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GLOSSÁRIO DO UNIVERSO DE REINO LAPIDADO
ANTORDEM: Cul. Rel. 1. Todos àqueles que nascem contra o significado da Ordem Lapidada. Na maior parte brutos e hereges Glaudiamânticos. 2. Pessoas que comentem crimes contra a ordem.
ADAMAS: Per. Rel. 1. Deuses de Diamante. 2. Todo deus diamantense carrega o nome Adamas. 3. Junção de todas as coisas sagradas do planeta Adamantem. 4. Todos os elementos lapidados, fonte de magia. 5. Aquele que é indestrutível, indomável. 6. Ser Divino.
PATRULHA DIAMÂNTICA/DA ORDEM LAPIDADA: Org. Rel. 1. Chamada também de Patrulha Lapidada (termo informal). 2. Àqueles que dedicam sua vida, com voto de fidelidade, honestidade e cordialidade à religião diamântica. 3. Sempre armados, lutam pela segurança e pela justiça da Ordem Lapidada. 4. Qualquer um pertencente à patrulha, deve servir garantindo a segurança dos fiéis, de sua terra. Lutando contra brutos, Glaudiamânticos e Antordens em todo o planeta.
ORDEM LAPIDADA: Org. Rel. 1. Organização Governamental, religiosa e potente, na qual dividiu cinco reinos para comandar o planeta e distribuir sua fé religiosa, seus cultos e doutrinas. Atualmente existem três reinos em pé que sobreviveram às guerras ostensivas de aspiração ao poder diamantense de Adamas e que se mantiveram firme na organização, espalhando a palavra divina: Safira, Esfênio e Reino Lapidado. 2. Antigamente, os reinos eram uma potência gigante, poderosa e quase indestrutível: Safira, Esfênio, Reino Lapidado, Ônix, Citrino e Jade.
JAMALOS: Esp. Faun. 1. Homens selvagens que vivem nas montanhas de Golvo. 2. Possuem rostos deformados e às vezes chifres e mais de um braço. 3. Têm os dentes afiados e se alimentam na maioria das vezes de outros Jamalos em rituais culturais e também de outros animais comuns. 4. São considerados Glaudiamânticos e Antordem.
REPROZAS: Esp. Flr. 1. Árvore de origem Albim. 2. Encontrada em demasia na Floresta Sombria, e Golvo. 3. Utilizada como fonte de energia ou mana para muitas criaturas potenciais como: fogledes, golvos, bruxas e wrokas. 4. Sua mana pode ser extraída diretamente das pedras que se pendem em seus troncos, com chital*. 5. Grande parte de lapidados/deuses diamantenses usam-na para conjurar habilidades.
Boa leitura!
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Caminhei por horas, sem rumo, ou sem ao menos saber o que fazer. Nada parecia importar mais. Estou perdida, presa em um mundo hostil e agora provavelmente sendo procurada por essa tal de Ordem Lapidada. Minha única e real esperança se sacrificou para salvar a minha vida, e se há alguma lição para aprender aqui para que eu possa voltar à minha realidade normal, eu, com certeza, estou encrencada, sem saída. Realmente não sei o que fazer, o que dizer, ou como agir.
Sou uma Antordem agora, além de ser uma estrangeira e não conhecer absolutamente nada daqui. Fiquei a um passo de me entregar para a patrulha, afinal, a qualquer momento eu posso ser pega - só desejo que sejam rápidos. - e, não tenho nem sequer um pingo de todas as habilidades de Ethan.
Lembrei-me de cada golpe, cada movimento letal que tentou me ensinar e suspirei, imaginando que talvez essa fosse ser a minha última alternativa para quando as coisas piorassem. Os pensamentos me atormentavam, apertei os olhos e suspirei mais uma vez. Meu coração ainda palpitava forte em meu peito com a pressão do medo. Devo seguir em frente, por mais que a minha situação seja devastadora, dolorida e desesperançosa. Afinal, estou sempre destinada a acontecimentos horríveis.
