Capítulo 3 : Não é o que parece

PDV: Guilherme

Mal consigo abrir meus olhos para despertar. Antes disso, ouço sons pesados, como se alguém muito forte estivesse dando socos em minha porta com os punhos fechados. Eu então me ergo da... Não, não estou na minha cama. Estou sentado no banco do meu carro, foi aqui que passei a noite passada. Choveu. Eu estou em Petros. Cada parte volta à minha memória lentamente, mas eu ouço novamente o tal barulho de soco, e reparo que há alguém de pé no lado de fora, ao lado do meu carro. Só consigo notar que é um homem forte, mas faltam detalhes pois todos os vidros das janelas do carro estão totalmente embaçados.

Eu então abro o vidro da janela ao meu lado. Meus olhos doem ao se encontrarem com a luz do sol, mesmo que esta esteja bem fraca, atrapalhada pelas diversas nuvens no céu nublado. Quando eles se acostumam, vejo claramente o homem, e ele é um policial. Está vestido com um uniforme todo preto, a camisa com detalhes azuis, um chapéu pontudo, e carrega um cassetete. Tem a pele negra, braços fortes, olhos escuros e um bigode grosso. Ele me olha com desinteresse, porém parece estar em alerta.

- O que foi? - pergunto.

- Você estava dormindo aí? - ele pergunta de volta. Sua voz é bem grossa e alta.

- Dormindo? - teimo para poder pensar em uma resposta. - Na verdade só estava esperando a chuva passar.

- Passou assim que amanheceu.

- Hmm.. Bom... Talvez eu tenha dormido, mas não foi minha intenção. Já vou embora. - Ajeito minha postura do banco e tento ligar o carro, mas o policial se aproxima da janela e se debruça para dentro.

- Você está parado no prédio da câmara de vereadores da cidade, rapaz, pelo visto há horas, isso não é comum. Eu devia de levar para a delegacia.

- Não, por favor! - Era só o que faltava, eu em mais uma delegacia. O prédio que eu pensei ser um hotel é na verdade o prédio da câmara de vereadores. É um prédio chique, sem dúvidas, branco e grandioso, com uma pequena escadaria, que tem destaque nessa rua arborizada e de casas arrumadas e combinadas. Mas ainda assim não esperava que fosse um prédio político.

Tento explicar ao guarda que sou novo na cidade, que na verdade cheguei ontem à noite pois tive problemas com o carro e ainda peguei uma chuva forte, que o telhado na lateral do prédio foi o único local que consegui abrigo. Ele diz que esse "telhado" é um local de espera de vereadores e deputados, ele cobre inclusive uma porta de emergência, e esse lugar onde parei é onde param dezenas de carros para buscarem tantas pessoas importantes em dias difíceis. Eu não devia mesmo estar aqui, e fico impressionado como eu sou azarado. Para provar que não fazia ideia, mostro meu documento, a carteira de motorista, e até o documento de transferência de faculdade. Sou capaz de mostrar o que for preciso, só não quero arrumar confusão no meu primeiro dia nessa cidade nova e estranha. Depois de um tempo analisando, ele me deixa ir. Mas completa:

- Se eu te ver de novo em um lugar estranho ou fazendo qualquer coisa suspeita, não tem perdão. Espero que tenha entendido.

- Tá entendido.

- Feito. Agora cai fora.

Ele dá um passo para trás. Eu apenas faço um aceno de cabeça antes de ligar o carro e sair dirigindo lentamente, à esquerda para entrar na extensão de uma rua longa e estreita. Essa câmara deveria ter algum aviso de segurança, ou pelo menos ser menos aberta. Nessa rua pequena, residencial e de mão dupla, não é de se esperar que políticos passem aqui toda hora. É uma surpresa, mas isso já ficou para trás.

É segunda-feira. O que eu devo fazer? Preciso me estabelecer em algum lugar, tomar um banho quente, me alimentar e ainda resolver uma papelada na minha nova escola. Enquanto dirijo por essas ruas apertadas e desconhecidas, eu busco por um hotel para começar a me acertar, mas por aqui só tem casas, bem bonitas e cuidadas, e pequenas lojas ainda fechadas. Quando paro em um sinal, ligo o aparelho do GPS e marco caminho até o centro da cidade; estou a apenas cinco minutos de lá. Quando o sinal abre, dirijo nessa direção.

