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- Além disso - disse num sussurro, alisando meus cabelos revoltos pelo vento -, nós ainda não desistimos, não é? Devolvi o sorriso. - Não. Tomou minha mão, en ando-a carinhosamente na dobra do braço, e voltamo-nos na direção de nossa hospedaria. - Pronta para uma nova tentativa? - Sim. Por que não? - Caminhamos a passos largos, de mãos dadas, em direção à Gereside Road. Foi a visão de Baragh Mhor, a pedra do povo picto que se ergue na esquina, que me fez lembrar de outro monumento antigo. - Eu me esqueci! - exclamei. - Tenho algo impressionante para lhe mostrar.
- Frank abaixou os olhos para mim e puxou-me mais para junto de si. Apertou minha mão. - Eu também - disse, rindo. - Você pode me mostrar o seu amanhã. No entanto, quando o amanhã chegou, tínhamos outras coisas para fazer. Eu me esquecera de que havíamos planejado uma viagem de um dia ao Great Glen, o extenso vale do lago Ness. Era uma longa viagem através do vale e saímos bem cedo, antes do nascer do sol. Depois da corrida no amanhecer gelado para o carro que nos aguardava, era reconfortante relaxar sob a manta que cobria nossas pernas e sentir o calor retornando aos pés e às mãos. Com ele, veio uma deliciosa sonolência e senti-me adormecer tranquilamente no ombro de Frank, a cabeça do motorista em silhueta contra o céu vermelho da aurora sendo a minha última visão consciente. Já passava das nove horas quando chegamos e o guia que Frank contratara nos aguardava na beira do lago com um pequeno barco. - Se estiver de acordo, senhor, pensei em darmos uma pequena volta no lago até o Castelo Urquhart. Talvez possamos fazer um lanche lá, antes de continuar. - O guia, um homenzinho austero, vestindo uma camisa de algodão e calças de sarja surradas, guardou um cesto de piquenique cuidadosamente sob o banco e me ofereceu a mão calejada para me ajudar a descer para o fundo do barco. Era um lindo dia, com a orescente vegetação das margens íngremes re etindo-se nebulosamente na superfície ondulada do lago. Nosso guia, apesar do ar severo, era comunicativo e bem informado, apontando ilhas, castelos e ruínas que ladeavam o lago longo e estreito. - Lá está. Aquele é o Castelo Urquhart. - Apontou para uma muralha lisa de pedra, pouco visível entre as árvores. - Ou o que restou dele. Foi amaldiçoado pelas bruxas do vale e presenciou uma desgraça atrás da outra. Contou-nos a história de Mary Grant, lha do senhor do Castelo Urquhart, e de seu amante, Donald Donn, poeta e lho de MacDonald de Bohuntin. Proibidos de se encontrar por causa da objeção do pai dela aos hábitos de Donald de "surrupiar" qualquer cabeça de gado que encontrasse (uma pro ssão antiga e honrada das Terras Altas, segundo nos assegurou o guia), eles se encontravam mesmo assim. O pai cou sabendo, Donald foi atraído para um falso local de encontro e capturado. Condenado à morte, suplicou para ser decapitado como um cavalheiro, em vez de enforcado como um criminoso. Seu pedido foi atendido e o jovem se dirigiu ao cadafalso repetindo "O Diabo se apossará do Senhor de Grant e Donald Donn não será enforcado". Não foi e a lenda diz que, quando sua cabeça decapitada rolou do cadafalso, ela falou, dizendo: "Mary, levante a minha cabeça." Estremeci e Frank passou o braço ao meu redor. - Resta um trecho de um de seus poemas - disse serenamente. - De Donald Donn. Diz o seguinte: "Amanhã deverei estar numa colina, sem a cabeça. Não tem compaixão de minha triste donzela, Minha Mary, de cabelos louros e olhos meigos?" Segurei sua mão e apertei-a de leve. À medida que as histórias de traição, assassinato e violência eram recontadas, parecia que o lago fazia jus à sua sinistra reputação. - E