Ah, Ethan... por que fosse arrancado da minha vida dessa forma? Por que me abandonou? Quando lembrei dos Patrulheiros Diamânticos lhe torturando enquanto lutava firme e bravamente, senti uma dor ainda maior que vinha acompanhada do sentimento de culpa. Aquele homem, Tokson, que o matou estava certo, eu sou a culpada pela sua captura, pela sua morte. Ele morreu me salvando. Mas não adiantava me remoer agora, ele morreu, cumpriu seu destino e a sua sentença. Droga! Eu não deveria ficar em um luto eterno.
Preocupei-me em me atentar para descobrir onde eu me encontrava.
Estava próxima a um arvoredo pequeno, num vilarejo simples e branco de neve. Casas com tetos de palha, as paredes erguidas com madeira. Puxei o capuz para mais perto do meu rosto enquanto caminhava e tentei me encolher mais na manta, além de ajudar contra o frio, poderia me ocultar.
Dando mais alguns passos à frente, senti o meu estômago embrulhar ao avistar alguns patrulheiros. Eles não me perceberam e tomei coragem para escutar conversa.
- Disseram-me que o Fruto Sagrado fora encontrado - um dos homens disse, cuspindo algo no chão. - Eu duvido. Ainda acredito que isso tudo seja uma notícia falsa apenas para alimentar nossa esperança.
- É. Precisamos de vosso deus diamântico sentado no sumptuoso trono. - Um que estava ao meio o respondeu, preocupado.
- Tive medo do que ele pudesse fazer depois que assassinou o próprio Adamas. - O patrulheiro apoiado em uma cerca onde sustentava algumas galinhas disse, observando um Turanti trabalhando. - Ele matou inúmeros homens de sua fé.
- Acredito que este tenha sido o desejo de vosso deus, afinal. - Um que estava com um elmo analisou e o respondeu, esperançoso. - É o nosso Fruto Sagrado. Aquele que nos dará a benção embora que não devêssemos confiar imediatamente. Abençoado seja vosso divino. Abençoado seja nosso Filho da Guerra e da Salvação.
Eles estavam falando de quem, afinal? De Ethan? Lembro-me de Tokson o chamar por Fruto Sagrado, mas não consegui entender o por que de Filho da Guerra ou da Salvação.
- Abençoado. - Ele respondeu. - Me disseram que um comerciante desgraçado ganhou tudo pela informação, mas garantiu distribuir cinco preus a quem trazer a Puta Antordem para ele foder. Você sabe, não é mesmo? - Ele cutucou o outro homem com um sorriso zombeteiro nos lábios.
Este que entendeu a indireta e sorriu com malícia nos lábios.
- Eu quero mesmo que encontre essa cadela suja! Ela é gostosa.
Engoli seco com um intenso frio na barriga. Eu estava com medo, ainda mais observando seu amigo patrulheiro responder o pensamento ao sacudir o que tinha no meio das pernas e ir para dentro de um estabelecimento caindo aos pedaços com algumas poucas mulheres de outras raças que não reconheci. Observei os arredores para garantir que a minha imagem não estivesse pendurada como a de Ethan estivera durante um longo tempo antes que eu mesma causasse a sua morte. Não encontrei nada e me certifiquei em disfarçar para tentar parecer tranquila. Somente mais uma civil caminhando. De qualquer forma, eles possuem muitas armaduras e numa corrida eu sei que posso vencer. Contudo, se eles decidirem pegar seus cavalos tudo fica mais complicado.
Olhei para a adaga que estava presa em minha mão e algo tangível começou a surgir. Eu não poderia levar essa adaga comigo para a Terra, é claro que eu tentaria entregar a alguém próximo de Ethan. É isso! Entregarei a Zelena, essa era a recompensa que poderia ajudar para que eu pudesse voltar para casa! Obrigada Ethan! Você salvou a minha vida mais uma vez e agora merece todo o descanso possível em outra vida.
