– Talvez seja marca de um perfume ou sei lá. – disse Vínia tentando não ignorar a amiga. – É só o nome do iate, aposto que uma daquelas palavras tiradas em textos antigos de lendas de tesouros e piratas.
– É... pode ser. – recuou Fly, mas algo nela insistia que aquela palavra já tinha sido ouvida ou lida por ela em algum lugar, isso a deixava um pouco inquieta.
Os pensamentos de Fly foram interrompidos pela voz do marinheiro que anunciava a aproximação à Erha:
– A ham! Tripulantes, se voltarem os vossos olhos ao lado norte da nossa tripulação, vão conseguir ver um grande volume de terra e uma massa verde, amarela, vermelha e laranja, estamos a apenas 01h da ilha, preparem-se para o desembarque.
As meninas olharam e ficaram impressionadas com o jogo de cores que se podia ver ao longe, aquilo parecia um davinci naturalmente colorido e completamente inviolado, Erha era realmente uma ilha magnífica, como dissera o senhor que lhes deu os panfletos para aqui chegarem, muito mais bonita do que as palavras dele tentaram descrever.
Pouco depois de uma hora, o iate atracou num pier improvisado na praia da ilha. Marx foi a primeira a colocar os pés na ilha, o que desencadeou algum tipo de explosão de memórias nela e a fez desmaiar.
Enquanto estava inconsciente, Marx teve um sonho no qual ela conversava com um cavalheiro que a impressionava à cada palavra que proferia. O cavalheiro falou-lhe de um lugar onde as árvores eram milenares e as flores ganhavam vida, um lugar simplesmente paradisíaco. Não muito tempo depois ela despertou.
Logo que ela abriu os olhos percebeu que estava parada, segurando suas malas enquanto as suas amigas faziam o mesmo e despediam-se do marinheiro, que logo zarpou. Era como se o desmaio, o sonho, tudo tivesse acontecido apenas na cabeça dela. Ela preferiu não tocar no assunto, não queria estragar tudo.
Não demorou muito para que Vínia exibisse o seu talento no levantamento de um acampamento bem organizado, usando as tendas que trouxeram, Vínia orientou suas amigas a levantarem suas tendas em baixo de uma árvore com as folhas e os ramos formando uma daquelas abóbadas que só se vê em mesquitas e edifícios árabes. A árvore encontrava-se à apenas alguns metros da praia, o que era bastante estratégico. O plano era passar a noite ali, no dia seguinte apreciariam um pouco mais a paisagem enquanto tentariam encontrar os habitantes daquele pequeno paraíso.
– Amanhã logo cedo vamos adentrar mais a ilha, quem sabe encontremos lá a família do Mack. – As palavras de Vínia soaram estranhas para todas ali, inclusive para ela mesma que não sabia de onde lhe surgiu a ideia de que a família do Mack morava naquela ilha, mas tinha a certeza de ter obtido a informação em algum lugar.
– Como assim a família do Mack? – Perguntou Marx completamente atónita e ao mesmo tempo apavorada, as suas memórias iam ficando mais claras, tanto que as seguintes palavras se passaram por sua cabeça:
"Sim, por acaso é lá onde fica o meu lar, minha família".
– Você ficou pálida de repente, o que foi Marx? – A pergunta de Vínia devolveu Marx ao solo.
– Eu acho que sei onde você obteve essa informação. – Marx falava num tom sério e preocupado. – Faz já algum tempo que me aparecem memórias ou sonhos, não sei direito, de alguém conversando comigo sobre um lugar bonito ao norte da nossa cidade, Vínia, nós viajamos até aqui sempre ao norte e a pessoa disse que a família dela era daqui, eu acho que a tal pessoa é o Mack, são a mesma pessoa, o seu comentário só me deixa mais certa disso. O Mack nos trouxe até aqui.
As palavras de Marx foram terrivelmente reveladoras para Vínia, cuja mente infestou-se de memórias de dois dias antes das férias, lembrou nitidamente da conversa que manteve com cavalheiro que ela chamava de Macky, lembrou-se do mesmo sugerir que ela e as amigas visitassem a Ilha Erha. Nada fazia sentido, como Mack, sempre desajeitado, estava tão bem apresentável naquele dia, como ele apareceu justamente quando planejavam as férias? Como ele sabia que queriam algo mais exótico? Quanto mais pensavam, menos sentido tudo aquilo fazia e mais sinistro ficava.
