Entro em meu quarto logo indo para o banheiro, meu corpo implora por um banho frio. Tiro minha roupa jogando-a no cesto de roupas sujas, prendo meus cabelos em coque mal feito logo entrando no boxer. Um suspiro rasga meus pulmões ao sentir a água entrar em contato com meu corpo. Todos meus músculos tremem enquanto me obrigo a passar o maior tempo possível debaixo daquela água fria.
Quando me dou por satisfeita saio do banheiro enrolada em uma toalha, procuro uma roupa de dormir confortável. Não sei por que me dou esse trabalho, levando em conta que nem irei dormir direito. Deito em minha cama sentindo meus olhos cansados, os mesmos não me obedecem mais para ficarem abertos. Me dou por vencida deixando que o sono me embale.
Seus olhos vermelhos nos encarava diabolicamente enquanto um sorriso perverso dançava em seus lábios. Ele era o verdadeiro demônio naquele momento.
- Lucas? O que você vai fazer? - A mulher a minha frente me protegia como uma verdadeira muralha. Eu sentia que nada poderia passar por ela e me atingir. - Abaixa essa arma, vai ser melhor. - Toquei em sua cintura puxando-a para trás, na inútil tentativa de mantela longe daquele monstro.
- Eu tinha outros planos para nós, mas acho que não temos tanto tempo assim, não é?. Então vamos resolver isso de uma vez por todas. - Eu já podia ver as luzes das viaturas ao longe. Mas quando eles chegassem já seria tarde de mais para nós - Adeus para vocês. - Lucas lentamente destravou a arma. Seu rosto ficou borrado. A mulher a minha frente se virou para mim e como se tivesse asas de anjos me envolveu sobre elas quando o gatilho foi disparado.
Meus ouvidos tinham um zumbido estranho quando me acordei em um pulo. Meu peito subia a descia em uma respiração descompassada quase agonizante. Olhei para os lados só para me certificar que eu estava em meu quarto. Deitei novamente limpando um pouco de suor da minha testa.
Foi só um pesadelo. Um maldito pesadelo mais uma vez.
Pego o celular para conferir a hora, o mesmo já marcava cinco e meia da tarde. Dormi bem mais do que imaginei.
Eu fiz de tudo para deixar essas lembranças no passado, ate pessoas eu me vi obrigada a deixar para tentar ter uma vida normal. Mas a cada dia que passa essas memorias se fazem cada vez mais presentes. O que agora me deixa uma grande interrogação, será que valeu mesmo a pena ter aberto mão de tanto?
Chacoalho minha cabeça tentando dissipar aqueles pensamentos. Beah tem razão eu só preciso sair, conhecer pessoas e me divertir, me permitir viver novamente. O que foi feito esta feito, não tem como voltar atrás agora.
Pego meu celular discando o número desejado assim que o encontro. No terceiro toque a ligação foi atendida.
- Alô. - Aquela voz rouca se fez presente do outro lao.
- O convite para fazer alguma coisa ainda está de pé?
Eram quase oito horas quando me olhei uma ultima vez no espelho. Arrumei uma ultima vez meu vestido no corpo, o mesmo era preto de mangas longas que iam ate a metade de minhas coxas, nos pés um salto fino também preto. Amarrei meus cabelos em um coque bem feito deixando que apenas alguns fios caíssem na lateral do meu rosto. Fiz uma maquiagem leve, o básico para disfarçar minhas olheiras tão profundas e marcadas.
Oito e dez a campainha toca. Abro a porta recebendo um olhar avaliativo do moço parado nela.
– Nossa! Você está linda doutora Emilly. - Ele leva a mão até o peito de uma forma dramática. - Acho que estou passando mal com tanta beleza.
Gargalho com seu exagero. Ele me olha com uma sobrancelha arqueada, eu sei o que está se passando por sua cabeça. Eu estava rindo, de verdade, por que achei algo realmente engraçado e não pude frear a vontade que me veio de rir.
– Muito obrigada, doutor Tiago. Você também está lindo. - O que era verdade. Ele vestia um jeans claro justo com um sapato branco e um casaquinho de gola redonda, o mesmo estava dobrado até seu antebraço. Seus cabelos molhados perfeitamente penteados para trás. O que era raro de se ver.
– Muito obrigado, fiz tudo isso para nossa noite. - Ri mais uma vez.
– Só um minuto, vou só pegar minha bolsa.
Fui até o sofá onde minha bolsa estava, saindo do apartamento logo em seguida.
Após cumprimentar meu porteiro, um senhor de meia idade, muito gentil que está sempre sorrindo. Fomos em direção ao seu carro, ele fez questão que fossemos nele.