o monstro? - perguntei, espreitando pela beirada do barco as profundezas sombrias. Parecia perfeitamente adequado àquele cenário. Nosso guia deu de ombros e cuspiu na água. - Bem, o lago é estranho, quanto a isso não resta dúvida. Há histórias, é verdade, de algo antigo e maligno que um dia viveu nas profundezas do lago. Sacrifícios foram feitos a ele. Vacas, e às vezes até mesmo criancinhas, lançadas às águas em cestos de vime. - Cuspiu outra vez. - E alguns dizem que o lago não tem fundo. Tem um buraco no centro mais profundo do que qualquer outro na Escócia. Por outro lado - os olhos enrugados do guia apertaram-se um pouco mais -, houve uma família aqui de Lancashire há alguns anos que foi correndo à delegacia em Invermoriston, gritando que havia visto o monstro sair da água e se esconder no meio das samambaias. Disseram que era uma terrível criatura, coberta de pelos vermelhos e chifres assustadores, e mastigava alguma coisa, com o sangue escorrendo da boca. - Ergueu uma das mãos, estancando minha exclamação horrorizada. - O policial que mandaram para investigar voltou e disse que, bem, exceto pelo sangue gotejante, era uma descrição bem precisa - fez uma pausa para causar impacto -, de uma bela vaca das Terras Altas, ruminando samambaias! Seguimos de barco até a metade do lago antes de desembarcar para um lanche tardio. Encontramos o carro lá e voltamos nele pelo vale, não vendo nada mais sinistro do que uma raposa vermelha na estrada, que nos olhou espantada, com um pequeno animal pendendo frouxamente de suas mandíbulas, quando viramos uma curva em grande velocidade. Ela saltou para a beira da estrada e fugiu, rápida como uma sombra. Já estava bem tarde quando nalmente cambaleamos pelo caminho de entrada da pousada, mas permanecemos agarrados um ao outro na soleira da porta enquanto Frank tateava os bolsos em busca da chave, ainda rindo dos acontecimentos do dia. Somente quando já nos despíamos para ir dormir é que eu me lembrei de mencionar o círculo de pedras em miniatura, em Craigh na Dun. Seu cansaço desapareceu instantaneamente. - Verdade? E você sabe onde ca? Que maravilha, Claire! - Ficou exultante e começou a remexer em sua mala. - O que está procurando? - O despertador - respondeu, retirando-o. - Para quê? - perguntei, espantada. - Quero me levantar bem cedo para vê-las. - Quem? - As bruxas. - Bruxas? Quem lhe disse que há bruxas? - O vigário - respondeu Frank, claramente divertindo-se com a história. - A governanta dele é uma das bruxas. Pensei na digna sra. Graham e torci o nariz com ar zombeteiro. - Não seja ridículo! - Bem, na verdade, não são bruxas. Existem bruxas por toda a Escócia há centenas de anos. Eram queimadas até quase o limiar do século XIX. Mas este grupo na verdade pretende ser de druidisas ou algo parecido. Não creio que seja realmente uma congregação de bruxas, quero dizer, não são adoradoras do diabo. Mas o vigário disse que há um grupo local que ainda observa rituais nos dias das antigas festas do sol. Ele não pode se dar ao luxo de se interessar muito por tais acontecimentos, sabe, por causa de sua posição, mas também é um homem curioso demais para ignorá-los completamente. Ele não sabia onde as cerimônias eram realizadas, mas se há um círculo de pedras próximo, deve ser lá. - Esfregou as mãos em expectativa. - Que sorte! Acordar uma vez de madrugada para se aventurar num passeio já é uma travessura. Duas vezes em dois dias cheira a masoquismo. Desta vez, nem sequer tínhamos um bom carro aquecido com mantas e garrafas térmicas. Segui Frank aos tropeções colina acima, dando topadas em raízes e pedras. Estava frio e enevoado, e en ei as mãos mais fundo nos bolsos do meu cardigã. Um último impulso no