Capítulo 2 O inferno é aqui querida!

Passei o mais rápido possível para o outro lado da rua, tentando não atrair nenhum tipo de atenção para minha pessoa. Mas como a vida sabe me pregar peças, apenas escutei a voz da minha prima Sofia no meio dos garotos desdenhosa: - Eiii gata borralheira, onde você está indo com tanta pressa?

Senti o sangue ferver, odiava esse apelido ridículo e mais ainda o fato de que meu conto de fadas favorito estava sendo usado pra me atormentar.

Revirei os olhos, mantive o passo firme e segui meu caminho.. Mas óbvio que Sofia não ia me deixar ir embora sem cutucar a ferida. - Falei com você querida, ficou surda igual a sua mãe que não sabe quando vir te buscar da NOSSA casa?

- Sua casa? A casa da MINHA MÃE E DO MEU PAI, aquela que você e sua mãe moram de favor né Sofia? Mas cá entre nós, a gente sabe bem que a burrice é de família quando se trata de você! - Sai batendo o pé, antes que qualquer assunto surgisse pra me deixar com mais raiva ainda. Não consegui ouvir os gritos exasperados da loira idiota atrás de mim porque coloquei meus fones de ouvido e segui meu caminho, já sabendo que quando chegasse em casa eu ia escutar muita asneira da minha tia porque com certeza Sofia ia se fazer de vítima.

Cheguei no trabalho, onde Vanda já me olhou de canto, sabendo bem que hoje o dia não deveria ter sido nada bom pra mim. Me deu uma piscadela e eu só ergui os ombros. Não valia a pena entrar no assunto de sempre.

Logo, os clientes mais assíduos da cafeteria começaram a ocupar seus devidos lugares. E sempre eram os mesmos, pode acreditar nisso. O senhor Follmman na mesa 4, esperando um café passado e uma torrada com ovos. A senhora Melanie, cheia de seus anéis incrivelmente coloridos na mesa 7, esperando um cappuccino gelado com dois donuts sabor caramelo. Mário, um brasileiro bem humorado, escritor, que se mudou pra cá pra tentar a vida, na mesa 2, com seu café preto já servido e finalmente, Rudolph, um senhorzinho gentil, que todos os dias me dava 5 dólares de gorjeta, mesmo sem comer nada.

Era um dia comum, simples e sem muito mistério, aqueles dias pacatos na cidadezinha mais tranquila que poderia se ter seria aqui, em Sunshine Flower. Não era um local com muito turismo, nem com tanto a se fazer, mas era maravilhoso morar aqui. Pequena, rústica, alegre e perfeita pra uma zé ninguém como eu.

Estava tudo bem, até a porta da cafeteria se abrir e Sophia aparecer com os amigos. Eu sabia que ela estava ali só pra desdenhar e encher o meu saco, porque era mais fácil ver ela no drive thru lotado de adolescentes, do que aqui. Só que hoje, eu não estava pensando em levar muito desaforo pra casa, pois já ia chegar em casa ouvindo coisas ruins pela discussão mais cedo, então peguei a caderneta, e segui para a mesa das dela para fazer o pedido.

- Pessoal, digam oi pra minha prima, que vai ser a nossa garçonete de hoje. Ahhh e claro, todos os outros dias da vida dela também né hahahaha.

Haviam algumas meninas que estudavam na mesma escola que eu, junto de Sophia, mas isso não as impediu de rir junto com a piranha sem noção, como eu e Érica chamávamos em segredo a minha prima.

Olhei pra todas como se não tivesse escutado o que Sophia falou e disse:

- Boa tarde, o que vão querer para hoje?

Sophia, sem perder a postura, disse:

- Só estamos de passagem querida, aqui não tem muita coisa pra gente comer que seja do nosso nível. é tudo simples demais, só passei aqui pra te deixar ciente que a casa precisa de limpeza pra que eu possa receber minhas colegas de estudo essa semana.

Ouvir aquilo me deixou bem chateada, afinal, Vanda fazia o melhor Petit gateou da cidade e, sem exagerar, um cappuccino gelado dos deuses.

- Tá certo Sophia, o drive thru, pra você ficar se jogando em cima dos carinhas ricos de New Raibown deve ser o melhor lugar pra caçar um marido e você sumir da cidade como você tanto quer não é?

Ela me encarou incrédula que eu tivesse coragem o suficiente pra enfrentá-la na frente dos amigos, enquanto eu girava sob meus calcanhares e saía de sua visão.

Vi que os amigos dela levantaram e estavam prestes a sair, pelo canto de olho, quando ela grita pra todo mundo escutar:

- Espero que não tenha esquecido seu lugar gata borralheira. Viver de favor na casa dos outros não é nada gratificante.

Com isso, saiu pela porta gargalhando enquanto seus amigos riam junto dela. Sinceramente, não conseguia acreditar que uma pessoa como ela tinha amigos, insuportável, falsa e sem noção de nada na vida. Eu com meus 17 anos, quase 18 completos, sabia que por mais que eu não fosse linda como ela, era bem mais inteligente. Mas como Sophia sempre dizia, "nerds, não são o ponto forte de Sunshine flower"

Voltei ao que eu estava fazendo, e me preparei para ir para trás do balcão, para lavar a louça suja, quando o Henry entrou pela porta lateral.

Ahhh aquele garoto era lindo, e eu tinha uma paixonite do tamanho de um precipício por ele. Uma pena que eu era invisível pra ele, mesmo perguntando todos os dias sobre alguma coisa na aula pra ele me notar. Vanda já sabia da minha paixonite e me empurrou pra fora da pia pra ir atender a mesa.

Cheguei tropeçando em algo invisível e pedi sem olhar pra cima o que eles gostariam de pedir.

Henry olhou pra mim e me disse: - o mesmo de sempre Megan, e por favor, canela extra, dando aquela piscada fenomenal, com seus cílios fenomenais. Esse garoto poderia ser capa de uma revista caramba. Ele era perfeito demais!

Servi a mesa deles, e me preparei para terminar meu turno. Voltei para trás do balcão, peguei minha mochila, meus fones, dei tchau pra Vanda e segui pra casa.

Já eram 19h00 e já estava começando a escurecer. Quando coloquei os pés na sala de casa, o caos estava instaurado. Aquela casa estava uma zona, e óbvio que isso foi obra de Sophia, tudo jogado, calçados, almofadas, copos, pratos, chão sujo. Nossa! Como uma pessoa com cara de anjo conseguia ser um perfeito demônio quando queira?

Soltei um sonoro "inferno!" e comecei a juntar as coisas espalhadas. Não deu um segundo minha tia chega na sala e diz grossa:

- Como você ousa intimidar a Sophia na frente dos amigos dela? Ela me contou tudo menina, não quero nem saber como, mas você vai pedir desculpas pra ela depois que limpar essa bagunça que você fez antes de sair. E antes que eu esqueça, o inferno, é aqui mesmo, querida!

Saiu pisando duro escada acima, me deixando sozinha. Enquanto ela subia, lágrima teimosas queriam descer pelo meu rosto, mas eu as deti. Nunca, elas iriam me ver chorar, nunca elas iriam me ver sofrer por elas, jamais! Eu ia chorar escondida depois, no banho, ou no meu quarto.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022