– Onde você quer ir?. – Ele pergunta ao ligar o carro.
– Vou deixar ao seu critério.
Ele assente ganhando as ruas de Belo horizonte. Pela janela me permiti observar as luzes da cidade que a tanto não me permitia admirar, tudo ainda esta quase do mesmo jeito de anos atrás. As ruas eram as mesmas, os comércios eram os mesmos, as avenidas eram as mesmas, mas alguma coisa tinha mudado nesse tempo. Essa coisa era eu. Eu não era mais a mesma. A menina feliz e sorridente tinha sumido com o passar dos anos, eu já não via mais o mundo do mesmo jeito, algo dentro de mim tinha obscurecido e eu não conseguia lutar contra aquilo.
Decisões foram tomadas no auge da minha dor, para mim aquilo era o melhor a se fazer, mas agora vendo que nada tinha mudado, começo a me perguntar se tomamos mesmo a decisão certa. No mais profundo do meu ser desejei voltar no tempo para poder mudar meu rompimento com a Brenda que hoje não fazia nenhum sentido para mim.
Tudo começou quando voltamos da nossa viagem do Rio de Janeiro. Não sei em que momento exatamente tudo começou a dar errado. Talvez quando já não conversávamos, o que era algo essencial para nós. Ou quando nos dedicamos mais aos estudos, estágios, trabalhos e carreira do que ao nosso relacionamento.
Aconteceu tudo naturalmente, sem brigas e sem discussões. Continuamos morando cada uma em suas casas, nos víamos todos os dias, depois um dia sim e outro não. Depois um ou dois dias por semana, até que não deu mais.
Não sei se fui eu a culpada de tudo ou se foi só mais uma dessas coisas da vida, que tem que dar certo até um certo ponto e depois acaba.
Foi isso que aconteceu com a gente. Acabou.
Isso, mesmo!
Nosso relacionamento esfriou, o amor já não era o mesmo e não víamos mais sentido em continuarmos juntas. Então decidimos que era melhor cada uma seguir caminhos diferentes.
Pelo menos foi isso que decidimos a três anos e meio atras.
Ficou certo que precisávamos conhecer outras pessoas, ter um circulo maior de amigos, conhecer mais do mundo sozinhas, não depender apenas uma da outra, pois aquilo já não fazia bem para nós duas. Pelo menos eu achava que não, todas as ideias partiram de mim, e ela apenas concordou com cada uma, como se eu não tivesse deixado escolhas para ela.
Afinal eu realmente não tinha deixado.
Tinha?
Desde então evitamos nos ver ou ter noticias uma da outra. Ir nos mesmo lugares que íamos antes já não era mais uma opção, não poderíamos nos dar o luxo de nos esbarrar. Não sei ela, mas eu fiz tudo isso desde que tudo teve um fim. Foram essas decisões que fizeram com que eu me tornasse a mulher que sou hoje.
Brenda foi uma parte muito importante da minha vida, a parte crucial dela. Arrisco dizer que ela foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido, mesmo com todos os altos e baixos que tivemos. Mas como quase todos os relacionamentos um dia tem um fim, com o nosso não foi diferente.
Não vou dizer que não sofri. Sofri sim, e muito. Chorei durante dias e noites, aquilo me fazia pensar se nosso amor teria mesmo acabado. Se tivesse mesmo acabado não era para doer daquela forma. E se tivéssemos apenas nos precipitado?. Se tudo que sentia tivesse apenas adormecido dentro de mim devido ao tanto de responsabilidades que começou a nos cercar?
Por inúmeras vezes quis ir atrás dela e tentar mais uma vez. Mas eu precisava disso, eu precisava me desligar naquela família, e talvez tentar esquecer tudo o que aconteceu. E tudo que restou dela foi um borrão de sua existência em minha vida, as vezes me pergunto se ela foi mesmo real ou se tudo não passou de um sonho.
Seja como for, agora já não importava mais. Já estava feito e não tinha como voltar atras.
E eu segui minha vida.
Senti um tranco me obrigando a sair dos meus pensamentos, o Tiago tinha estacionado o carro em uma rua muito bem conhecida por mim. Respirei fundo sentindo aquele leve aperto no peito, espero que ele não nos leve para o lugar que estou pensando. Sai do carro sentindo o vento frio da noite me atingir fazendo todo meu corpo se arrepiar.
- Tudo bem? - Tiago me pergunta parando ao meu lado. Assenti com um leve sorriso. - Vou te levar em um dos meu lugares preferidos desde a faculdade.
Pensei por alguns segundos se deveria ou não lhe pedir para irmos em qualquer outro lugar, mas não queria ser mal educada, ele já esta sendo tão gentil comigo.