topo da colina e o monumento megalítico estava diante de nós, os blocos de pedra quase invisíveis na meia-luz que antecedia o alvorecer. Frank parou imóvel, fascinado, admirando-os, enquanto eu me deixava cair sobre uma rocha convenientemente situada, arfando. - Lindo - murmurou ele. E deslizou silenciosamente até a borda externa do círculo, a gura indistinta desaparecendo entre os vultos maiores das pedras. Lindas elas eram e muito estranhas também. Estremeci e não inteiramente por causa do frio. Se quem quer que as tenha erguido tinha a intenção de impressionar, sabia o que estava fazendo. Frank voltou num instante. - Ninguém aqui ainda - sussurrou de repente por trás de mim, fazendo-me dar um salto. - Venha, encontrei um lugar de onde podemos observar. A luz começava a subir do leste, apenas um matiz de cinza-claro no horizonte, mas o su ciente para impedir que eu tropeçasse enquanto Frank me conduzia por uma fresta que encontrara em alguns arbustos de amieiro perto do alto da trilha. Havia uma pequena clareira dentro do amontoado de arbustos, espaço apenas su ciente para carmos de pé, lado a lado. No entanto, a trilha era perfeitamente visível, assim como o interior do círculo de pedras, a não mais do que seis metros de distância. Não pela primeira vez, eu me perguntava que tipo de trabalho Frank realizara durante a guerra. Ele sem dúvida parecia saber se mover silenciosamente no escuro. Sonolenta como estava, só queria me enroscar sob um arbusto aconchegante e voltar a dormir. Entretanto, não havia lugar para isso e, assim, continuei de pé, espreitando a trilha íngreme em busca das druidisas que estavam para chegar. Estava cando com torcicolo e meus pés doíam, mas não deveria demorar muito mais; o o de luz a leste tornara-se rosa- claro e calculei que deveria faltar menos de meia hora para o raiar do dia. A primeira locomovia-se quase tão silenciosamente quanto Frank. Ouviu- se apenas um leve farfalhar quando seus pés deslocaram um cascalho perto do topo da colina e, em seguida, a cabeça grisalha bem penteada surgiu silenciosamente no campo de visão. A sra. Graham. Então, era verdade. A governanta do vigário estava adequadamente vestida com uma saia de tweed e um casaco de lã, carregando uma trouxa branca embaixo do braço. Desapareceu atrás de uma das pedras verticais, silenciosa como um fantasma. Elas chegaram bem rapidamente depois disso, sozinhas, em duas ou em três, com risinhos e sussurros contidos ao longo da trilha, mas que eram rapidamente silenciados quando avistavam o círculo. Reconheci algumas delas. Lá vinha a sra. Buchanan, a agente dos correios da vila, cabelos louros recentemente ondulados com permanente e o aroma de Evening in Paris desprendendo-se fortemente de seus cachos. Reprimi o riso. Então era assim uma druidisa moderna! Eram quinze ao todo, todas mulheres, variando em idade dos sessenta anos da sra. Graham a uma jovem de vinte e poucos anos, que eu vira empurrando um carrinho de bebê pelas lojas havia dois dias. Todas estavam vestidas para uma caminhada difícil, com trouxas embaixo do braço. Com um mínimo de conversa, desapareceram atrás das pedras ou de arbustos, emergindo de mãos vazias e braços nus, completamente vestidas de branco. Senti o aroma de sabão em pó quando uma delas roçou nosso aglomerado de arbustos e reconheci os trajes como lençóis, enrolados em torno do corpo e amarrados em um dos ombros. Reuniram-se fora do círculo de pedras, em uma la da mais velha para a mais nova, e caram paradas em silêncio, à espera. A luz no leste tornou-se mais forte. Quando o sol começou a subir lentamente no horizonte, a la de mulheres moveu-se, caminhando devagar entre duas das pedras. A líder levou-as diretamente