Capítulo 2 Adamante

Durante a noite escura, não consegui pregar os olhos e os mantive periodicamente abertos, sentindo-os pesados como grandes blocos de gelo, ansiando conseguir me concentrar apenas em tentar descansar. Ethan se prontificou em ficar acordado para fazer vigia, mas nem que eu me esforçasse arduamente, eu conseguia dormir. Era como tentar se afogar sem prender um pedaço de chumbo nos pés. Uma hora ou outra, você vai voltar para a superfície. O instinto de sobrevivência é feroz, mais do que a minha vontade de sair correndo por qualquer lado. Sei que se ele quisesse, já teria me matado.

Mas será que isso importa para ele? O que ele poderia querer dizer com Ordem Lapidada? Algo que significaria sua possível "fuga" do mundo ao redor? Estar nessa floresta não me parece ser tão promissor.

Me encolhi quando ele caminhou para fora da zona de calor onde meu corpo já estava acostumado e um vento correu contra a minha cabeça, fazendo os meus cabelos se arrepiarem completamente. Observei-o se sentar próximo a uma árvore, estranhamente, eu sentia que ele gostava de ficar sozinho e com aquela mesma adaga de empunhadura vermelha com um diamante anormal no pomo. Tentei fechar os olhos novamente e não me dei conta de quando adormeci.

Ele estava ao meu lado. Senti o calor humano novamente e alguns grunhidos serem ecoados por baixo de sua máscara. Ele parecia estar em um pesadelo bem desagradável, escutei nitidamente a palavra "Adamas" e depois "eu sinto muito", "pai". Então, sentei-me com delicadeza para não acordá-lo. Tudo ainda estava escuro, talvez fosse de madrugada. Umas quatro horas. Afaguei os meus braços esperando que um calorzinho qualquer me aquecesse, mas não funcionou e puxei a manta negra para mais perto dos meus joelhos curvados.

Observei as árvores enquanto balancei-me como se estivesse em uma cadeira – o movimento podia me ajudar e ele bloqueava um pouco as baforadas do vento nevado –, elas eram tão altas e robustas o que fazia-me crivelmente acreditar que não estou na Noruega. Estou mais longe de casa do que eu imagino. Algum sentimento em meu corpo começou a surgir, raiva? Agonia? Ou tudo ao mesmo tempo. Principalmente por precisar da ajuda de um homem assassino, o mesmo que o guia no museu falava, para sobreviver. Isso é ridículo! Por que estou aqui? Maldito turíbulo. Eu só queria que isso fosse um sonho louco, que eu acordasse no museu com Chelsea ao meu lado, me chamando de Branquela e falando o quanto eu sou fresca por ter desmaiado com o frio.

Talvez a única saída seja morrendo. Se estou em um lugar onde eu nunca deveria estar, provavelmente a solução seja esta, o que enche o meu estômago de medo. Observei Ethan novamente, com aquela mesma máscara sinistra.

- Ah, por favor, poderia matar-me senhor mascarado? - Sussurrei para que ele não escutasse e esfreguei as mãos nos olhos. Essa parecia ser uma boa escolha. - Mascarado... - Repeti quando percebi que mais do que nunca, estou tremendamente curiosa para ver o seu rosto, mesmo prevendo que me decepcionaria. Ele deve esconder um rosto horripilantemente medonho por trás da máscara de metal. Uma deformidade horrorosa que deve assustar até os lobos que já estão mortos. Talvez fosse melhor ele ficar com essa máscara. A voz dele o torna ridiculamente desejável e atraente.

O que estou pensando, afinal? Ele matou oito homens! Oito! E mais quatro lobos para finalizar sua pena.

Sinto a ponta da lâmina tocar a minha barriga levemente, onde eu havia deixado. Curvei a cabeça, tentando resgatar alguma ideia louca que estava surgindo devagar na minha cabeça e então, ao pegá-la, deixo cair um pedaço de papel amarelado e repugnantemente velho, que estava guardando em algum dos seus bolsos da capa negra. Ele se remexeu e eu o fisguei por alguns minutos. Ele estava acordado? Se estivesse, já teria se levantado?

Peguei o papel sem desgrudar os olhos da máscara inquietante, vagarosamente para que nenhum barulho o fizesse agarrar a adaga Haavik e prensá-la em minha garganta. Quando desamassei o pouco que consegui do papel, havia um retrato pintado de um homem de cabelos lisos e negros, olhos azuis, pele branca e um olhar conciso. O desenho era vazio. Um pouco rasurado mas consegui entender. Embaixo estava escrito com todas as letras "Procurado, Fruto Sagrado da Ordem Lapidada". Logo levei os olhos até a frase que preenchia uma lacuna pequena onde um desenho de um saco de pano havia sido malfeito: "oferece-se uma recompensa de Ç900.000.000 PREUS DE OURO pela captura do bandido. Tratar com o Comandante da Patrulha Lapidada".

Suspirei, irritada. Então era isso, ele é um caçador de recompensas e está atrás desse homem que vale, aparentemente, bastante dinheiro? Quem não garante que neste mundo paralelo eu não seja uma rainha que também está sendo procurada por não sei quantos "preus". Sem pensar duas vezes e no calor da adrenalina, inclino o meu corpo para a onde o seu estava adormecido e pressiono a adaga perto do seu pescoço.

Ele se remexeu um pouco.

- Você não pode me matar. - Falou baixo. Ele estava acordado esse tempo todo? Estúpido!