Chego ao centro da cidade e vejo de imediato as diferenças no cenário. Aqui há muito mais pessoas nas calçadas, outros carros passando, lojas mais conhecidas começando a funcionar, e reparo que há muitas árvores, bancos e monumentos espalhados a pequenas distâncias: vejo estátuas para escritores e placas históricas na fachada dos prédios. Isso é muito incomum em uma cidade grande como River. Na beira de cada calçada há postes baixos com lâmpadas automáticas, muitas lixeiras em todas as esquinas e flores em canteiros. É um lugar muito limpo e organizado, as pessoas estão igualmente organizadas, vejo muitos sorrindo uns para os outros e trocando cumprimentos enquanto passam. Todos parecem se conhecer, pelo menos de vista. Eu estou surpreso como as coisas funcionam aqui. Não é uma cidade rural, atrasada ou cercada de ignorantes... Na verdade ela parece funcionar muito bem.

Eu tomo então a decisão de parar de dirigir e andar um pouco, ver as coisas mais de perto e decidir para onde ir logo. Estaciono o carro em uma pequena fila a minha frente e começo a explorar essa nova cidade. Penduro apenas minha mochila nas costas.

Desço logo em uma praça, com bancos agora vazios enquanto as pessoas passam por ali almejando chegar em outro lugar. Parece ser um lugar sem importância. Fico no centro dessa praça e olho ao redor... A vista é boa. A cidade é simpática, por mais que eu não queira admitir que estava errado. Ainda há uma sensação de estranheza, mas eu sinto que não deve ser tão ruim como eu imaginava.

Entro em uma rua apertadinha com paralelepípedos no chão e lojas decoradas com flores no lado de fora. Passo na porta de uma delas e sinto um cheiro viciante de café. É impossível passar ali sem entrar para tomar. A lojinha é branca e marrom, tem mesas simples forradas com toalhas bordadas, quadros pendurados na parede com imagens de grão de café e a bebida já pronta com destaque no vapor; no fundo, um pequeno balcão com uma jovem atendente de frente para uma caixa registradora. Peço uma xícara média de cappuccino e torradas.

Há um rádio ligado em algum lugar, com a voz forte de um locutor transmitindo as notícias locais. O tempo está nublado e parece que vai permanecer assim. Eu me pergunto se há neblina forte aqui nos fins de tarde. Enquanto aguardo, reparo em um folheto no canto da mesa. Pego e leio um anúncio de show acústico na praça principal da cidade hoje à noite. No verso, informações sobre a banda convidada e um pequeno mapa da área. Para minha surpresa, ao identificar a loja onde estou, vejo que ela fica duas ruas atrás da Faculdade Walters, que é onde eu estudava em River, e é para lá que meu pai me transferiu. Eu a achei mesmo sem querer.

Tento não pensar nisso quando a atendente serve o café bem quente e as duas torradas em um prato de porcelana. Tento comer em paz, mas minha mente não deixa. Se não penso na faculdade, penso na minha família. Será que estão preocupados comigo? Minha mãe ainda não viu meu novo número ou o ignorou? E se não penso na família, penso em Laura. Estou com raiva de todos, mas dela ainda mais. Confiava tanto nela, e foi a que mais me decepcionou, por nem mesmo me dar um alerta da traição que estava acontecendo entre meus amigos. Ela na verdade foi uma cúmplice... Só quero poder esquecê-la o mais rápido possível.

Termino meu café, pago tudo e saio da loja. A imagem da faculdade desenhada no mapa fica pendulando na minha cabeça; já que é tão perto, por que não finalizo logo minha inscrição? Assim posso começar logo as aulas e não perco tanta coisa, já que é pra estudar que estou aqui. Está decidido. Subo a rua sob os olhares das outras pessoas que parecem saber quando não é um morador da cidade passando. Já vejo estudantes na rua e carros com mais estudantes indo na mesma direção que eu, eles usam uniformes branco e azul marinho, os que estão em grupos conversam e riem. Eu viro à esquerda na segunda passagem, e avisto logo o prédio da faculdade. É um prédio largo, azul, com muitas janelas, cerca de dez andares, e há um prédio subjacente, com o mesmo estilo, apenas menor, onde fica a direção e a reitoria, como leio na placa. Todo o espaço da faculdade é cercado por uma grade e no lado de dentro há uma grama verde escura e árvores grandes. Há um grande portão no centro, com um lado para pedestres e um para veículos, com uma cabine vigiada e cancela. Entro junto com muitos jovens, mas saio do fluxo ao me dirigir a entrada do prédio menor.

