O estalo foi como espocar algo dentro do meu ouvido, mas nem mesmo me tremi quanto a isso. Estava muito bem habituado a sons de tiros, e saber que posso aprimorar disparos é um treinamento muito bem-vindo.
Eliakim sempre se virava para me encarar nos olhos quando falava comigo, ao contrário do líder, que até aquele momento não sabia qual era dele. Sempre misterioso, sempre desconfiado, mas algo que apenas eu notava que ele escondia por toda aquela seriedade e escárnio.
- Como você pode bem ver, esse é o estande da família.
- Meu lugar preferido. – Caju diz dando uma arqueada travessa nas sobrancelhas. Ignoro facilmente.
- Para um guarda costas, o mínimo é saber ter uma boa mira. – Eliakim volta a falar, cortando a fala desnecessária do amigo.
Pow
Nem piscamos.
E para completar, uma academia muito bem instalada de equipamentos, Caju para na minha frente, me surpreendendo pela postura ao dar seus esclarecimentos.
- Você também precisa sempre estar a par a sua forma e condicionamento físico. – então não resiste em curvar aqueles lábios malditos. – ou nunca vai escapar da minha vingança.
Desvio para olhar ao redor, como se não desse importância.
- Espero que durma de olhos abertos. – o doido continua mirando em minha direção e então solto um riso pela língua. Eliakim só faz se virar e continuar a andar, dando a deixa para seguirmos ele. Então acelero um pouco os passos para andar do seu lado, esbarrando nos ombros de Caju.
- Eu bem que gostaria de repetir as pauladas.
Caju gargalha como um maluco.
O elevador, era como um vidro de uísque. Me sentia dentro de estrelas cujas cores se limitavam ao dourado. Lembrava muito bares ricos.
Os tiros poderiam não me surpreender, mas não poderia deixar de me deslumbrar por aquele brilho.
- A gente tem uma regra. Não podemos ficar fora por muito tempo, uma vez que entra para a família, é como ter pais novos pra quem deve sempre dar permissão.
Fecho os olhos nesse momento, respirando fundo.
Esse comentário foi totalmente desnecessário, mas eles não se importavam com meu incomodo.
Viro a cara para trás, direto para Eliakim.
- E se eu quiser espairecer de tanto ver a cara do Caju?
As paredes e teto eram um verdadeiro jogo de vidros, alternando entre o dourado, marrom avermelhado e azul turquesa esverdeado, entrando em uma sala onde se encontravam outros sangues de luz.
O reflexo dessas luzem batiam em seus rostos como pinceladas de tinta.
No centro da sala havia uma estátua totalmente negra de uma ave enorme. Erguia uma das asas como se quisesse rasgar a cara de alguém e sua boca estava aberta como se quisesse rugir ferozmente.
- Devemos sempre respeitar o símbolo, o símbolo da garra e da autoridade.
Deixo bem evidente meu suspiro exasperado, arrancando vários olhares em minha direção.
- Igual uma família mesmo, autoritária e exigindo respeito pelo bradar.
- Sua língua está muito afiada pra quem acabou de entrar, novato. – diz Caju.
- Hum. Gosta de cortes profundos. – digo, dessa vez encarando desafiadoramente em seus olhos. – To começando a desconfiar que você gosta mesmo de apanhar. – então dou dois tapinhas em seu rosto. E parece que, de alguma forma, esse foi o gatilho para seus olhos esbugalharem e ele querer me dar um soco, mas desvio passando por debaixo de seu braço e já metendo um tapão na nuca dele, pra ele sentir mais raiva e se sentir mais humilhado.
Eu não esperava que Eliakim fosse bradar Um "Ei" como se fosse pra chamar minha atenção. Eu parei rapidamente comprimindo uma risada.
Então ouço um clique. E isso silencia mais ainda o ambiente.
- Eu sei bem como você se comportava como um animal lá fora, mas isso vai mudar aqui. – diz uma voz, e demoro um pouco para reconhecer aquelas vibrações, confirmando ao me virar, me deparando com Gabriel.
Uma ruga autoritária se firmava em seus olhos, boca se fechando como se acabasse de abri-la num rugido e o braço esticado na minha direção como na grande ave no centro do salão.
Por um momento, mas bem pequeno, penso em tirar aquela arma de sua mão.
E isso atiça em mim depois de passar a paralisia da vibração de sua voz através de meu corpo, como se uma ave gigante tivesse dando esse efeito.
Quando tento investir meu ato, ele, num ato de raiva, chuta meu estômago e minha bunda desliza pelo chão, humilhado.
E lá de baixo, vejo todos os garotos mirando suas armas pra mim, dessa vez para terem certeza de que eu não vou investir mais nenhum movimento.
Todos contornados pelo teto de luzes quadrados de uísque.
E, finalmente, ergo minhas mãos em rendição, comprimindo um riso.
E foi como ver uma grande onda atravessar todos os seus corpos, me fornecendo uma visão de distorção de suas forças por uma onda.
Foi o chefe deles, de cabelos grandes e enrolados, aqueles ombros quadrados tomando espaço por entre os soldados do sangue de luz.