Eu podia imaginar o sorriso sarcástico em seu rosto medonho neste exato momento. Mas não vou deixar que ele pense que eu sou uma inocente. Vou deixar que acredite que sou a pior assassina do planeta Terra!

- Não duvide de mim! - Resmunguei.

- Não estou duvidando. Estou fazendo uma afirmação. - Sua voz soou fria tanto quanto a noite. Ele não demonstrava nenhuma reação, o que atiçou todos os nervos do meu corpo com raiva. - Você não pode me matar.

Levantei o desenho para que pudesse analisar e apertei as sobrancelhas para parecer zangada. Me pareceu conveniente.

- É por isso que você está aqui? - Questionei, firme. - Para matar esse homem? Você é um caçador de recompensas, não é?

- Não. - Respondeu, sério. - Na verdade, eu sou um rei. Exilado e condenado a morte pelo meu próprio povo, por um crime glaudiamantico.

Um rei? Vestido desse jeito? Ele deve estar brincando com a minha cara. Além de tudo isso ser uma maluquice, ele acha que sou um palhaço convidando-o para fazer brincadeiras.

- Tá achando que sou um palhaço? - Questionei, retoricamente.

- Um o quê?

- Cale a boca ou eu...

- Hum? - Interrompeu-me.

Soltei um grunhido de raiva alto e tentei parecer durona ao querer aproximar mais a lâmina em sua garganta. Mas não consegui.

- Eu salvei a sua vida e você quer retribuir me matando? - Questionou, fazendo-me semicerrar os olhos por parecer tão errado o que estou fazendo. Mas ele é um assassino caçador de recompensas, preciso descobrir qual é a dele. Por que se interessou em me ajudar. - Vá em frente, não será a primeira a tentar fazer isso.

- Acha que não tenho coragem? - Questionei. - Já matei muitos!

Ele riu, irônico.

- Aposto que sim. - Respondeu. Ele segurou o meu pulso, fazendo-me apertar os lábios de dor quando começou a puxá-lo contra o seu pescoço com força. - Está focando o lugar errado. Aqui... - Disse, quase que sussurrando, com uma voz rouca. - Aqui fica a jugular, mas eu a chamo de Ponto de Precisão. Consegue sentir os batimentos? - Questionou.

Abri a boca para responder, mas só consegui arregalar os olhos nesse tempo, perplexa com sua atitude.

- É só apertar bem forte, sem hesitar. - Continuou sussurrando e pressionando a beirada pontuda da lâmina.

Franzi os lábios, dominada pelo ódio. Ele está me manipulando! Ele acha que não tenho coragem. Mas será que eu realmente tenho? Quem estou querendo enganar?

- Não me desafie seu insolente, eu que estou no controle agora! - Blefei, sem nenhum resultado. É ridículo. Estava mais nervosa e descontrolada do que o mascarado. Ao invés disso, ele está tremendamente tranquilo.

- Então, está esperando o quê? - Ele esperou. Talvez cinco minutos enquanto troquei olhares com a máscara. E ao notar que não aconteceria nada, moveu o punho cerrado, colocando seu pulso por baixo do meu, atravancando a minha faca. Ele girou a mão contra o meu braço depressa, contorcendo-o com brutalidade e fazendo a lâmina se soltar dos meus dedos para ir parar nos seus como se eu estivesse entregando-a de graça. Revirou o meu corpo contra o chão e montou sobre ele, onde a mesma faca encontrou um pescoço. Só que dessa vez, o meu.

Aquela máscara monstruosa estava tão próxima que eu podia jurar ter sentido a sua respiração. Talvez eu realmente tenha sentido-a sair por alguma abertura nas bordas. Não conseguia entender mais nada. Nem mesmo as minhas atitudes estavam me levando a algum lugar que eu gostaria. Seu jeito manipulador só provou que eu nunca teria coragem para fazer nada, e agora estou tão vulnerável quanto uma formiga no chão, prestes a ser pisoteada miseravelmente. Provavelmente, agora, sua paciência se esgotou. Me sinto uma garotinha frágil e frustrada, não tenho medo se neste exato momento perder a vida, porém sinto uma agonia enorme e minha consciência me cobrando de que eu fracassei.

- Já matou muitos, não é mesmo? - Aproximou mais o rosto. - Com certeza competiria facilmente com todas as vidas que exterminei com cada lâmina que tenho...

Não respondi e continuei observando-o. Esperando que terminasse. Ele guardou a pequena faca de arremesso no cinturão e morosamente retirou outra. Aquela persistente adaga Haavik, de empunhadura vermelha e que tinha o formato de uma coroa dourada no protetor.

- Está vendo essa aqui? - Ele se ajeitou sobre o meu corpo, e seu peso começou a me incomodar um pouco, mas o seu calor era maravilhoso. - Essa aqui, eu usei para matar o meu próprio pai; enfiei dentro do seu coração.

- O quê...

Ele apertou a lâmina contra a minha jugular com delicadeza, sem querer me machucar de verdade.

- A lâmina que você não espera, é a que dói mais. - Sussurrou, o que pareceu ser mais particular. Não sobre mim. Sobre ele. - Não pense duas vezes quando tiver que matar alguém. - Aquelas palavras duras ecoaram como um desespero. O que estou fazendo aqui, com um homem que matou o próprio pai? Será este o motivo de todos quererem sua cabeça?

