Ergui o olhar pra ele e depois para o seu parceiro.
- Eu imagino. – digo de boca cheia.
O rapaz negro limpou a garganta quando voltei atenção para o meu prato. Não sabia que eu tava com tanta fome.
- Meu nome é Mathias. – disse os olhos puxados ao inclinar o rosto com um sorriso muito gentil. Eu acharia que o outro não repetiria o ato, mas quando voltei o rosto para ele, puxava um sutil sorriso também.
- Anthony.
Apenas joguei uma erguida de queixo.
- Patrício.
Quase como num gesto desconfiado, mas divertido, Mathias puxou um pouco rosto para o lado, o que fazia seus olhos puxados mais engraçados.
- Fiquei sabendo que você enfrentou Gabriel e Caju no salão dos sangue de luz.
Anthony também esperou mais alguma resposta, interessado no ocorrido.
- Pena que perderam... ou nem tanto.
Ambos ficarem sem jeito, desviando os olhos de mim. E soltei um riso nasal.
- Pelo que entendemos, você será o responsável por proteger a filha do chefe.
Mastiguei a comida em silêncio, cortando mais um pedaço de almôndega e enfiando na boca, sem encarar eles.
- E vocês?
- Eu e Mathias cuidamos da irmã mais nova. – Mathias olha para o parceiro, com um sorriso muito deslumbrado. – É uma garota incrível.
Franzo as sobrancelhas.
- Quem diria que aquela fedelha não fosse a mais nova. Desde o momento em que bati os olhos nela, agindo como a última patricinha do mundo. – mastiguei um pouco mais e engoli. – mas com uma arma.
- Ham, ham. – interrompeu Anthony, se enfiando na conversa. Apoiou os cotovelos na mesa e se inclinou pra perto. – Há três filhas na família sangue de luz. Senhorita Letícia, Senhorita Luiza e senhorita Lavina.
- Hum, nem da Mafia as crianças escapam dessa mania dos nomes com as mesmas iniciais. Mas e a garotinha de vocês, é tão nojenta quanto Letícia?
Anthony franziu o nariz, já Mathias piscou os olhos, mas puxando um sorriso logo em seguida. Talvez não gostaram nem um pouco do meu comentário para a protegida deles.
- Não é não. – disse Mathias.
Dei uma arqueada nas sobrancelhas, achando legal.
- É pior. – soltou Anthony, se entregando a uma risada, enquanto o parceiro jogava um olhar de aviso. – Ah qual é. Ela é mesmo. Letícia é apenas uma garota nojenta qualquer e muito idiota que se acha a última patricinha do mundo com uma arma. Mas Luiza é como um pequeno demônio que veio pra este mundo e escolheu Mathias para amar e despertar um pequeno lado bondoso.
Rio levemente.
- Meu Deus, Anthony, não precisa disso. Ela gosta de você também.
Anthony aproximou o rosto e apontou para a bochecha do outro.
- Ela gosta de mim, porque gosto de você.
Mathias desviou os olhos para a comida rapidamente e enfiou algo na boca. Antony abaixou a cabeça soltando um riso, balançando a cabeça. Piscou para mim e eu sorri enquanto mastigava.
- Ei, encrenqueiro.
Olhamos para além do balcão e lá estava Eliakim segurando um saco dentro de um cabide.
- Vista essa roupa e desça para que pegue as coisas que precisa.
Desviei os olhos para o casal, que me olharam simpatizantes. O macarrão estava a meio caminho de entrar na minha boca. Suspirei cansado, suguei ele todinho e me levantei da mesa.
Eu ainda tinha muitas perguntas, de qualquer forma.
...
- Ah, é brincadeira. Eu, um sangue de luz do morro, vou ser empregado de uma patricinha da máfia. – solto um riso de escarnio, sem acreditar. Vestia uma roupa mais formal, mas estava segurando uma bandeja de frente para um balcão em que prepararia uma bebida para minha protegida.
Inspiro e solto pesadamente, abrindo olhos cheio de ódio do inferno. Os abaixo para o abacate, e depois para a maionese e cerne do lado, me fazendo sorrir involuntariamente.
É de bebidas verde que gosta, chefinha? Então vou preparar com muito gosto para você. Que tal um pouco de maionese no abacate, he he he.
...
- Ai, quem é esse?
- É meu novo guarda-costas. Patrício. É um sangue de luz também.
Elas estavam pedindo conselho logo da caminhoneira. Aquele olharzinho de quem gosta de chupar uma laranja não me engana.
- Ta afim de experimentar o brilho dele? – ela sorriu, sacana como uma predadora. – Eu libero ele pra você.
Brilho?
Meu deus do céu, por que elas estavam falando de mim como se eu fosse uma serviçal virgem? Viro a cabeça para disfarçar.
A morena encosta o cotovelo no ombro da caminhoneira. E soltou uma voz sedutora como um vento refrescante.
- Peça para seu pai me arranjar uma serviçal pra mim também.
Será que entrei em alguma espécie de mundo invertido?
A caminhoneira se dirigiu para a mesa enquanto as outras duas oficiais caminhoneiras se explicavam com os sorrisos mais sacanas em seus rostos.