Talvez Adamantem não mereça uma pessoa tão nobre quanto você. Não sei se conseguirei suportar ou esquecer a sua perda em algum momento, mas sou obrigada a continuar por você e por mim. Tendo essa adaga como uma boa moeda de troca, procurarei Zelena. Tenho quase certeza que ela me ajudará.
Com um sorriso esperançoso, ainda observando a adaga, me assombrei com a ideia de que qualquer um pudesse ler a gravura "Haavik" e imediatamente deduzir quem sou. Céus! Como não percebi isso antes? Guardei-a rapidamente entre o meu braço, dentro da manta e caminhei para a margem do arvoredo onde algumas carroças se dirigiam sobriamente. Suspiro quando consigo passar por todos os patrulheiros enfileirados depois de um tempo prendendo a respiração como se fosse ajudar a me encobrir mais.
Durante o caminho, de repente, senti os meus olhos oscilarem. Precisei me agarrar a uma estrutura de madeira para não cair como uma tábua no chão. Os meus dedos começaram a formiguejar de forma estranha, precisei apertar contra os olhos até que eu os sentisse voltar ao normal. Talvez devesse ser a fome. Estou horas sem comer. Ou então, a falta de adrenalina visando que toda aquela situação acabou me deixando destruída, mesmo que Ethan tivera tomado toda a minha dor antes de ir.
Suspirei ao lembrar do seu rosto sobre o meu. Dos seus olhos resplandecendo um tom vibrante de ciano, e novamente tentei levar os meus pensamentos a outras direções mais saudáveis. O frio não ajudava, a neve começou a cair mais intensa e eu precisava encontrar algum abrigo, mas como poderia? Mal sei onde estou ou para onde vou, e o que farei para comer. Talvez a melhor forma fosse tentar furtar algum comerciante.
Parei para um descanso, tentando planejar alguma forma de roubar comida. Minha energia parecia ser sugada lentamente. Não teria chances de roubar de algum desses Turantis ou Patrulheiros e até mesmo da Guarda Real. Tentei imaginar como Ethan agiria numa situação como essas. Como ele faria para ter um alimento? Ele era um caçador, obviamente sairia pela floresta para caçar. Mas caso ele precisasse de outro tipo de comida? Me levantei para parecer com ele por um momento.
- Devo estar séria o suficiente... - Pensei em voz alta.
Observar os arredores. Isso. Ele estudaria o ambiente primeiro assim como me disse uma vez. E assim eu fiz. Analisei as ruas sujas, um celeiro com um cheiro horripilante e fiquei brevemente com vontade de vomitar, mas me concentrei em estudar o comerciante com algumas belas frutas. Assim que cheguei perto de sua barraca, "aja como Ethan agiria", peguei uma fruta e a coloquei entre a capa, saindo normalmente como se nada tivesse acontecido e o comerciante nem se deu conta.
O coração começou a bater mais devagar, aliviada por estar em um ponto seguro e longe dos olhares. Caminhei um pouco mais para onde ficava o arvoredo e usei esse tempo para comer a fruta doce. O líquido escorreu pelos meus lábios até mesmo soltei um suspiro de satisfação.
Depois de um tempo, tentei não parecer assustada. Só mais uma parte da população tranquila quando Patrulheiros Diamânticos começaram a chicotear alguns Turantis. Mordi o lábio e fechei os olhos para tentar me distrair. Olhei brevemente para o outro lado e vi um serzinho acorrentado, era pequeno com orelhas achatadas. Parecia um cachorro igual ao que eu vi quando Ethan me dera o vestido.
Ele estava preso ao lado de algo que parecia um grande vagão fechado. Ele me observou atentamente como se soubesse que não sou daqui ou então como se tivesse pedindo por ajuda. Não pensei muito e meus pés logo fizeram com que eu caminhasse para onde a criatura estava. Minhas mãos já encontravam a corrente que prendia a criatura que permanecia assustada, eu até entendia. Nem eu mesma sabia muito bem o que estava fazendo, mas certamente ele poderia me ajudar a encontrar Zelena. Além disso, deixá-lo para ser torturado seria algo completamente cruel.