Ele se levantou e guardou a adaga no cinturão novamente, suspirando, tenso. É nítido que tenha recordado de muitas coisas que aconteceram em sua vida, e se ele diz a verdade, significa que seu pai era o rei e que ele o matou por ambiciosidade para assumir o seu lugar no trono. Que homem estúpido. Mas e se não for isso? Deve haver uma explicação para tudo isso.

- Já perdi a minha paciência com você. - Observou, depois de minutos. - Adeus. - Colocou o arco em suas costas, o mesmo que estivera no chão esse tempo todo, e começou a dar os primeiros passos

Restaurei a minha coragem, colocando-me em sua frente com o cartaz de "procurado" entre o meu peito e o seu.

- É o que faz de melhor, não é? Matar para ter sua "paz"? - Disse, desesperada. - Eu não sei o que está acontecendo! Não sei porque estou aqui, eu não sei que lugar é esse. Eu só quero voltar para casa. Então me mate, mate logo! E fará um favor para mim. - Levantei mais o cartaz. - Só espero que seja piedoso com este homem aqui, que você está procurando.

Senti meus olhos arderem com tamanha indignação por Ethan Haavik, e neste momento, lembrei de Chelsea de novo. Querendo apenas voltar para a minha irmã de consideração.

- Eu não vou te matar. Você não passa de uma maluca que adora testar a paciência alheia. Não sei como está viva nesses escombros de pessoas brutas. - Desdenhou e deu de ombros.

- Se não vai me matar, então porque está aqui? Por que está me ajudando? - Questionei, seriamente e sai andando dobrando o pergaminho atrás dele.

- Porque talvez eu tenha um coração mole quando o assunto é mocinhas em apuros.

- Eu não sou uma mocinha em apuros!

Ele soltou um suspiro.

- Certo. - Concordou.

- Só devolverei isso aqui - balancei o pergaminho fechado quando o alcancei e fiquei em sua frente - assim que me levar em segurança para a minha casa.

- Eu não quero isso, pode ficar de presente para você. Tem vários espalhados por aí. - Respondeu e me ultrapassou de novo. - E quanto menos tiver em exibição, melhor para mim.

- O quê! - Gritei. - Por favor, pelo menos me leve até a Noruega ou até o turíbulo que me trouxe a este lugar ridículo e grotesco!

- Turíbulo? - Ele cessou os passos e se virou. - Que turíbulo?

Dobrei a cabeça, esticando os lábios com um sorriso de vencedora.

- Tem interesse nesse turíbulo? - Ele não respondeu. - Foi ele, não é? Ele quem me trouxe para cá, com você, infelizmente.

- Se for o que estou pensando, provavelmente. Mas seria apenas a sua forma espectral.

- Como assim?

Ele balançou a cabeça.

- Turíbulo de Basami, o Limiar. - Sussurrou como se tivesse feito uma grande descoberta. - Onde ele estava?

- Na Noruega... No museu, comigo e com a Chelsea. Inclusive, ela estava me dizendo o quanto você é um idiota e...

- ...Tá, tá, tá - Cortou-me. - Sei como tirar você daqui.

Ele me puxou pelo braço e ajeitou a espada na bainha, mas rapidamente freei o passo, junto com uma fumaça de frio que foi emanada pela minha boca quando suspirei.

- Espere! - O puxei contra mim. - Então você realmente vai me levar de volta?

- Eu não sei... Precisamos primeiro saber se o que a trouxe aqui fora o turíbulo de Basami.

Sorri.

- Então você me ajudará? - Questionei. - Sem voltar atrás ou me deixar em algum vilarejo?

- Ah... - Ele aproximou o punho fechado do "rosto" que na verdade era a máscara, e novamente suspirou, tentando manter a paciência. - Sim. Me dê isso. - Balançou os três dedos que estavam cobertos pela luva de arqueiro, mandando-me entregar o retrato.

Não hesitei e o entreguei. Ele agarrou o pedaço de pergaminho e o rasgou com força, jogando-o no chão.

- A última vez que salvei uma mulher, ela tentou me matar depois... - Murmurou, abaixou a cabeça e colocou a mão ao lado da máscara. Estou delirando? Ele vai mostrar a sua identidade? - Para a sua surpresa, não precisará deste retrato se quiser alguns preus de ouro. Eu sou o Fruto Sagrado, eu sou quem eles procuram.

Abri a boca quando sem hesitar arrancou a máscara do rosto e coloco-a no cinturão, onde havia um gancho para encaixá-la.

Minha face adormeceu ao contemplar seu rosto. Que olhos eram esses? Parecia algo surreal, algo mágico – algo que não poderia pertencer à Terra. Agora, mais do que nunca, ao observá-los, percebi que pareciam belos diamantes lapidados, mesmo com um risco ridículo que cortava o direito; os seus cabelos eram negros e bagunçados que criavam contrastes lindos com a sua pele branca e seus lábios, tive certeza que estava delirando. Minha garganta entalou, tentei falar mas não consegui.

Diga algo, qualquer coisa. Uaul, você é um assassino... diferente? Não... Isso não. O que está acontecendo? Por que ele está naturalmente me deixando tensa? Ele é um assassino, ele está sendo procurado. Ele matou o próprio pai. Ele matou oito homens. Então, ele me fez sair do transe infinito de admirar seu rosto, se aproximando. Fazendo-me engolir seco.

- É por isso, que peguei este pedaço de papel inútil. - Sussurrou. - Se me encontrarem, serei obrigado a...