Quando entro, fico de frente para uma pequena mesa de madeira, onde uma secretária morena de meia idade está de cabeça baixa fazendo anotações em uma agenda. Vejo uma escada do fim do cômodo, e duas portas de madeira fechadas, uma em cada lado da parede. Fico ali de pé e ela não me percebe. Forço minha garganta uma vez e a moça me olha rapidamente, seus olhos diminuindo atrás do óculos ao mostrar um sorriso simpático.

- Posso ajudar?

- Bom dia. Eu poderia falar com o diretor?

- Qual seria o assunto?

- Eu acabei de chegar. Fui transferido de River pra cá.

- Ah, sim. Qual é o seu nome? Deve estar na lista - diz e começa a folhear a agenda.

- Guilherme Buhan.

Ela passa o dedo indicador pela folha até localizar meu nome e balança a cabeça em confirmação.

- Tem um horário pra você, Guilherme. Mas é só mais tarde, e junto com seus pais.

- Sei... - Concordo com a cabeça mesmo não sabendo de nada. Meus pais parecem querer controlar todos os meus movimentos até aqui. - Mas houve um imprevisto de trabalho e eu vim sozinho. Posso falar com ele assim mesmo?

- Aguarde um minutinho, vou falar com o diretor.

Ela se levanta e se dirige à porta na parede direita. Reparo em seu cabelo castanho preso num coque baixo, uma roupa profissional fechada na cor marrom, inclusive com uma gravata. Tudo aqui é tão diferente; mesmo sendo a mesma faculdade lá em River, as pessoas não têm esse cuidado de parecerem profissionais dispostos. A secretária toca apenas uma vez na porta e entra após a voz do diretor ecoar até aqui. Ela fecha a porta e eu fico aqui fora esperando, de braços cruzados olhando pra baixo, apenas ouvindo os sons dos estudantes passando lá fora. Não sei se eles conhecem as coisas da metrópole, como eu também não conheço nada de Petros. Será que vou conseguir me adaptar?

- Guilherme? - Olho na direção que ouço a voz da secretária. Ela está parada ao lado da porta, apontando para dentro da sala com um braço. - Pode entrar, ele vai te receber.

Agradeço e entro na sala. A sala é escura, têm duas janelas enormes ao fundo tampadas por uma cortina em cor vinho. No chão repousa um longo tapete fofo, escuro e estampado abstratamente. Um quadro com a pintura do fundador da universidade fica no centro da parede, um pouco acima da mesa e da cadeira do diretor. Há duas estantes altas e largas nas duas extremidades da sala, com muitos livros de diversos tamanhos e cores. Enquanto estou parado em choque com essa grandeza, a secretária do lado de fora fecha a porta. Então o diretor vem até mim. Ele é baixo, careca, tem poucos cabelos grisalhos somente na lateral da cabeça, é branco, olhos verdes escuros, usa um terno marrom com uma gravata vinho e sapatos escuros bem engraxados, além de um óculos grande e redondo. Ele parece estar propositalmente combinando com sua sala.

- Bem vindo, Guilherme! - ele diz e aperta minha mão. Sua voz é mais fina do que eu esperava. - Pensei que só vinham mais tarde.

- É... Como eu disse, meus pais têm muitas coisas para resolver.

- Entendo perfeitamente. Mas você já é maior de idade, então pode assinar você mesmo. - Ele aponta para uma cadeira na frente de sua mesa. - Sente-se, vamos começar. Tenho uma reunião em meia hora.

O diretor Edward começa me dizendo as regras de conduta da universidade, que são basicamente as mesmas lá de River. Aqui, porém, eles parecem ser mais ligados aos pais e à família do estudante... Era tudo o que eu não queria. Prosseguindo, sobre a faculdade de Medicina, eles são rigorosos sobre a escolha dos alunos, se baseiam em notas e observações da escola anterior. Ele aproveita para elogiar meus "modos", dizendo que esse lugar é adequado pra mim e eu pra cá.

