - diz Matheus pegando uma blusa e a chave do carro dele.

- Para onde você vai desse tamanho todo? Já deve estar quase chegando aos 90kg de puro músculo, sabe a polícia preza o cérebro e não os músculos.

- Relaxa, minha intenção é ficar um pouco menor que o Hulk.

Entramos no carro, fomos na farmácia, aproveitei para comprar alguns itens femininos que eu precisava e entramos no carro de volta pra casa e em alguns minutos eu apaguei...

Acordei deitada e coberta na cama do Matheus, enquanto ele estava deitado no chão dormindo, olhei ele roncando igual um porco no chão e sorri, foi a primeira noite que eu consegui dormir sem ter pesadelos.

                         

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