- ...Quantos inocentes você matou? - Questionei. - O que realmente fez para ser procurado?

- Eu já lhe disse, eu matei o meu pai! - Respondeu e pensou. - E mais umas quatrocentas pessoas...

- O matou para roubar o seu trono, não é?

- Não! Eu fui manipulado, eu... - Ele novamente se interrompeu e apertou os olhos azuis com os punhos fechados, furioso. - Eu sou um estúpido!

- Você é! Você mata as pessoas, mas não sabe que não se interrompe uma vida na qual você não conhece o propósito. Só Deus pode saber!

Ele observou-me taciturno. Parecia que eu tinha dito algo muito óbvio.

- Eu mato alguns para salvar muitos... - Murmurou e quase não consegui escutar. - Não é como se eu quisesse ou como se eu não me importasse com suas vidas...

Comecei a rir. Droga, além de assassino é um lunático se achando um tal de messias enviado.

- Qual é a graça?

- Não se vanglorie Ethan Haavik, suas ações foram permitidas por Deus, só ele tem o poder de tirar a sua vida, ou a de outras pessoas..

- Acha que sabe sobre os deuses? - Ele se aproximou na tentativa de sussurrar em meu ouvido, e recuei alguns passos, engolindo a saliva. Não sabia dizer que tipo de sentimento estava emanando. Mas o meu sangue começou a ferver.

- Não me importo com deuses, sei sobre um que é responsável por toda a existência.

- Eu não sei como o seu Deus de onde você veio, age, mas aqui, eu tomo as minhas próprias decisões.

- O que está querendo dizer?

- Estou dizendo que eu sou o deus e eu tomo as decisões em meu planeta! - Recuou.

- Ah, claro. - Respondi com ironia. Bufei e rolei os olhos, com uma certa impressão de que tais palavras saíram na tentativa falível de me galantear.

- Falei alguma coisa que não lhe agradou? Quer dizer que as informações que você exige só lhe agradam quando convém? Ou não se conformou por descobrir isso?

- Descobrir o quê? Que você é um deus?

- Sim. Especificadamente um Deus Diamantense. É mais complexo, mas não espero que você entenda, isso acabaria com o meu tempo.

Encarei-o com o canto dos olhos. De repente pareceu ser tão engraçadinho, que resolveu me provocar. Mas não vou cair nessa, já não basta em outro universo eu ser chacota da minha irmã. Não vou ser de um homem louco que se acha um deus.

- Ficou tão engraçadinho de uma hora para outra. Preferia quando estava de máscara, bancando uma de assassino sério. - Balancei as mãos para cima, tentando gesticular algo engraçado com a voz aquosa.

- Certo. - Respondeu. - Não me importo com o que você prefere.

- Sabe, você é um cretino, idiota, estúpido, grosso sem sentimentos e sem coração! Por que ainda estou aqui?

- Porque salvei a sua vida. Te falei quem eu sou. O que mais você quer? - Ele se aproximou com as mãos inclinadas em meu rosto. - Quer que eu faça carinho em você? - Começou a acariciar o meu rosto e por algum motivo eu não o impedi, mas cerrei as sobrancelhas para parecer brava, mesmo que eu estivesse gostando de seu toque bruto que logo sumiu quando derrapou a mão ao lado do corpo. - Costuma ser assim perturbadora em seu mundo também? Aqui, chamamos isso de tortura. Quando um homem comete um crime, algumas formas de torturá-lo é colocando-o na companhia de uma pessoa que não cala a boca. É justo. Cometi muitos crimes. - Refletiu.

Ele fala de uma forma tão séria e autoritária com este timbre e esse sotaque forte ecoado ao vento, que por um tempo eu me importei. Seu semblante demonstrava que não estava me levando a sério. Sorte Chelsea ter me ensinado alguns modos para que as pessoas pudessem me compreender com seriedade e não me tratassem como criança. Espero conseguir exercer.

Apontei o dedo para o seu rosto.

- Escuta aqui seu insolente debochado, quem faz as perguntas aqui sou eu! - dou três tapinhas no seu peito. - E outra, seu rosto parece de um bebê. E este risquinho grande que fez na sobrancelha está fora de moda - pensei -, apesar que ficou sinistro e bonitinho... Mas não quer dizer que seu galanteio tenha me convencido. Não pode tentar galantear uma mulher dizendo que é um deus quando na verdade é um homem... qualquer. Não vou dizer que é normal porque eu estaria sendo uma mentirosa.

- Isto é uma cicatriz.

- Ah... - Observei o corte reto em seu olho melhor. - Tem razão. Perdão, eu não vi direito. Como conseguiu essa cicatriz?

Ele revirou os olhos e deslizou o polegar e o indicador pelos lábios, abafando a arquejada. Sinto um constrangimento amarguroso se formar, acompanhando o remorso. Assim como eu tenho marcas do passado em meu corpo, com certeza isso lembraria algo que não o deixa feliz.

- É uma longa história, mas foi durante um torneio.

- Torneio? Tipo aqueles torneios que você luta até a morte?

- Com três camadas vigorosas de vidro que destruíram a minha pele.

- Camadas de vidro? Estou ficando cada vez mais confusa! - Expirei, ansiosa e ele esticou os lábios para um sorriso discreto, o que revirou algo dentro de mim.

- Lutei em um torneio onde o chão era feito com vidro.

- E você ganhou?

- Por que acha que estou aqui? - Respondeu. - E além do mais, eu não posso morrer.