Ele me explica sobre os horários, e pede para que eu monte o meu o mais rápido possível. Eu pergunto se não posso utilizar a mesma ordem da minha outra cidade, ele confirma, e monto o horário ali em sua frente. O diretor me dá algumas folhas de papel grampeadas juntas, e pede para que eu leia quando tiver tempo. É o contrato e tudo o que ele conversou comigo aqui agora está escrito ali. Por último, ele me pede que assine duas vezes em uma outra papelada que fica com ele.

- Parabéns, agora sim você é aluno na nossa universidade em Petros.

- Obrigado.

- Quando você acha que começará a vir para as aulas? Já está tudo certo? - pergunta.

- Acho que venho amanhã. Ainda tenho que achar um lugar pra ficar e arrumar minhas coisas. Mas não quero perder mais aulas, então...

- Um lugar pra ficar? - Ele me olha por cima do óculos e levanta uma sobrancelha.

- É! Talvez alugar um apartamento ou um quartinho por aí... Vim aqui primeiro, então ainda estou sem lugar nenhum.

- Você não pode fazer isso - diz sério, mas eu não entendo.

- Perdão?!

- Quando seus pais transferiram a matrícula, eles adicionaram o dormitório para sua estadia. Nossa universidade tem quartos para quem mora longe, e eles estão pagando a mais por isso. Você vai morar aqui, meu jovem.

Essa informação me causa um pânico inicial, mas estou tão surpreso que mal consigo reagir.

- Espera. Eles fizeram o quê?

Antes de responder, o diretor se levanta da sua cadeira, vai até a janela e abre um lado das cortinas. Em seguida, aponta para um prédio pequeno de três andares do outro lado da rua, de fachada branca que tem apenas janelas fechadas que ficam viradas para a rua.

- Lá nós temos cerca de trinta quartos para estudantes que vêm de longe. Todos fazem um cadastro e um teste, o mesmo que seus pais fizeram por telefone e você foi aprovado. Não te contaram?

- Não, não me contaram! - Minha voz sai com raiva. - Eu não vou ficar ali.

- Você não tem muita escolha, seus pais já pagaram o resto do semestre adiantado e eu repassei o dinheiro.

- Tá, mas eu não pedi por isso. E eu não quero ficar lá!

- Não é tão ruim assim, Guilherme. É pequeno, mas o seu quarto ainda é individual.

- Pequeno?

- Você vai gostar.

- Eu não vou. Meus pais só estão fazendo isso para me controlar até de longe, eles querem que eu aprenda alguma lição de moral.

Vamos passar essa.

- Bom, eu sinto muito que você despreze nosso dormitório antes mesmo de conhecê-lo, mas mesmo assim não posso contrariar seus pais. São as regras.

- Fala sério... - bufo e passo a mão pelo rosto. Começo a sentir uma raiva que nunca senti antes.

- Só há uma exceção para que você seja liberado do dormitório, já que está tão longe de casa...

Eu o olho rapidamente

- Qual?

- Estudantes que já passaram da metade do curso podem se juntar ao internato no hospital universitário no centro da cidade. Você ganha pontos extras em todas as matérias, recebe remuneração em dinheiro e fica livre do dormitório, já que teoricamente você recebe uma quantia para pagar um lugar para ficar.

- Mas eu já tenho dinheiro para pagar um lugar pra mim! Isso é da conta de vocês?

- Não é o que seus pais disseram, Guilherme. Pela última vez, não posso desobedecê-los, e se você não aceitar essa condição, vou achar melhor entrarmos em contato com seus pais.

- Não, não, isso não. - Olho para fora da janela, vendo aquele prédio sombrio e escondido, que não tem nada a ver com o resto da cidade tão viva que eu estava começando a conhecer. - Eu preciso de um tempo. Ainda vou ver o que fazer.

- Pense bem.

*

Eu não sei como vou fazer isso. Eu tento adiar as partes mais responsáveis do curso o máximo que eu posso, e seria muito irresponsável eu ir pro internato em qualquer hospital daqui só para escapar daquele dormitório. Eu não posso aceitar isso, não sou um cara que faz qualquer coisa só para ter o que quer. Eu respeito as outras pessoas e o esforço delas. Não vou aceitar isso. Mas aquele dormitório vai tirar de mim o único suspiro de liberdade que eu pensei que teria... É frustrante demais.

