O outro mundo
img img O outro mundo img Capítulo 2 Resaca e sonhos
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Capítulo 6 Terra de ninguém img
Capítulo 7 O chamado para o abismo img
Capítulo 8 Presságio img
Capítulo 9 O retorno da praia img
Capítulo 10 Visão do fim img
Capítulo 11 Luz na escuridão img
Capítulo 12 Estrada de outro mundo img
Capítulo 13 A dívida da alcateia img
Capítulo 14 Chamas na floresta das flores img
Capítulo 15 Emboscada img
Capítulo 16 Ela é minha img
Capítulo 17 Meus amigos estão curados img
Capítulo 18 A humana que veio de longe img
Capítulo 19 Quero mandar meus amigos para casa img
Capítulo 20 A rainha da luz e Escuridão img
Capítulo 21 O portal img
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Capítulo 2 Resaca e sonhos

Acordo com o corpo suado e o coração acelerado. Estou completamente molhada - mais uma vez. O mesmo sonho. O mesmo homem. Aqueles olhos intensos que me despem com um simples olhar, aquelas mãos grandes que tocam minha pele como se soubessem cada centímetro do meu corpo. Ele me olha com desejo, com fome... e depois desaparece como fumaça.

Suspiro, irritada. Isso está ficando ridículo.

- Eu não posso continuar assim - falo para mim mesma, jogando as cobertas para o lado.

Levanto da cama, ainda com as imagens quentes daquele sonho impregnadas na mente. Ligo o chuveiro no frio. Preciso de um choque de realidade. O vapor se espalha no banheiro, e fico ali, parada, deixando a água escorrer sobre meu corpo, tentando lavar a frustração junto com o suor.

Esse homem... ele nem existe. E mesmo assim, domina meus pensamentos como nenhum cara real conseguiu. Isso não pode ser normal.

"Preciso de um namorado urgente", penso. Alguém que exista, que me tire esse fantasma da cabeça. Talvez esse vazio todo venha da carência. Talvez seja só tesão acumulado mesmo. Vai saber?

Lembro do último idiota com quem saí: o Fábio. Bonitinho, simpático no começo, até abrir a boca no final do encontro e mostrar o babaca que era. Queria transar logo de cara, achava que isso era um mérito, uma prova de que ele era irresistível. Quando recusei, ele saiu espalhando para todo mundo na faculdade que eu era uma caipira fria, recalcada. Idiota. Nunca mais dei papo para ninguém daquele círculo. Prefiro ficar sozinha a lidar com esse tipo de gente.

Olho no relógio. São 6:30 da manhã.

- Ótimo. E agora nem vou conseguir dormir de novo.

Coloco minha roupa de ginástica, prendo o cabelo num rabo de cavalo e saio para correr no parque. O ar da manhã é fresco e úmido, o céu ainda está pintado com tons alaranjados. A cidade começa a despertar devagar, os poucos carros passam pelas avenidas e há gente caminhando com os cachorros, alguns rostos conhecidos, outros anônimos.

Gosto da rotina da corrida. Me faz esquecer das coisas, ou pelo menos colocar os pensamentos em ordem. A cada passo, imagino chutando longe minha ansiedade, minha carência, minha vontade de sumir. O coração acelerado por esforço físico é diferente do coração disparado no sonho. Um cansa. O outro enlouquece.

Hoje é sábado e, pelo menos, eu não tenho que trabalhar. Só algumas leituras da faculdade para organizar mais tarde. Se tudo der certo, à noite vou sair com o pessoal da turma. Vai ter um show em um bar novo ali no centro e eles combinaram de ir em peso. Talvez eu vá também. Preciso socializar, beber, dançar, esquecer o mundo. Quem sabe até dar uns beijos. Nada sério, só pra sentir que ainda estou viva.

O final de semana passa voando. No sábado, bebo demais. Bem mais do que deveria. Danço até minhas pernas doerem, rio alto demais, me divirto como se quisesse apagar tudo. No domingo, o preço vem pesado. A ressaca me derruba na cama o dia todo, e até pensar dói. A cabeça lateja, o estômago embrulha com qualquer cheiro, e a promessa de nunca mais beber é feita em silêncio entre goles de água com limão.

Então chega a segunda-feira. E, como sempre, parece um castigo divino.

Meu chefe está insuportável. Reclamando de tudo, cobrando prazos irreais, apontando erros que nem existem. Tenho vontade de gritar, mandar ele enfiar os relatórios no lugar que o bom senso não alcança. Mas não. Respiro fundo. Conto até dez.

- A vida não é um conto de fadas - sussurro para mim mesma, ajeitando os papéis em cima da mesa. - Temos que nos esforçar muito para viver.

Penso na minha casa no interior. No cheiro do bolo de fubá da minha mãe, nas galinhas ciscando no quintal, no meu pai acordando cedo para cuidar da roça. Nos meus irmãos rindo alto, brigando por qualquer coisa. Às vezes tudo que eu queria era voltar. Largar essa cidade, essa pressão, essas cobranças. Voltar a ser só eu, sem metas, sem sonhos distantes, sem fantasmas noturnos.

Mas também sei que não quero viver lá. Só queria um abraço, um colo. Um pouco de simplicidade de vez em quando.

O que me dá alívio, o que me faz aguentar firme essa semana, é saber que tem um feriado chegando. E, dessa vez, vamos viajar. Eu e mais quatro amigos da faculdade combinamos de descer para o litoral. Fizemos um sorteio entre campo, serra e praia. A praia venceu. E sinceramente? Ainda bem. Eu preciso de sol, sal, mar. Preciso mergulhar, flutuar e esquecer da terra firme.

Já estou contando os dias. Na sexta-feira, vamos colocar tudo no carro e pegar estrada. Três horas até o litoral sul. Alugamos uma casinha simples, mas perto da praia. É o suficiente. Quero andar descalça, beber cerveja olhando o pôr do sol e dormir ouvindo o som das ondas.

E quem sabe...

- Vai que eu encontro minha alma gêmea por lá - murmuro, com um sorriso quase infantil no rosto.

Não sei por que, mas estou sentindo isso. Como se o universo estivesse preparando alguma coisa. Como se aquele homem dos sonhos estivesse mais perto do que eu imagino.

Talvez eu esteja ficando maluca. Ou talvez não.

Talvez o destino só esteja esperando a hora certa para me surpreender.

            
            

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