Eu ri por achar a ironia completamente engraçada.

- E essa adaga? - Questionei, sentindo-me ainda mais invasiva e que essa pergunta, diferente da outra, possuía um apreço sentimental muito maior.

- Chega de perguntas. - Respondeu, secamente.

- Está bem... - Respondi, depois de um tempo em silêncio. - Então, acho melhor sairmos daqui. - Dei alguns passos para frente e percebo que o Ethan não moveu nenhum músculo do lugar. Espero que não tenha se irritado novamente comigo. - O que foi? Desistiu de me ajudar? Pensei que fosse um homem de palavra.

- E eu sou. - Respondeu e apontou o dedo para a frente. - Você está indo para o lado errado - ele vestiu a máscara e começou a andar -, é por aqui.

Provavelmente vestiu a máscara para rir da minha cara, por querer bancar uma de mandona sabichona.

Então caminhamos durante longas horas e o sol surgiu no céu, não fazia ideia do quanto as horas se passaram e o quanto poderia ser meio dia. Fiquei admirada observando o horizonte montanhoso, suas altos picos enregelados e brumados, diferente de tudo o que eu podia considerar normal no planeta Terra. Por um lado que a solidão ao lado de Ethan Haavik fosse aconchegante pelo seu silêncio e todo o seu ser misterioso e impenetrável, sentia uma angustia por não ter encontrado nenhuma civilização ou algum vilarejo mesmo que fosse abandonado. E embora eu me esforçasse para acompanhá-lo, o homem não explicitava nenhum cansaço físico, ao contrário de mim que já sentia os meus joelhos tremerem e se não fosse por estar o tempo todo viajando em pensamentos, e Ethan ter me dado seu cantil com água, já teria tombado de vez.

Ficamos sem trocar assuntos e provocações, algo que parecia o deixar bem satisfeito. Entretanto, algumas dúvidas surgiam sem parar ao seu respeito: Será que ele sabe mesmo onde está me levando, ou está me levando para o nada? E o que será que ele faz da vida? Fica só fugindo?

- Sr. Ethan Haavik, sabe mesmo onde fica o turíbulo? Não duvidando da sua capacidade, mas não vejo uma bússola indicando uma direção.

Sou ignorada com sucesso e meu rosto esquenta, de vergonha. Ele continuava calado enquanto eu corria para alcançá-lo; não queria ficar muito distante, mesmo depois de ele soltar a corda já que amanhecera e não havia necessidade de permanecermos grudados, tinha medo de algo esquisito agarrar-me por trás e levar-me para longe. Um pensamento de uma pessoa que está nitidamente se sentindo perdida.

Enquanto seus passos pesavam sobre a neve balofa, continuo meu questionário com um estoque renovável de perguntas. Algumas insolentes, outras que eram realmente necessárias. Mas nada, absolutamente nada que eu perguntava era saciado. Ethan era um enigma difícil de desvendar.

- Seus grunhidos não respondem as minhas perguntas! - E ele continuou em silêncio. - Ah, não adianta bancar o durão me ignorando ou ameaçar que vai me abandonar pois irei te perseguir eternamente, igual um carrapato. - Falei determinada enquanto escutava sua respiração impaciente. Talvez estivesse um pouco irritado comigo, apesar que seria tedioso duas pessoas desconhecidas andando caladas. Não é mesmo? - Por mais que você corra, irei te alcançar. Afinal, nem cavalo você tem. Até mesmo o cavalo deve ter fugido da sua presença irritante. Nossa, sério, você é chato demais -, rolei os olhos e comecei a bater os pés com força na neve, para parecer tão bruta quanto ele - eu sou o Ethan Haavik, eu sou um deus. Não, não! É melhor você não encher o meu saco porque se não eu vou cortar a sua garganta com essa espada aqui! Sim, eu sou um assassino idiota! E não preciso da sua ajuda porque eu sou chato e mandão e não abro a boca para falar absolutame...

Ele me interrompeu quando se virou e agarrou brutalmente os meus braços com as suas mãos ásperas.

- Já chega! - Bradou. - Você não consegue ficar um minuto sequer com a boca fechada?

- Deve ser por isso que está sozinho... - Murmurei, baixo, tentando encontrar seus olhos através da máscara. Era impossível.

- Quer saber por que estou sozinho? Quer? - Balançou o meu corpo. - Estou sozinho porque eu matei todo mundo que estava comigo! E sim, eu sou tudo isso que você falou e posso mudar de ideia a hora que eu bem entender porque diferente de você, eu não preciso da sua companhia irritante para encontrar o turíbulo! Sem você será até mais fácil.

- Sei que não vai mudar de ideia. Afinal, que honra um deus teria se não cumprisse uma promessa. É um homem de palavra. - Ironizei.

Ele colocou as mãos na cabeça.

- Aarg! Por que gosta de me irritar? Costuma usar chantagem emocional para conseguir tudo o que quer? Olha, muitas mulheres já tentaram esse truque mas não funcionou comigo. Está bem? Então, poupe seus esforços para alguém que realmente se importa com o que você fala. Agora, chega! Silêncio! Eu te ajudo a encontrar o seu lar e você me retribui ficando quietinha. Está bem? Podemos fazer este acordo?

- Entendi, senhor mandão. - Cruzei os braços e ele novamente os puxa com o jeito bruto. Só que dessa vez, para que nos agachássemos.- Ei, eu disse que entendi, seu ogro!