As duas logo se levantaram em busca da Fly que havia saído para explorar o lugar com uma lanterna, visto que o véu da noite já cobria o céu completamente despido de estrelas e lua.
Enquanto as amigas a procuravam, Fly mergulhou no coração da pequena ilha, onde encontrou formas de vida arbórea simplesmente colossais e magníficas, as pétalas das flores brilhavam com luz própria e balançavam ao ritmo de um vento que não existia. A sua lanterna falhou por apenas alguns segundos, mas logo voltou a iluminar, quando ela apontou a lanterna para as árvores, Fly percebeu que os espaços entre elas haviam diminuído significativamente e elas pareciam aproximar-se dela:
– Paranóia da minha cabeça – pensou Fly enquanto dava a volta para retornar ao acampamento.
Logo que voltou, deparou-se com a imagem mais sinistra que podia imaginar, as árvores ganharam feições humanas, os ramos na zona mediana do caule estendiam-se como braços que procuram agarrar alguma coisa e as suas raízes deslizavam no solo, fazendo as árvores tentar alcançar Fly, que instintivamente soltou um grito prontamente abafado pelo ar que era freneticamente inspirado por ela. Ela correu ofegante, mas as árvores já a haviam cercado e se aproximavam dela, entoando um estranho cântico:
Zaren, remir, norma sonil Zaren, Remir e Sonil
Patre serasi golorim Pais da terra das árvores
Der-mil kabhack, inu serasi omare As terras de Der-mil kabhack nos deram vida
Satrus, satrus ilis, satrus manil Família, família original, família de poder
igzim meora, igzim meora satrus Louvem alegres, louvem alegres a família
Aquela canção suscitou memórias em Fly, ela lembrou de Mack, do álbum vazio que ele carregava frequentemente e das palavras na sua capa, as mesmas palavras que ela agora ouvia naquela canção: igzim meora satrus. Fly sentiu mãos frias e sem vida tocando os seus pés, ela tropeçou, voltou-se para ver o que a agarrava e viu uma árvore envelhecida pelo tempo, olhando para ela com um rosto acusatória e enojado. A sua lanterna foi completamente engolida pela marcha das árvores e agora, no escuro, Fly tinha certeza de que viajar para ali foi um erro, maquinações malígnas levaram ela e suas amigas para uma morte certa e atormentadora. Ela perdeu completamente os sentidos, a última memória que teve foi de uma árvore com feições matriarcais irromper dentre as outras árvores e carregá-la gentilmente em seus braços, enquanto repreendia as outras árvores vivas.
Marx e Vínia encontraram Fly encostada na raiz de uma grande árvore, rodeada de flores brilhantes e coloridas. A noite já ia muito densa e apenas as lanternas de Vínia e Marx iluminavam o lugar, auxiliadas pelas estranhas flores brilhantes.
– Não acredito, ela some para tranquilamente se deitar numa árvore com flores sua volta? – Marx não conteve a indignação.
– Isso não importa vamos acordá-la, rápido, ela precisa saber que algo bem estranho está acontecendo com nossas cabeças, com este lugar.
– Fly, Fly, Fly!!! Acorda, nós precisamos sair daqui, alguma coisa não me cheira bem neste lugar, amanhã logo cedo nós vamos embora. Vocês não acham estranho termos montado acampamento e até agora não ter aparecido nenhuma alma viva sequer? – Vínia, sempre descontraída, agora assumia uma postura séria e vigilante.
Depois de algumas palmadas Fly finalmente acordou:
– Como eu vim aqui parar?
– Sério? Você saiu do acampamento e decidiu dar um pequeno passeio sozinha, onde está a sua lanterna? – Marx parecia um pouco irritada.
– Não sei, não me lembro muito do tempo depois de ter deixado o acampamento. O que você estava dizendo sobre sair daqui?
– Não fui eu mulher, foi a Vínia, o quão desorientada você está? – Marx falava agora um pouco mais relaxada.
– Não sei Marx, não me lembro.
– Andem, sejam rápidas, precisamos dormir, conversaremos amanhã com ela Marx, por hoje vamos simplesmente deixá-la descansar. – disse Vínia estugando o passo e liderando o grupo.
Quando chegaram ao acampamento, cada uma entrou na sua tenda e extinguiram as lanternas. Fly logo pegou no sono, seguida de Marx. Vínia ficou acordada por mais algum tempo, teve a sensação de que as suas memórias e as das amigas estavam sob influência de alguma coisa, mas logo se distraiu de tal pensamento e adormeceu.
Continua...
#Dark & James Nungo