E eu sabia, naquele momento que aquele homem poderia também ser um sangue de luz.
Talvez o primeiro originado pela família.
E aquilo faz retornar em meus pensamentos do que sou feito, e como surgi nesta vida.
- Além de respeitar o símbolo da família, - diz, mirando os olhos em mim, e enfiando as mãos nos bolsos afastando o casco, olhando para Gabriel. – também valorizamos a paz entre os integrantes da família.
- Sem brigas, sem discórdias. Uns protegendo os outros. – completa Gabriel, que encarava o rosto de todos, enquanto estes tentavam não se manter cabisbaixos e eu encarava diretamente nos olhos daquele cara.
Pelo menos entendi naquele momento que Gabriel parecia ser exemplo do grupo.
- Não podemos transformar a luz vermelha em luz do caos. – profere Eliakim.
A vareta de peruca olha de um para o outro, assentindo como se concordasse, então para mim. E sinto seu olhar para mim como se fosse mais convidativo.
- Este ambiente não é uma favela. – grita, com seus olhos em mim, e mesmo sem um sorriso em meu rosto, sinto ele desmanchar. Aquilo me atingiu. Todos escutam em silêncio. – Se irá participar desta família de agora em diante, espero que nunca mais esqueça as regras que seus colegas lhe passaram.
Dessa vez, nenhum membro meu teima em respondê-lo. Se eu abrisse a boca, meu beiço tremeria. O silencio e a estagnação do meu sangue eram meu único suporte.
Como um alivio para meus membros, ele tira os olhos de mim e passa pelos outros garotos, como se perguntasse visualmente se havia deixado tudo claro.
- Voltem para suas missões. – ele ordena, eu me levanto desorientado, e no segundo seguinte, passos soam em várias direções, mas seu pescoço toma uma única, para mim.
- Enquanto você, - ele diz isso e passa pela minha frente, me fazendo virar o pescoço e destravando meu calcanhar logo em seguido.
A vista de seus ombros quadrados e os cabelos ondulados molhados ocupavam minha visão, parecia nem que ele estava se dirigindo a mim mais.
Um espaço estava posicionado em um guarda roupa marrom avermelhado e a polidez brilhava pela luz projetado acima. Na frente do espelho, tinha um homem de cavanhaque, com os braços erguidos enquanto um senhor fazia suas medidas.
- Em nossa família, todos sempre andam vestidos sob medida.
- E se resistir a um tiro...
- O que? – o interrompo pelo susto daquela frase.
- Após muitos perderem a vida para não levar um, há uma enfermaria disposta 24 horas. - então vira o rosto para mim um momento. - do jeito que você está disposto 24 horas, 7 dias por semana. - engulo em seco. Ele não perdia a oportunidade de jogar na cara o peso de meus atos e falas - Pra isso serve a família.
Então ele segue pelo corredor. Eu posso definir até mesmo o som de nossos passos como polido. Ritmados, agradáveis e sem riscos à poluição sonora.
- E se eu morrer, todos morrem.
A luz não machucava meus olhos. Dentro dos abajures, se limitavam como tinta nas paredes, projetando nelas e delas para o ambiente. Tudo bem trabalhado, bem organizado.
Imaculável.
Como a luz.
Me despeço dele após um breve turismo pela casa infinita como um universos, entro finalmente no quarto que seria meu novo lar.
Entrei naquele quarto sem esbanjar surpresa nenhuma, mas admitindo num leve arquear de sobrancelhas. Era estiloso, paredes metade forrada de madeira e outra num branco leitoso, e luzes nas laterais do teto. O sofá cinza e baixo com quadro acima que pela visão periférica parecia uma arte abstrata, mas depois vi que se tratava de fotos e imagens de projeteis grampeadas em um quadro.
O que me chamou atenção também era o travesseiro amarroado e jogado num canto do sofá e uma mesa cinza um pouco arrastada do centro. Além de uma mesa de escritório logo a frente da porta com papeis espalhados.
Um balcão separava essa sala de uma cozinha bem sofisticada, em que o cinza transitava para o marrom. Um retângulo azul claro estava pendurado bem em cima.
Onde poderia haver imagens de uma obra de arte ou familiares estavam armas. Uma fileira de armas, armas jogadas no ar, como se pessoas pulassem, e perto de uma porta na cozinha, uma arma rosa e uma preta entrecruzando seus canos, me fazendo imaginar um curioso enlace amoroso.
Solto um riso.
- Armas enrustidas. – digo para mim mesmo, me virando ao ouvir um barulho e me deparar com os dois garotos que deixaram o sangue de luz de capuz roxo fugir.
Como as duas armas, ambos estavam com os braços envolto do ombro do outro, sorrindo bem perto, enquanto saiam do barulho pingando com toalhas rosa e outra preta saindo da cintura.
O garoto de olhos puxados com longas tranças encostou sua testa na do outro e empurrando até me ver e seu sorriso sumir. Ele parou com o parceiro parando logo atrás.
Ergui o dedo, num gesto confuso, para ele.
- Deixa eu adivinhar, você é arma rosa e ele a preta.
O rapaz negro arqueou uma das sobrancelhas e eu deixei um riso áspero sair.