- Shhh... Se abaixa, sua tola. - Ele sussurrou e observamos alguns homens se aproximando.

- Quem são eles?

- Não sei dizer... Com essas roupas, talvez caçadores.

Tentei me levantar e ele empurrou o meu ombro para que eu me sentasse novamente.

- Olha, Sara, eu entendo que você gosta de ser curiosa. Mas está em Adamantem agora. Aqui, você não deve confiar em ninguém. Esses homens - apontou - provavelmente estão aqui por causa da matança lá atrás. - Retirou o arco das costas. - Existem caçadores de recompensas. Patrulheiros Lapidados e há Paladinos Diamânticos também. Esses caras, todos eles você deve temer. Todos eles querem a minha cabeça. Se verem você, ainda mais com essas vestes e com esse rostinho bonito, não terão piedade e vão torturá-la até possuírem alguma informação relevante. E... cá entre nós... não precisamos fingir que somos duas pessoas que confiam uma na outra.

Enquanto falava, me apeguei aos detalhes dos homens que montavam uma fogueira de cozer perto de árvores negras e robustas pelas quais se aconchegavam com cautela com seus cavalos.

- Ethan... - Ignorei tudo o que tivera dito, com a ideia particularmente genial que surgiu na minha mente. - Sei que não confia em mim, mas por favor, só estou pedindo uma chance. Eu prometo que vai dar certo.

Ele deu uma risada rápida e curta.

- Sem chances. Isso aqui não é brincadeira. Esses homens matam mais por diversão do que por necessidade e qualquer um deles pode escapar, acionar a Ordem Lapidada inteira sobre a minha posição e tudo o que eu fiz até agora seria em vão. Aqui é o único lugar em que estou seguro e você já me colocou em risco por me fazer matar aqueles homens lá atrás.

- Tá bom! Eu sei que fui irritante, mas a ideia é boa. Ok? Escuta, precisamos daqueles cavalos e talvez eles tenham algum dinheiro.

Ele dobra a cabeça, curioso.

- Você quer roubá-los? Alguns minutos atrás era totalmente a favor da vida. Bateu a cabeça em alguma árvore enquanto caminhávamos?

- Engraçado você. - Rolei os olhos. - É por uma boa causa e eu vi você lutar. Isso será facílimo, não é mesmo? Impediremos que eles façam maldades à qualquer outra pessoa, seja quem for ela.

Ele observou e pareceu compreender.

- Diga seu plano.

- Vou entregar você já que vale mais vivo do que morto. Só preciso que me entregue esta adaga aí... - Estiquei a mão para pegar a adaga e ele recuou.

- Não.

Detidamente aproximei a minha mão novamente e apoiei-a sobre a sua, com carinho, sentindo um calafrio subir a minha espinha.

- Eu sei que ela é especial para você, eu prometo que cuidarei muito bem. Mas preciso de uma prova concreta de que te tenho para mim. Como a minha recompensa que lucrará muito dinheiro. E também, saberei segurar muito melhor uma adaga do que uma espada.

Ele suspirou.

- E se algo acontecer com você? - Questionou, fazendo seu timbre vibrar muito mais. - Não seria um esforço que valeria a pena. Eu posso muito bem ir até ali e matá-los.

- Como você mesmo disse, um deles pode escapar. Ethan, vamos tentar... Caso algo dê errado, você me protege, não é?

Ele ficou em silêncio e mexeu um pouco a mão sob a minha, girando a adaga para entregar-me. Segurei a sua empunhadura vermelha cintilante e deslizei brevemente o polegar no pomo de diamante.

- Sim, eu protejo.

- Então vamos tentar.

Após nos prepararmos repassando o plano, ele retirou o gibão, algumas armaduras e permaneceu apenas com uma túnica fina e preta, com seus cinturões presos nas pernas e na cintura das calças. Sem arma alguma. Amarro as mãos de Ethan com a corda, em frente ao seu corpo e retiro a sua máscara, prendendo-a em seu cinturão do quadril com cuidado enquanto ele só observava-me em silêncio. Depois de um tempo, ele balançou a cabeça para a lâmina da adaga, querendo que eu entendesse algo.

- Corte-me um pouco aqui no braço. - Ele disse e recuei. - Vamos, eles não vão acreditar se não verem um pouco de sangue.

Hesitei um pouco, mantendo a adaga firme na mão. Escutei seu suspiro e ele se aproximou, forçando o braço contra a lâmina rapidamente, sem que eu pudesse impedir. Observei os seus olhos azuis refletindo a luz quando se afastou, e comecei a rasgar um pouco mais para parecer que houve uma luta e suspirei, pressionando com cuidado a lâmina na sua pele branca do peito um pouco exposta pela túnica de cordões meio abertos; e, tentando disfarçar, encarei as diversas cicatrizes que já se exibiam naquele pouco pedaço de pele.

- Tente parecer um pouco... Drogado. Bêbado.

- Certo.

Com a Adaga na mão, pressionada contra a sua jugular – como ele bem me ensinou –, empurrei-o com raiva contra o matagal com a mão livre, até que estivéssemos no campo de visão dos homens. Senti o cheiro da carne sendo queimada e o meu estômago embrulhou de nojo. Nem se eu estivesse morrendo de fome comeria isso.

- Ei, homens, olhem! - Um deles se antecipou, já sacando a espada e se levantando. - É ele! É ele, Ethan Haavik!