para o centro do círculo e começaram a dar voltas, ainda movendo-se lentamente, majestosas como cisnes em uma procissão circular. De repente, a líder parou, ergueu os braços e deu um passo para o centro do círculo. Erguendo o rosto para o par de pedras mais a leste, deu um brado forte. Não foi um grito, mas su cientemente claro para ser ouvido em todo o círculo. A névoa imóvel captou as palavras e as fez ecoar, com se viessem de toda parte, das próprias pedras. Qualquer que tenha sido o brado, foi repetido pelas dançarinas. Porque agora eram dançarinas. Sem se tocar, mas mantendo os braços estendidos em direção umas das outras, elas balançavam-se e ziguezagueavam, ainda movendo-se em círculos. De repente, o círculo se dividiu ao meio. Sete das dançarinas passaram a se mover no sentido horário, ainda num movimento circular. As outras se moviam na direção oposta. Os dois semicírculos passavam um pelo outro a uma velocidade cada vez maior, às vezes formando um círculo completo, às vezes uma linha dupla. E, no centro, a líder mantinha-se imóvel, repetindo de vez em quando aquele brado triste e agudo, em uma língua há muito esquecida. Deveriam parecer ridículas e talvez fossem. Um bando de mulheres enroladas em lençóis, muitas delas corpulentas e desajeitadas, des lando em círculos no alto de uma colina. Mas os cabelos de minha nuca caram em pé ao som daquele grito. Pararam todas ao mesmo tempo e voltaram-se de frente para o sol, formando dois semicírculos, com um caminho perfeitamente de nido entre as duas metades do círculo assim formado. Conforme o sol subia no horizonte, sua luz uía entre as pedras do leste, estendia-se entre as metades do círculo e atingia a majestosa pedra dividida ao meio do outro lado do monumento. As dançarinas caram paradas por alguns instantes, paralisadas nas sombras de cada lado do raio de luz. Então a sra. Graham disse alguma coisa na mesma língua estranha, mas desta vez num tom de voz normal. Girou nos calcanhares e caminhou, empertigada, as ondas grisalhas dos cabelos brilhando ao sol, ao longo da faixa de luz. Sem uma palavra, as dançarinas seguiram-na. Passaram uma a uma pela fenda na pedra principal e desapareceram em silêncio. Ficamos agachados nos amieiros até as mulheres, agora rindo e conversando normalmente, recuperarem suas roupas e partirem em grupo colina abaixo, para tomar café na casa do vigário. - Meu Deus! - Estiquei-me, tentando desfazer a rigidez das minhas pernas e costas. - Que cena, hein? - Maravilhosa! - exclamou Frank, entusiasmado. - Eu não teria perdido isso por nada no mundo. - Deslizou como uma cobra para fora dos arbustos, deixando-me sozinha para me desvencilhar do mato, enquanto ele andava de um lado para outro no interior do círculo, o nariz voltado para o solo como um cão de caça. - O que está procurando? - perguntei. Entrei no círculo com alguma hesitação, mas o dia já nascera completamente e as pedras, embora ainda impressionantes, haviam perdido muito do ar ameaçador da penumbra do alvorecer. - Marcas - respondeu, arrastando-se de quatro, os olhos atentos à relva curta. - Como sabiam onde começar e onde parar? - Boa pergunta. Eu não estou vendo nada. - Lançando um olhar ao solo, entretanto, o que realmente vi foi uma planta interessante que crescia na base de uma das pedras verticais. Miosótis? Não, provavelmente não. Eram ores de um azul-escuro com centros cor de laranja. Intrigada, comecei a caminhar em direção a ela. Frank, com a audição mais aguçada do que a minha, cou de pé num salto e agarrou meu braço, tirando-me apressadamente do círculo um segundo antes de uma das dançarinas da manhã surgir do outro lado. Era a srta. Grant, a mulher gorducha que, tendo em vista