- Mas é claro que posso, um sangue de luz é o mesmo valor que toda a sua filial de prédios de construtora.
Depois de soltarem risadas irritantes que parecem ter adquirido com algum curso enganoso, se dirigem a mesa para continuar a tagarelar irritantemente.
A garota sorriu toda sacana e andou de forma metida até uma mesa com as amigas.
- Eu estava brincando, Rambita.
- Eu posso providenciar isso como o meu paizinho. Mas não vai ser de graça, Ram-bi-ta. – Leticia propôs enquanto enfiava uma fatia de maça verde na boca.
- Só ela, pode me chamar desse jeito. – disse a amiga, se referindo a namorada de cabelos platinados com um sorte muito semelhante aos anos oitenta. Ricos e seus estilos. A morena tirou os pés da amiga da mesa com seu leve toque. – E o que você quer? Já não tem tudo?
- Peça ao seu paizinho que quero expandir meus negócios na área dos Terroglos.
Ok, se ela é empresária, as coisas já mudam. Não me importaria de ter uma sugar Bossy.
- Hum. – Velma, a platinada, degustou também um pedaço da fruta. – Acho que você precisa falar diretamente com o pai da Rambita. Ele leva a sério demais seus negócios. Uma vez sem querer deixei meu cigarro cair de em seu pomar de maconha, e nunca mais vi minha moto novamente. Ninguém nunca questionou. – ela mirou um olhar falsamente magoado para a parceira.
Leticia soltou um risinho.
- Eu convenço ele como o deslizar de minha preciosa. – e corta outra maça facilmente com sua faca de articulação que sempre guarda em seu bolso.
- Meu deus, quanta patricinha acéfala. – murmurou Patrício.
As três ficaram em silêncio, virando seus rostos para onde acharam ter ouvido o insulto e descobrindo o rosto do novato.
Seu sorriso sem graça e seus olhos sacanas e fechadas deveriam por raiva, mas eram demais graciosos.
- O que disse, novato?
- Hã, ah, nada. Que estilista cega. Ela deu um uniforme mais parecido com um garçom que seu guarda costas. Beba sua suco ai, bebe.
As três trocaram olhares, como se de alguma forma trocassem uma mensagem entre si.
- Há, acho que está muito chato, isso, aqui. – disse Letícia, se virando, fingindo cara de pensativa e se levantando para pegar a arma na plataforma novamente. - Ei, favelado, você. Quando era guarda costas do morro, tinha boa mira, certo? Hum, o que sugere que eu acerte?
- Naquilo que mais come, meu pau. – digo, aliviando essas palavras da minha boca como uma boa mijada.
Ela sorriu, apontando com a arma.
- Pegue aquela maça.
A muito contragosto e suspirante, fiz o que ela pediu.
- Onde quer que eu coloque?
- No seu rabo.
Muito silencio antes delas rirem na altura de um coringa.
Ela balança a arma como se gesticulasse em direção a algo, mas não é tão claro e quando vislumbra meu desentendimento, completa respondendo.
- Na boca. Quero que morda.
Vinco ainda mais, mas a obedeço, encarando-a seriamente.
Naquele momento, com ela querendo mirar o alvo perto de mim, eu lembrei de quando uma forma foi mirada para os integrantes de sangue de luz quando fiz uma ameaça. A mesma coisa agora, ou era uma confiança cega ou então eles não se importavam em ferir gravemente, ou melhor, mortalmente seus integrantes.
Ela segurava a mira e o olhar em mim. Eu não sabia se ela estava pensando ou se concentrando no alvo perfeito.
Então ela estala o céu da boca, seguido de uma risada, e abaixa a arma.
- Não preciso dela, gosto de algo em movimento, você é o trevo, dizem que seus movimentos de capoeira despistam as balas, ofuscam sua direção, vamo ver se é verdade.
- Não é bem por isso que me chamam de trevo.
- Ah é, e por que então?
Fico em silêncio diante disso e os lábios dela curvam atiçando ainda mais minha raiva, mas não rebaixo minhas expressões, permanecendo com um rosto sério para ela.
- Senhorita Letícia. – Quem entra é Mathias, que nem mesmo olha na minha cara para dar o aviso, mas eu sei neste momento que o que quer que ele queira falar, foi para salvar minha pele. – Já está na hora de sua reunião com o senhor Crisdom.
O olhar dela congela neste momento, como se um rio de vinho virasse uma história, uma pista de patinar que um dia foi de navegar. Então ela some tudo com vapor quando desvia para ele, para minha curiosidade.
- Leve alguns sangue de luz para ficarem à espreita.
Eu estranho tudo aqui pra falar a verdade.
- E eu?
Ela se vira para mim e mais uma vez abre um sorriso brincalhão.
- Termine esse suco para mim em troca do tiro.
Sem tirar os olhos dela, aceito o copo de sua mão, virando todo como se desse um tiro na moça acima de minha cabeça, sem piscar, sem careta, e seus olhos presos em mim, paciente a procura de algo.
- Favelados nunca conseguem ganhar de um mafioso. – foi o que ela disse, antes de sair andando as pressas para sua missão.