- Olha, você vai me ajudar a sair daqui, está bem? - Eu disse para o ser que continuou impassível.
Consequentemente, escutei alguns passos atrás de mim e rapidamente me virei na defensiva, com a adaga já em riste para qualquer que fosse a pessoa. Fiquei em silêncio. Minha garganta se apertou ao observar uma mulher velha, rechonchuda e com poucos dentes bons na boca.
- Esse aqui é meu, sai! Some daqui, sua ladra infeliz! - Ela resmungou, puxando o pequeno ser para a seguir.
Ela o guiou para dentro de uma trilha no arvoredo e de lá, por algum motivo inconsequente eu a segui. Se ela tem uma casa, logo, tem comida e abrigo. Além disso, preciso de informações precisas sobre Zelena Szereban. Sua identidade ainda é um grande mistério, Ethan não comentara nada de onde ficava, só me dissera que cobraria uma recompensa em troca da informação. Talvez, se eu conseguisse soltar essa criatura, ela poderia me ajudar.
Sendo assim, a segui e adentramos uma pequena fazenda. Me escorei em uma árvore quando olhou para trás. Não demorou muito e logo continuou. Lá, notei um campo ainda menor, perto de onde havia um outro Kekuen trabalhando. Uma de suas mãos carregava um instrumento com formato oval no qual as bordas imitavam uma lâmina afiada. A outra se mantinha firmemente fechada.
Ele empurrava aquilo contra a terra nevada e criava uma trilha profunda para alguns dos grãos que jogava logo em seguida. Fiquei impressionada e ao sentir mais segurança depois que a mulher sumiu com o Kekuen para dentro de sua casa, cheguei perto da outra criatura. Ele me observou com medo, talvez soubesse quem sou? Ou estivesse cogitando em entregar? Não me preocupei tanto em descobrir e me aproximei mais.
Ele largou o instrumento na terra e abriu um pouco a boca. Seus pés vermelhos e descalços pareciam queimar contra a neve. Seu corpo todo, com os poucos tecidos, parecia queimar contra a neve. Céus, ele deve sentir muito frio.
- Por favor, não fique assustado... -Tentei começar um diálogo. - Meu nome é Sara! Estou...
Logo fui interrompida quando um ganido próximo ao de um cachorro, só que mais humanizado, foi emitido. Eu, assim como o outro Kekuen, rapidamente corremos para onde sabíamos que havia saído o som.
Lá, observando a velha que estava de costas para nós dois e batia na criatura com grosseria - esta que estava já jogada de barriga no chão. -, quando se inclinou para o agredir mais uma vez, minha boca criou vida própria e dei um passo à frente:
- Pare! - Gritei e a velha se virou contra mim rapidamente. Num instinto de defesa, retirei a adaga das minhas roupas e a ergui para o seu peito. - Por favor, pare! Não quero lutar contra você, apenas, solte a criatura.
Ela apertou os olhos, demonstrando certa descrença.
- Você me seguiu até aqui? Estranho, você não me parece uma ladra muito experiente. Tem cheiro de carne de viajante... Carne de fracos. Não é daqui, não é mesmo?
Ela deu um passo que me fez recuar. Como Ethan agiria agora? Precisava pensar em suas técnicas, em seus golpes. Será que eu conseguiria lembrar de algum, caso travássemos uma luta? Afinal, o que estou fazendo? É claro que ter vindo até aqui foi uma péssima decisão. Eu e minha maldita boca. Mas, se eu não fizesse isso, como chegaria à Zelena sem arriscar ser entregue a Ordem Lapidada? Céus, eu não tenho outra saída.