sua gura, administrava a confeitaria da High Street na cidade. Olhou à sua volta apertando os olhos, depois remexeu no bolso à procura dos óculos. Pendurando-os no nariz, deu uma volta pelo círculo, nalmente lançando-se sobre a presilha de cabelo que havia perdido e pela qual voltara. Tendo recolocado-a no lugar em suas mechas grossas e brilhantes, não parecia com nenhuma pressa de retornar ao trabalho. Em vez disso, sentou-se em uma rocha, recostou-se em uma das pedras gigantes em clima de camaradagem e acendeu um cigarro. Frank deu um suspiro abafado de exasperação a meu lado. - Bem - disse, resignado -, é melhor irmos. Ela pode car lá sentada pelo resto da manhã, ao que parece. E não vi nenhuma marca óbvia, de qualquer modo. - Talvez possamos voltar mais tarde - sugeri, ainda curiosa com a trepadeira de ores azuis. - Sim, está bem. - Mas ele obviamente havia perdido o interesse no círculo em si, estando agora absorto nos detalhes da cerimônia. Interrogou- me implacavelmente no caminho de volta, incitando-me a lembrar o mais detalhadamente possível as palavras exatas dos brados e o compasso da dança. - Escandinavo - disse nalmente, com satisfação. - As raízes das palavras são do escandinavo antigo, tenho quase certeza. Mas a dança - balançou a cabeça, ponderando. Não, a dança é muito mais antiga. Não que não existam danças vikings em círculo - disse, erguendo as sobrancelhas com ar de censura, como se eu tivesse sugerido isso. - Mas aquela mudança de lugar com a leira dupla, isso é... hummm, é como... bem, alguns dos desenhos nas cerâmicas dos Beakers, mostram um padrão parecido, mas por outro lado... hummm. Entrou em um de seus transes eruditos, murmurando para si mesmo de vez em quando. O transe foi quebrado somente quando tropeçou inesperadamente em um obstáculo perto da base do monte. Lançou os braços no ar com um grito de surpresa quando tropeçou e rolou desajeitadamente pelos últimos metros da trilha, indo parar numa moita de erva-cicutária. Disparei ladeira abaixo atrás dele, mas encontrei-o já sentado entre os ramos trêmulos da planta quando consegui chegar ao sopé da colina. - Você está bem? - perguntei, embora pudesse ver que estava. - Acho que sim. - Passou a mão, aturdido, pela testa, alisando os cabelos escuros para trás. - Em que foi que eu tropecei? - Nisto. - Ergui uma lata de sardinha, descartada por algum visitante anterior. - Uma das ameaças da civilização. - Ah. - Pegou-a da minha mão, olhou seu interior, depois a atirou por cima do ombro. - Pena que está vazia. Estou com fome depois desta excursão. Vamos ver o que a sra. Baird pode arranjar para um café da manhã tardio? - Vamos - concordei, arrumando as últimas mechas de cabelo para ele. - Mas, em vez disso, podemos almoçar cedo. - Nossos olhos se encontraram. - Ah - repetiu, num tom completamente diferente. Passou a mão lentamente pelo meu braço e pelo lado do meu pescoço, o polegar tocando delicadamente o lóbulo da minha orelha. - Podemos, sim. - Se você não estiver com muita fome - falei. A outra mão deslizou para as minhas costas. Com a mão espalmada, pressionou-me gentilmente contra ele, os dedos descendo cada vez mais. Sua boca abriu-se ligeiramente e ele respirou, bem de leve, pela gola do meu vestido, seu hálito morno fazendo cócegas nos meus seios. Deitou-me cuidadosamente na grama, as ores da erva-cicutária parecendo plumas utuando no ar em volta da minha cabeça. Inclinou-se e beijou-me, devagar, e continuou me beijando enquanto desabotoava minha blusa, um botão de cada vez, provocando, parando para en ar a mão dentro do meu vestido e brincar com os bicos enrijecidos dos meus seios. Finalmente, quei com o vestido aberto do pescoço à cintura. - Ah - disse