Capítulo 4 Lunares

Mesmo após cem mil anos da lendária Batalha do Selamento, a paz jamais em Lunares. O sacrifício dos antigos Reis da Luz evitou a extinção do mundo, mas não foi capaz de unir as raças. Pelo contrário - com a queda das grandes lideranças e o esquecimento da verdadeira história, Lunares mergulhou em eras de conflito, destruição e desconfiança.

Poucos, quase ninguém, sabem ao certo o que aconteceu naqueles dias antigos. Os nomes dos Reis da Luz foram apagados pelo tempo, as ruínas da prisão esquecidas sob o véu da magia. Tudo virou lenda - e, em Lunares, lendas são mais perigosas do que verdades.

Das trevas que se seguiram, novos governantes surgiram. O mais temido entre eles é Vladimir, o atual Rei dos Vampiros. Uma figura sombria, de presença imponente e olhar que congela o sangue. Embora seu poder se estenda apenas sobre sua raça, seu nome é conhecido - e temido - por todas as criaturas. Vladimir comanda uma cidade subterrânea construída nas proximidades das ruínas do antigo castelo de Maginos Lúcidus. Seus súditos o veneram como se fosse uma divindade viva. Ele governa com mão de ferro e inteligência fria, e sua política é simples: o sangue certo é poder.

Enquanto isso, nas profundezas da Floresta dos Sussurros, os elfos permanecem isolados do restante do mundo. O seu rei, Ferons, é uma figura enigmática. Alguns dizem que não é mais um elfo, mas um espírito ancestral que caminha entre os planos. Nenhum ser vivo fora da floresta o vê há séculos. Seus domínios são protegidos por encantamentos tão antigos que até os magos temem cruzar suas fronteiras. Os elfos não interferem em nenhuma decisão do Reino de Lunares - mas sua ausência carrega um peso silencioso. Todos sabem: se Ferons sair da floresta, será porque algo terrível está prestes a acontecer.

Já os humanos que ainda vivem em Lunares são poucos. Eles formam um clã fechado de caçadores, sobreviventes teimosos da espécie mais vulnerável de todas. Vivem nas Montanhas Cinzentas, região hostil e quase inabitável. Seu líder, Samuel Assis, é um homem duro, disciplinado até o limite da crueldade. Alto, musculoso, com o rosto sempre coberto por cicatrizes de guerra, Samuel comanda sua aldeia com regras rígidas.

Lá, os meninos começam o treinamento aos cinco anos de idade. Lutar, caçar, sobreviver. Não há espaço para fraqueza. As mulheres, por sua vez, têm pouco ou nenhum valor além da procriação. São destinadas aos serviços domésticos e à criação de filhos - de preferência, homens. Samuel não tolera oposição. Os que discordam de suas ideias somem nas florestas ou morrem em "acidentes de treinamento". Ele acredita que o sangue humano puro é sagrado, e que sua linhagem carrega uma missão: vigiar o selo onde Maginos foi aprisionado - mesmo que já não saibam exatamente onde fica.

As fadas, por outro lado, são talvez as mais contraditórias das raças de Lunares. Donas de uma beleza celestial e magia vasta, vivem nas Colinas de Lírion, uma região fértil coberta por flores que nunca murcham. Sob o comando do Conselho das Altas Asas, um grupo de fadas anciãs, elas controlam seu território com rigidez absoluta. A punição para qualquer criatura que invada suas fronteiras - seja por acidente ou provocação - é sempre a mesma: morte instantânea.

São extremamente territoriais e ambiciosas. Apesar de não possuírem a força física dos lobisomens nem o poder bélico dos vampiros, compensam com inteligência estratégica e habilidades arcanas poderosas. Secretamente, sonham em expandir suas terras e subjugar outras raças. Algumas delas falam abertamente em restaurar um reino puro, apenas de seres mágicos, onde os "mortais inferiores", como os humanos, seriam completamente eliminados.

Quanto aos lobisomens, vivem espalhados por florestas frias e montanhas inóspitas. Divididos em alcateias, seguem suas próprias regras. São agressivos, indomáveis, brutais. Vivem para caçar, lutar, dominar. Não se preocupam com política nem diplomacia - apenas com força e território. Detestam os vampiros, com quem travam guerras sangrentas por séculos. Têm desprezo pelos humanos e consideram as fadas traiçoeiras. Seu líder, Kael Fenrir, é conhecido como o Alfa Sangrento. Dizem que, em noites de lua vermelha, ele mata com as próprias mãos qualquer um que desobedeça suas ordens. Para os lobisomens, a sobrevivência pertence ao mais forte - sempre.

E assim, Lunares permanece mergulhado em um ciclo de ódio, disputa e morte. Não há paz. Não há alianças duradouras. A única lei é a da espada, da garra ou da magia. E mesmo as criaturas mais antigas não se lembram mais de como era viver sem medo.

Mas algo está prestes a mudar.

Nos cantos esquecidos do mundo, rumores começaram a surgir. Sons estranhos ecoando das cavernas há muito seladas. Animais que fogem de certas regiões sem motivo aparente. Runas ancestrais que voltaram a brilhar depois de milênios apagadas. Um sussurro começa a circular entre aqueles que estudam as profecias antigas:

 "A última linhagem da virgem acordará. E, com ela, a prisão começará a ruir."

É claro que muitos não acreditam. Consideram apenas mitos para assustar aprendizes ou amedrontar crianças. Mas os mais velhos... os mais sábios... sabem que lendas nascem de verdades esquecidas.

Ninguém sabe ainda quem ela é. Onde está. Se é real. Mas a verdade é que algo - ou alguém - está alterando o equilíbrio de Lunares. O mundo sente. O vento mudou. A magia desperta. Até os sonhos têm deixado de ser seguros.

E quando ela for descoberta, nem mesmo o mais forte entre eles escapará.

Nem o Rei Vladimir.

Nem Ferons, o elfo oculto.

Nem Kael, o alfa de ferro.

Nem Samuel, com seus exércitos humanos.

Porque ela não pertence a nenhum deles.

E ela também não pertence ao mundo como é.

Ela é a ruptura.

Ela é o elo perdido entre luz e trevas.

E quando seu sangue tocar a terra de Lunares, o mundo jamais será o mesmo.