Ela deu mais um passo à frente e então percebi o quanto eu estava distraída. Ela poderia ter me matado.
- Não se aproxime! - Gritei, erguendo mais a adaga. - Só me dê as criaturas, e alguns preus também, por gentileza. Ah! Comida, eu gostaria muito de poder comer algo.
- Você está me roubando? - Ela perguntou, ainda desacreditada, mas com um tom zombeteiro.
Semicerrei os olhos e pensei por um tempo. Estou?
- É... acho que estou sim.
Um sorriso amarelo se formou. Ela apoiou a mão em uma pequena mesa. Sem que eu fosse rápida o suficiente, arremessou um vaso contra o meu corpo que sem pensar muito bem o segurei para que não quebrasse, consequentemente deixando a adaga cair. Merda! O que eu fiz? Talvez eu tivesse agido apenas por instinto, uma pessoa normal seguraria um vaso para que ele não se quebrasse. Mas que merda, eu não posso ser uma pessoa normal no mundo do Ethan!
- Sua vagabunda! - Ela pulou contra a minha cintura e me derrubou no chão. O impacto do seu corpo e o contato da madeira com a minha coluna, fez com que eu me arranhasse e talvez quebrasse alguma coisa. Doeu e então eu gritei, esperando que ela tirasse seu corpo forte de cima do meu.
Começou então a socar o meu rosto e logo esticou o braço para agarrar a adaga caída ao lado dos nossos corpos. Estiquei os meus dedos até conseguirem encontrar o seu pulso e nossos braços brigaram sobre a madeira, disputando a adaga, enquanto uma tentava acertar soco na outra.
- Deixe essa adaga em paz! - Meu corpo agiu por impulso, minha testa foi parar contra a sua e ela gritou, sangrando junto comigo e caindo para o lado oposto à adaga.
Nesse momento, tentei resgatar a adaga de Ethan, mas assim que inclinei meu braço, ela se jogou contra mim novamente. Suas duas mãos percorreram o meu pescoço e começaram a pressioná-lo. Senti o meu rosto ficar vermelho, minhas veias explodirem em minha testa, o ar se esforçou para entrar e sair.
- Sua vadia, Antordem! - Praguejou, e um pouco do seu cuspe veio à minha boca que jorrava sangue após minutos em que ela a esmurrou. - Vou acabar com você!
Insistindo, me forcei mais a pegar a adaga de Ethan, enquanto os meus olhos lacrimejavam. Senti a saliência do diamante preso na ponta da empunhadura e comecei a fincar as unhas para trazê-lo para perto. Me forcei a um alívio quando encostei o couro no tato. Ela conseguiu ver e em resposta soltou uma mão do meu pescoço e me acertou outro forte soco no nariz. Ele estalou e jorrou. Gemi alto de dor, observando os Kekuens ainda com medo de fazer algo.
Não posso morrer assim. Não mesmo. Joguei meus polegares em seus olhos e os pressionei com toda a força que ainda existia em mim. Ela gemeu e caiu para trás após eu mesma tê-la chutado com os calcanhares. Tive um tempo para agarrar o meu pescoço e retomar o fôlego. Eu estava viva. Observei a nomenclatura "Haavik" e um frio subiu até a minha garganta. Segurei a adaga e a investi contra a sua perna. Ela tirou as mãos dos olhos para apoiar na nova ferida. Mas então, investi outra vez para não dar tempo. E mais outra vez, só que, contra a sua costela. A mulher se jogou para o chão e começou a gritar palavras grosseiras. Céus, o que eu fiz? No que eu me tornei? O que Ethan fez comigo? O quanto Adamantem poderia me mudar? Machuquei uma pobre mulher em prol de mim mesma.
- Me desculpe! - Disse, com pesar.
- Eu vou matar você! - Gritou.
- Por favor, pare de gritar! - Pedi, preocupada.
Ela gemeu, mas parecia ser menos por dor e mais por raiva.