mais uma vez, num tom diferente. - Como veludo branco. - Sua voz era rouca e seus cabelos haviam caído para a frente outra vez, mas ele não fez nenhuma tentativa de arrumá-los para trás. Soltou o fecho do meu sutiã com um e ciente toque do polegar e inclinou-se para prestar uma hábil homenagem aos meus seios. Depois recuou e, segurando meus seios com as duas mãos, juntou as palmas lentamente até se encontrarem entre as duas protuberâncias e, sem parar, afastou-as novamente, traçando a linha das minhas costelas para trás. Para cima outra vez, para baixo e ao redor, até eu gemer e curvar-me para ele. Mergulhou os lábios nos meus e apertou-me contra seu corpo, até nossos quadris encaixarem-se perfeitamente. Inclinou a cabeça para mim, mordendo de leve o lóbulo da minha orelha. A mão que acariciava minhas costas desceu cada vez mais, parando repentinamente, surpreso. Tateou de novo, depois Frank ergueu a cabeça e olhou para mim, rindo. - O que é isso? - perguntou, imitando um policial da vila. - Ou melhor, o que não é isso? - Estou sempre preparada - respondi, afetadamente. - As enfermeiras aprendem a se antecipar às contingências. - Realmente, Claire - murmurou, deslizando a mão por baixo da minha saia e subindo pela coxa até o calor macio e desprotegido entre minhas pernas -, você é a pessoa mais terrivelmente prática que já conheci. Frank surgiu por trás de mim quando estava sentada na sala de visitas naquela noite, com um grande livro aberto no colo. - O que está fazendo? - perguntou. As mãos descansaram delicadamente sobre meus ombros. - Procurando aquela planta - respondi, colocando o dedo entre as páginas para marcar o lugar. - A que vi no círculo de pedras. Veja... - Abri o livro. - Poderia estar nas Campanulaceae ou nas Gentianaceae, nas Polemoniaceae, nas Boraginaceae. Esta é bem provável, eu acho, miosótis, mas poderia até mesmo ser uma variante desta, a Anemone patens. - Apontei para a ilustração colorida de uma pulsatila. - Não acho que seja uma genciana de qualquer espécie; as pétalas não eram bem redondas, mas... - Bem, por que não volta lá e pega uma amostra? - sugeriu. - O sr. Crook poderia lhe emprestar seu calhambeque, talvez, ou... Não, tenho uma ideia melhor. Peça o carro da sra. Baird emprestado, é mais seguro. É uma caminhada curta da estrada ao sopé da colina. - E depois mais ou menos mil metros de subida até o topo - disse. - Por que está tão interessado nessa planta? - Girei o corpo para olhar para ele. O abajur da sala contornava sua cabeça com uma na linha dourada, como a gravura medieval de um santo. - Não é na planta que estou interessado. Mas se você for até lá de qualquer modo, gostaria que desse uma olhada pelo lado de fora do círculo. - Tudo bem - respondi, prestativa. - Para procurar o quê? - Vestígios de fogo - disse ele. - Em tudo que pude ler sobre Beltane, o fogo é sempre mencionado nos rituais, mas as mulheres que vimos hoje de manhã não o usaram. Imagino se talvez não tenham acendido o fogo de Beltane na noite anterior, depois voltado de manhã para a dança. Embora, historicamente, fossem os rebanhos de gado que deveriam acender o fogo. Não havia nenhum sinal de fogueira no interior do círculo - acrescentou. - Mas viemos embora antes de eu pensar em veri car a parte de fora. - Está bem - concordei novamente, bocejando. O fato de acordar cedo dois dias seguidos estava cobrando sua dívida. Fechei o livro e me levantei. - Desde que eu não tenha que me levantar antes das nove. Na verdade, eram quase onze horas quando cheguei ao círculo de pedras. Chuviscava e eu estava inteiramente molhada, não tendo pensado em levar uma capa. Fiz um exame super cial do lado de fora do círculo, mas se alguma vez houve