Enquanto desço a rua para voltar à praça que estacionei meu carro, penso no que fiz para merecer pais assim. Eu sempre fui o filho perfeito, eu faço todas as coisas que não quero para mostrar minha gratidão a eles, mas eles na verdade só me apertam mais. Minha mãe disse que era pra eu vir até aqui para esperar meu pai esfriar a cabeça, sendo que eles já pagaram o tal dormitório para o resto do semestre todo. Por que ela mentiu pra mim também? Ou ela não sabia? Quando penso que pelo menos nela posso confiar, vejo que não posso ter tanta certeza assim.

Quando chego à praça, entro em meu carro e dirijo subindo a rua e, na altura da universidade, viro à direita. No final da rua, vejo o tal do dormitório. É um prédio fechado com uma cancela guardada por um segurança uniformizado. Há outros carros estacionados no espaço de fora, e vejo que não há nenhum tipo de capricho em sua construção. Paro o carro um pouco antes da cancela, e o segurança vem andando até minha direção.

Eu lhe mostro o documento da faculdade e assim posso prosseguir. Estaciono em um canto qualquer. Pego minhas bolsas e me dirijo à porta. Uso a chave para abrir a primeira porta, a única no lado de fora. Ao entrar, vejo os três andares através dos espaços dos degraus de uma enorme escada com voltas e mais voltas, como um labirinto. Minha chave tem o número vinte e cinco. Respiro fundo e subo dois lances de escada. Aqui reina um silêncio, eu presumo que estão todos em aula agora.

Termino de subir as escadas e fico de frente para o quarto vinte e cinco. Abro a porta com a chave e me deparo com o lugar mais apavorante que já estive: o quarto é minúsculo e escuro, não há nenhuma entrada de ar nem luz. Tem apenas uma cama de solteiro, uma escrivaninha com uma cadeira, abajur e uma outra porta no canto, que eu vejo ser um banheiro também pequeno e simples.

Apoio minhas bolsas sobre o colchão forrado na cama, e fico olhando ao meu redor. Não há janela, esse lugar é abafado e sufocante. Deve ser para combinar com a minha vida. Mas fico incrédulo e com muita, muita raiva. Eu me recuso a ficar aqui. Eu nem mesmo tenho um móvel decente para guardar minhas roupas!

Olho para todos os cantos desse quarto, pensando no que fazer. Nada vem à minha mente raivosa e exausta.

Nesse silêncio, o som do toque do meu celular começa a soar de repente e parece ecoar por todas essas paredes frias, umas dez vezes mais alto que o normal. Pego o celular e vejo um número não registrado com o código de River. Deixei meu número apenas para minha mãe, e atendo a ligação na esperança de ser ela.

- Alô?!.

- Guilherme! Meu filho, graças a Deus! - Sua voz fina enche meus ouvidos, e percebo-a respirar fundo. - O que aconteceu? Estamos doidos atrás de você. Onde você está, o que houve com seu celular?

- Eu tô nessa merda de dormitório que vocês pagaram pra mim na faculdade, mãe!

- O quê? - ela pergunta meio incrédula mas parece que ela mesma encontra a resposta. - Você viajou sozinho?

- Não precisa fingir que se importa.

- Guilherme! - ela exclama. - Filho, nós estamos preocupados com você. Você sumiu do nada, graças aos céus que encontrei esse número no closet.

- Não acredito que nem sobre o dormitório a senhora me contou!

- Você assinou o contrato sozinho, foi isso? - minha mãe pergunta com a voz mais calma.

- Foi.

- Guilherme, eu não sabia sobre o dormitório, seu pai me contou ontem quando saímos. Mas se você quer saber, eu acho ótimo para a sua segurança.

Eu rio com ironia.

- Com certeza vou ficar bem seguro dentro de um caixão, porque aqui eu vou é morrer sufocado.

- Gui, não piore as coisas só para elas ficarem favoráveis pra você. Isso é o melhor pros seus estudos.

- Estou arrependido de ter deixado meu contato com a senhora. Pensei que estava do meu lado.

- Filho, nós somos uma família, não há lado nenhum.

- Pense como quiser. Vou dar um jeito de sumir com esse número também. Quem sabe eu também fuja daqui. Estou cansado dessas mentiras.

- Eu não estou te reconhecendo. Não faça nenhuma besteira, está ouvindo? Eu volto a te ligar quando estiver mais calmo.

- Não sei quando será. - Desligo a ligação antes que ela tenha tempo para responder. Ela acabou de pedir para eu não fazer nenhuma besteira, mas é tudo o que tenho vontade de fazer agora.

                         

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