Tenho tempo para observar todos aqueles maníacos com olhos fervendo para pegar a sua presa. Eu não tinha como saber o que estavam pensando, mas conseguia deduzir que coisa boa não era. Sorte a minha presa ser habilidosa demais para cair nessas mãos asquerosas.

- Nosso deus diamantense, Fruto Sagrado, foi pego por uma mulherzinha? Olha o estado dele, deve estar podre de bêbado. - Outro homem sem cabelo algum e negro disse enquanto balançava a espada para perto e apontei a adaga.

- Isso me parece estranho demais. Por que ela está com essas vestes? E como ela conseguiu isso tão rápido?

Corri para me explicar, recuando um passo com Ethan.

- Ele bebeu muito vinho, mal consegue ficar de pé. E estas vestes eram as do meu irmão! Ele era um cavaleiro da guarda. Morreu pelas mãos desse infeliz assassino!

Eles começaram um coro de questionamentos entre si. Mas um deles pareceu mais esperto e caminhou para mais perto.

- Dê ele, nós honraremos o seu irmão, torturando-o e depois entregando-o à Ordem Lapidada.

- Mas... você não tem interesse particular neste homem? Em sua recompensa? - O que estava agachado perto da fogueira perguntou.

- Eu ter interesse nele? Não me importo com o dinheiro. Quero vê-lo pagar pelo que fez e agradeceria se pudessem fazer isso por mim. - Respondi. - Sabe, eu teria muitas dificuldades em levá-lo. Vocês não têm ideia do quanto ele é insuportável.

Ethan me observou com os olhos semicerrados como se quisesse dizer: eu vou te matar, suspirou e então o soltei. Ele fingiu cambalear para trás, com se estivesse realmente bêbado. O homem chegou próximo o suficiente dele, o cheirou e pareceu confuso.

- Não sinto cheiro do álcool. - Analisou. - E ele não está tão mal assim...

O homem pareceu se irritar e balançou o dedo para que os outros se aproximassem. Nesse momento, Ethan já tivera avaliado todas as alternativas possíveis de uma batalha, contornando os olhos para todos os lados, avaliando todas as suas armas. Eles não tinham armaduras, isso tornaria tudo muito mais fácil e então e levantou a cabeça para encarar o caçador de recompensas com o olhar menos bêbado que pudesse existir.

- Ele não está bêbado! - Ele gritou.

- Talvez vocês estejam por cair nessa armadilha estúpida. - Vi ele sorrir, ironicamente.

- Ela nos enganou. Matem-na! Andem!

A cabeça dele encontrou a do homem e ele gritou de dor. E quando um deles começou a correr para me alcançar, assim que chegou perto, Ethan se virou e com o joelho acertou o seu membro com força, fazendo-o cair no chão para segurar a intimidade que devia latejar. O caçador que estava na frente dele, rapidamente tomou uma atitude para matá-lo e Ethan o chutou para longe, socando o terceiro homem com as duas mãos presas. Vi o sangue dele voar para perto do meu corpo e tentei me afastar o mais rápido possível.

Ethan astutamente bloqueou o quarto que se levantou da fogueira, com agilidade e pegou a sua mão armada com uma adaga contorcendo-a com raiva contra a sua garganta, fazendo-o se cortar como uma criança inocente. Quando o quinto homem sacou a espada para correr ao seu encontro, ele o acompanhou com a adaga do morto em suas mãos e os seus corpos quase se chocaram. Ethan se abaixou assim que o caçador de cabelos loiros girou a espada sobre a sua cabeça. E com a adaga, cortou a sua barriga e chutou-o para a fogueira aberta.

O homem gritou aterrorizantemente e eu tampei os ouvidos, completamente tensa.

Ainda com as mãos amarradas, de forma anormal, ele retirou uma faca que estava presa em um dos cavalos e arremessou no estúpido que também foi para ajudar os amigos. E com o próximo, Ethan jogou a adaga no chão, impediu a sua investida e chutou-o, fazendo-o cair. Contornou as mãos amarradas no pescoço dele apoiou o pé no apoio da cela e saltou por cima do cavalo que estava ao lado. Os outros saíram trotando assustados para dentro da mata. Este apenas relinchou quando Ethan foi parar do outro lado, com as mãos no pescoço do homem no outro lado, enquanto enforcava-o.

Então, um caçador que tivera caído no chão se levantou já com fulgor, mas vendo Ethan enforcando seu colega não pensou duas vezes e cortou duas vezes o ar. Quando tentou acertá-lo mais uma vez, peguei uma pedra e arremessei contra sua cabeça, fazendo-o mudar de foco. Ele resmungou com nojo e no momento em que começou a caminhar para perto de mim, Ethan o chutou com as duas pernas fazendo-o quase vomitar, e soltou o homem enforcado enquanto saltava para a frente. Ele investiu a espada para frente e Ethan girou, deslizando os dois pulsos pela lâmina, fazendo a corda se cortar em seus pulsos com habilidade.

Por fim, encontrou as laterais da face do caçador com as duas mãos e sussurrou profundamente a frase "eu abençoo o seu corpo e a sua alma". Ele não pediu misericórdia. Pelo contrário, usou o tempo para retirar uma pequena faca para transpassá-la no pescoço de Ethan. Mas morreu antes de conseguir.

- Seu plano foi bom, preciso admitir. - Ele se aproximou enquanto jogava os pedaços de corda no chão e vestia as armaduras, o gibão e alguns dos cinturões que tivera tirado com suas armas.