uma fogueira ali, alguém se dera ao trabalho de remover todos os vestígios. A planta foi mais fácil de encontrar. Estava onde eu me lembrava de tê-la visto, junto à base da pedra vertical mais alta. Peguei várias amostras da trepadeira e guardei-as provisoriamente no meu lenço, pretendendo lidar com elas adequadamente quando voltasse ao minúsculo carro da sra. Baird, onde deixara as pesadas prensas. A pedra mais alta do círculo era fendida, com uma ssura vertical dividindo-a em duas partes enormes. Estranhamente, as duas partes haviam sido afastadas de algum modo. Embora fosse possível ver que as duas superfícies de frente uma para a outra se encaixavam, estavam separadas por uma brecha de quase um metro. Havia um zumbido profundo vindo de algum lugar bem próximo. Imaginei que deveria haver uma colmeia alojada em algum nicho da rocha e coloquei a mão sobre a pedra, a m de inclinar-me para dentro da fenda. A pedra soltou um grito. Recuei o mais depressa que pude, tão depressa que tropecei na relva curta e caí sentada com toda a força. Fitei a pedra, espantada, suando. Nunca ouvira um som semelhante de nenhum ser vivo. Não é possível descrevê-lo, exceto dizer que era o tipo de grito que se poderia esperar de uma pedra. Era horrível. As outras pedras começaram a gritar. Ouvi sons de batalha, os gritos de homens morrendo e cavalos feridos. Balancei a cabeça violentamente para clareá-la, mas o barulho continuou. Levantei-me aos tropeções e cambaleei em direção à margem do círculo. Os sons estavam por todo lado à minha volta, fazendo meus dentes doerem e minha cabeça girar. Minha visão começou a car turva. Não sei agora se caminhei em direção à fenda na pedra principal ou se isso foi acidental, um deslocamento cego pelo nevoeiro de barulho. Certa vez, viajando à noite, adormeci no banco do carona de um carro em movimento, embalada pelo barulho e pelo deslocamento, até a ilusão de uma serena ausência de peso. O motorista do carro entrou numa ponte a uma velocidade alta demais e perdeu o controle do carro. Acordei do meu sonho de estar utuando direto no clarão de faróis e na sensação nauseante de estar caindo em alta velocidade. Essa transição brusca é o mais próximo que posso chegar para descrever a sensação que experimentei, mas ainda deixa muito a desejar. Poderia dizer que meu campo de visão contraiu-se a um único ponto escuro, depois desapareceu completamente, sem deixar nenhuma escuridão, mas apenas um brilhante vazio. Poderia dizer que senti como se estivesse girando ou como se estivesse sendo virada do avesso. Tudo isso é verdade, mas nenhuma dessas comparações transmite a sensação que tive de total perturbação, de estar sendo atirada com força contra alguma coisa que não estava lá. A verdade é que nada se movia, nada mudava, nada parecia acontecer e, ainda assim, eu experimentava uma sensação de terror tão grande que perdi completamente a noção de quem ou o quê eu era, de onde me encontrava. Estava no âmago do caos e nenhuma força física ou mental era útil contra isso. Não conseguiria dizer realmente se perdi a consciência, mas sem dúvida não tive noção de mim mesma durante algum tempo. "Acordei", se essa for a palavra, quando tropecei numa pedra perto da base do monte. Praticamente resvalei pelos poucos metros restantes e acabei num espesso tufo de capim ao pé da colina. Estava enjoada e tonta. Arrastei-me até um aglomerado de carvalhos novos e apoiei-me contra um deles para me equilibrar. Havia uma gritaria confusa perto dali, que me fez lembrar dos sons que eu ouvira – e sentira – no círculo de pedras. Não havia, entretanto, o tom estridente de violência inumana. Aquele era o som normal de con ito humano e eu segui em sua direção.