Deixo a caixa na mesa de centro ao perceber a luz do corredor acesa. Ando até a cozinha, pego duas taças e vou até a pequena adega na cozinha em busca do vinho que compramos em nossa viagem à Itália. Era seu vinho favorito, e ele prometeu guardá-lo para nosso aniversário. A confusão se instala em mim ao perceber que a garrafa não estava na adega.
- Eu poderia jurar... – Escuto a risada de Otto e sua voz abafada, o que impossibilita entender sua fala.
Devolvo as taças ao armário, e o sentimento de confusão invade meu corpo ao ver uma bolsa Prada na bancada da cozinha.
Tiro meu salto e o deixo na sala, as risadas maliciosas de Otto estão mais altas.
Não podia ser... eu devia estar errada. Pedia aos céus para estar errada.
Ando até o corredor e vejo suas roupas espalhadas por ele, com saltos vermelhos, um vestido de lantejoulas vermelhas e lingerie de renda da mesma cor.
Meu coração acelera, e o estado de negação invade meu ser. Logo, sendo destruído ao ouvir um gemido feminino.
A porta do nosso quarto estava aberta. Posso ver em cima da cômoda duas taças e a garrafa de vinho vazia caída no chão. Abro um pouco a porta e sinto meu coração acelerar ao ver um corpo feminino em cima do corpo de Otto, que a olhava com desejo. Suas mãos estavam em seu quadril, e a mulher apoiava suas mãos nos peitos de Otto.
Os cachos ruivos balançavam no ritmo de seus movimentos.
Recuo assustada e cubro minha boca, tremendo. Um nó se forma na minha garganta, e as lágrimas caem pelos meus olhos.
- Ester, my dear, você é uma delícia. – Otto geme entre um suspiro.
Ester? Minha melhor amiga? Não pode ser!
O nojo invade meu corpo com a revolta. Empurro a porta e o ódio cresce em mim assim que Ester me olha sem se surpreender.
- Sua vagabunda! – Grito pulando em cima do seu corpo.
Com a força do impacto, caímos da cama, e sua cabeça bate no chão. Soco seu rosto com força, fazendo seu nariz sangrar. Seguro os cachos ruivos de Ester com força quando suas unhas cortam meu pescoço. Bato sua cabeça no pé na cama, e a escuto gritar por socorro.
- Sua cadela russa desgraçada! Como pode fazer isso comigo? Confiei em você, sua puta imunda! Como pode fazer isso com sua melhor amiga? – Grito com a voz rouca, dando diversos tapas em seu rosto.
Lágrimas caem pelas minhas bochechas, soco seu rosto e grito com fúria ao ouvir o som do seu nariz quebrar.
Braços fortes me puxam do chão, forçando-me a levantar.
Ester corre para fora do quarto, e eu me debato nos braços de Otto. Soco seus testículos com toda a força do meu corpo, e ele cai gemendo de dor.
- Seu rato! Você disse que me amava! Você disse que nunca iria me magoar, me prometeu que ia me fazer feliz, você prometeu! – Grito estapeando seu corpo.
Suas mãos seguram com força as minhas, e com fúria, eu grito.
- Se acalma, my angel. – Ele fala calmamente enquanto segura meus pulsos.
"My angel," o apelido carinhoso que antes me fazia sorrir, agora me dava nojo. Mordo sua mão forte quando ela passa pelo meu rosto, a fazendo sangrar. Soco seu rosto com toda a minha força, e ele grita, tapando seu nariz com as mãos, o mesmo esguichava sangue.
- Agora chega! – Ele grita e me dá um tapa forte no rosto, me deixando aérea.
Otto me joga contra a parede, fazendo minha cabeça bater forte e rachar o gesso.
Antes que sua mão me acerte um soco, desvio e pego a garrafa, quebro a garrafa de vinho, aponto para Otto com o objetivo possivelmente fatal.
- Sai da minha casa, seu maldito! Eu vou te matar, seu desgraçado! Pega sua puta e sai da minha vida! – Grito sentindo meus braços tremerem.
Otto arregala os olhos, e eu o ameaço com a garrafa. O loiro levanta as mãos em sinal de rendição e ri.
- Eu nunca te suportei, Anna. Você é apenas uma vadia mimada. Você não é tão gostosa quanto pensa. E quer saber de uma coisa? – Ele gargalha ao ver minha expressão. – Eu te traí, sim, eu sempre te traí, nunca fui fiel. Fiquei com todas as suas amigas, todas as modelos da agência, menos a francesa idiota da Priscila, aquela é difícil... Pelo menos mais difícil que você, que na primeira cantada estava na minha cama! My angel.