- Bom trabalho Sr. Haavik. Agora temos o que precisamos. - Retirei a adaga levantando-a para lhe entregar.

- Agradeço. - Segurou a adaga, guardando-a no cinturão. - Já estava começando a pensar que não tinha alguma utilidade, mas acho que me enganei. Apesar de ser irritante, sua ideia foi genial.

- Se isto for um elogio, então obrigada! Não precisa ficar dando voltas, Ethan Haavik. - Disse resplandecendo orgulho e erguendo o queixo em sua direção. - Apesar de que, essa é a primeira vez que eu não estrago tudo... - Falei pensativa, com o dedo no queixo.

- E só agora que você me diz isso? - Ele colocou as mãos na cintura e observou-me dos pés à cabeça. - Este é o primeiro plano a dar certo?

- Tudo tem a primeira vez. Hoje eu fui a mulher mais aventureira do universo. E você... bom, você finalmente é um cavaleiro com um cavalo.

Ele suspirou.

- Não sou mais um cavaleiro. - Respondeu e começou a caminhar. - Vamos revistar os cadáveres, quem sabe eles têm alguns preus - se agachou, sentando-se em seus calcanhares -, se quiser conhecer o seu amigo cavalo, fique à vontade. Os outros fugiram, tivemos sorte.

Enquanto ele juntava alguns tesouros, abrindo um saco de pano que encontrou nos pertences de um caçador de recompensa, observei o cavalo que ainda batia com os cascos no chão. Aproximei a mão, sussurrando para que ele se acalmasse e logo comecei acariciar sua pelagem parda de manchas amarronzadas, parecia ser forte. Enquanto estava distraída observando as armaduras que o preenchia, senti alguém tocando os meus ombros, fazendo-me tirar os pés do chão por um segundo.

- Procure não sair do meu campo de visão. - Bradou. - Não evacuamos o suficiente para saber se o local está limpo.

- Pare de me assustar desta forma, droga! Quase tive um ataque do coração. - Retruquei indignada pela sua forma surpresa de me tirar dos devaneios.

- Pelo visto já se simpatizou com o animal. Ótimo. - Ele começou a vasculhar o cavalo, e também a retirar algumas armaduras talvez para que ninguém pudesse desconfiar, deixando apenas a sua cela marrom. - Vamos cavalgar até o vilarejo, provavelmente chegaremos ao anoitecer. Consegui o suficiente para nos abrigar em alguma taberna.

- Certo, e a propósito, pode ficar despreocupado, não sairei do seu campo de visão, Ethan. Você não se livrará tão facilmente de mim.

- Infelizmente sim. - Ele sorriu com o canto da boca enquanto colocava a máscara no rosto novamente. - Então, já que não sairá da minha cola, precisamos procurar algumas roupas para você. Tente esconder essas roupas com a minha manta o máximo que conseguir. Amanhã iremos para comércio comprar alguma coisa que sirva neste corpo minúsculo.

Meus olhos não conseguiram disfarçar o brilho, ficando totalmente alucinada com a ideia. Terei roupas novas! Droga... Ele provavelmente percebeu, e tentei disfarçar a minha alegria olhando para os lados, apesar que ele devia saber que qualquer garota gosta de comprar roupas.

- Por que essa carinha de boba? Ficou animada?

- Claro que não! Só estou concordando que preciso mesmo de algo melhor do que essas roupas largas. Então, é melhor nos apressamos.

- Certo - Concordou e bateu na anca do cavalo -, venha, suba no cavalo.

Me aproximei do animal assim que Ethan segurou a minha mão para me ajudar a montar e logo em seguida subiu, apertando as mãos na minha cintura para se ajeitar melhor atrás de mim. Tento prender o meu cabelo num coque para não atrapalhar a sua visão e percebo que quase não faria efeito. Ele é muito mais alto do que eu, seu queixo se apoia em minha cabeça com facilidade. Ethan apanha as rédeas com as duas mãos envolta do meu corpo e se remexe mais um pouco, então esporeia fazendo o cavalo começar a trotar sem pressa.

Nunca havia cavalgado desta forma. Emanava um sentimento prazeroso de liberdade e aventura em meu corpo e não há nada que compraria essa sensação. É, com certeza, a melhor sensação que já tive até agora e se isso tudo for um sonho, não quero acordar tão cedo. Está sendo um tanto especial e ainda vou jogar na cara da Chelsea que sobrevivi a mais um dia. Que não sou tão fraca assim.

Não deixo de pensar que talvez eu tenha conseguido conquistar um pouco da empatia de Ethan. Possivelmente um pingo só que existe de confiança no corpo dele ele deve ter depositado em mim, mesmo que fosse um assassino cruel. Será possível que ele tenha amado alguém, ou alguma vez sequer fora alguém melhor do que é, matando pessoas?

Quando puxou um pouco mais as rédeas do cavalo pardo, senti seu corpo. O jeito que ele me toca. "Não, deixa de bobagem!" Não posso me deixar pensar que ele poderia se importar comigo. Ou ele está se importando? Estou confusa! Se eu fosse tão irritante como ele fala, já teria se livrado de mim. Será que devo testar mais a sua paciência? Por ora, acho melhor não. Vou esperar chegarmos no vilarejo até saber se realmente ele irá me ajudar. E também porque quero comprar o vestido mais lindo de todos os reinos. Enquanto isso, só preciso acreditar ele que não vai me largar aqui, sozinha.

            
            

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