Corro em sua direção, e ele me empurra com facilidade e ri, negando com a cabeça.
- Sempre surtada... Um dos motivos de odiar você. – Ele diz me olhando sarcástico.
Acordo suando frio e olho para a janela aberta. Ainda era noite, os grilos cantavam.
Não acredito que tive esse sonho de novo. Passo as mãos no rosto e sinto a vergonha crescer. Abraço minhas pernas ao lembrar como deixei as emoções guiarem minhas ações.
A sensação de ser um fracasso invade meu corpo. Sempre demonstrei ser uma mulher segura de si, da qual não se deixava abalar por opiniões e comportamentos cruéis, mas a verdade era que eu, como qualquer pessoa, tinha minhas inseguranças e medos.
Em todos os relacionamentos amorosos que tive, minhas inseguranças foram ativadas por gatilhos; gatilhos criados pelos meus companheiros, coisas das quais eles sabiam que abalariam minha autoestima e criavam ansiedade.
Era como se eles gostassem de me ver surtar, e ver o sofrimento me corroer.
"Você precisa crescer." "Conviva com isso!" "Não irei mudar por conta do seu drama."
Frases como essas eram sempre ouvidas por mim. Era como se cada namorado meu seguisse o mesmo roteiro de canalhice.
Então, mudei. Fingi que não me afetava, passei por toda a turbulência com um sorriso no rosto, enquanto minha alma chorava.
Sabe o quão devastador é ver seu namorado dando em cima das suas colegas de trabalho e falar que você era inferior a elas? Depois que ele te vê cair em lágrimas, vem com o papo de que era apenas brincadeira e de que você não tem senso de humor.
É devastador ele sempre ficar relembrando suas ex-namoradas, contando histórias, comparando vocês. Mesmo sabendo que isso fazia sua ansiedade e perfeccionismo piorarem.
Lentamente, fui me acostumando com migalhas emocionais, com os restos que me ofereciam. Era como se eu só merecesse isso, a miséria emocional.
E então, você começa a perder a alegria, para de se comunicar com as pessoas, apenas se afunda em distrações como a bebida e o trabalho, qualquer coisa para preencher o buraco de sua alma.
Meu último relacionamento foi devastador, conseguiu ser o pior de todos, ainda conseguiu me destruir totalmente.
Perdi meu orgulho, destruiu minha autoestima, piorou minha ansiedade e me fez ser muito crítica comigo mesma. Nunca tive o perfeccionismo tão em alta, era como se eu estivesse tentando recompensar todas as falhas apontadas pelo meu ex, como se eu tentasse ser a melhor mulher que pudesse existir.
Ficar nesse quarto está me fazendo sentir muitas emoções das quais ando fugindo.
Resolvo dar uma volta, sair desse ambiente nostálgico e ir esfriar a cabeça.
Vou até a garagem, pego a chave do meu antigo Jeep. Quando me mudei para o Rio de Janeiro, acabei deixando-o sem uso. Ross sempre fazia a manutenção nele, e Rick o usava em emergências de seu emprego ou quando ia ao lago com Oliver. Pelo menos assim meu amado carro não ficava parado, ele foi o primeiro bem que comprei com meu emprego como modelo.
Frequentava concursos desde os seis anos, aos dez eu já era modelo fotográfica, aos doze eu já desfilava, e aos quatorze fazia comerciais e pequenas aparições em filmes e novelas como figurante ou convidada especial.
Foi aos dezesseis que minha carreira ficou realmente conhecida internacionalmente. Empresas de fora dos Estados Unidos me contratavam para estrelar suas campanhas publicitárias e aparecer em seus eventos. Algo que me proporcionou aprender diversos idiomas e conhecer lugares.
Comprei meu primeiro carro nesse mesmo ano, quando ganhei uma boa grana em minha temporada na Europa. Embora pudesse escolher entre qualquer carro minimamente luxuoso, sempre fui apaixonada por Jeep.
Passo a mão no volante do carro e sorrio ao vir memórias em minha mente.
Ligo o carro e saio da propriedade da família Harris Taylor.
Ouvindo o som do vento em meu ouvido, dirijo em alta velocidade pela estrada de pedra. A paz invade meu corpo ao sentir o frio da noite em meus pulmões.
Sabia onde devia ir, ao meu lugar, onde eu tinha paz.
Dirijo durante poucos minutos até que vejo um enorme rio a poucos metros de distância.
Paro o carro na beira da estrada e sigo a trilha em passos calmos. Os sons dos grilos fazem meu corpo relaxar. O som da queda d'água da cachoeira proporciona alívio em minha mente ansiosa.