- Eu juro que vou matar você! Sua puta Antordem! Vou picar você toda! Beber do seu sangue quando arrancar os seus membros, um por um e...
Agarrei outro vaso e o arremessei contra a sua cabeça. Ela caiu desacordada. Permiti me sentar para descansar e limpar o pouco sangue que jorrava da minha face com os cortes, depois de me obrigar a cuidar das feridas da mulher e amarrá-la contra uma cadeira para não correr o risco de acordar e me matar.
- Você está intacta... - Coloquei a adaga de Ethan contra o meu coração e suspirei intensamente. - Obrigada, Deus.
Sentindo algumas lágrimas lentas começarem a sair, esperei um tempo, jogada no chão. Observei os Kekuens me admirando. Agora pareciam estar mais tranquilos. Eles se aproximaram do corpo da mulher e até mesmo pensei que fossem soltá-la, mas em vez disso, conferiram se a corda estava bem apertada.
- Vocês podem me dizer onde mora Zelena Szereban? - Questionei aos Kekuens.
As criaturas se entreolharam rapidamente e não responderam. Mas apresentaram um desconforto com o nome da bruxa.
- Vocês não falam a minha língua? - Insisti.
Eles continuaram em silêncio.
Certamente isso era um problema, como conseguiria informação com criaturas que não falam a minha língua? Então, o silêncio se formou na casa. A minha respiração ficou mais alta e talvez eu até pudesse escutar o som da neve caindo. Era um silêncio perturbador, sufocante e então sequei o meu rosto, observei ao redor e decidi fazer algo para ocupar a minha mente. Não adiantava sair, precisava esperar ela acordar para conseguir informação, já que com os Kekuens eu tentei e falhei.
Com toda a tranquilidade que havia se formado, mal percebi o cheiro horroroso que estava na casa. Mofo, e além disso, carne podre. Improvisando alguns poucos instrumentos para poder limpar, comecei o trabalho, arrancando um pedaço de pano e tirando o excesso de sujeira dos cômodos medievais. Tudo velho, caindo aos pedaços. Bem que aqui podia ter uma TV ou um Notebook. O que será que eles fazem para passar o tempo? O que será que Ethan fazia para passar o tempo?
Sou interrompida quando sinto as mãos dos Kekuens em mim. Um deles segurou o meu vestido e o puxou três vezes. Observei-o confusa e então ele apontou para a mulher, acordada, observando as feridas limpas e com bandagens, além do lugar intacto.
- Que tipo de puta Antodem é você?! - Ela gritou, rapidamente.
Me aproximei.
- Olha, eu sinto muito por ter ferido você! Sabe, vocês são muito radicais aqui. Por favor, só seja cordial comigo, eu não queria nada disso, eu juro.
Ela se balançou na cadeira.
- Se eu me levantar daqui, vou acabar com você! Não terá o prazer de ser entregue e julgada pela Ordem Lapidada!
Engoli seco e me aproximei mais.
- Eu não quero mais ferir você, só preciso da sua ajuda! Chega de mortes! Eu não aguento mais mortes. Céus!
Ela dobrou a cabeça e sorriu maliciosamente.
- Quer a minha ajuda? Pelo meu deus diamântico, eu jamais ajudarei você!
Suspirei. Isso vai ser mais difícil do que imaginei.
- Olha, eu quero saber quem é Zelena Szereban, onde fica sua casa. Se me ajudar, prometo soltá-la e nunca mais incomodá-la. Chega de ódio, que tipo de Deus Diamântico é esse, que os faz agir desta forma tão hostil?
Ela cuspiu no chão, mostrando uma feição de nojo e logo começou a rir. Se balançou mais na cadeira, me fazendo dar um passo na defensiva, sem ter sucesso em se soltar, olhou para os Kekuens indignada.
- Tão esperando o que para me soltar, seus Glaudiamânticos miseráveis? Querem morrer junto com essa vagabunda?
Eles ficaram parados. Olharam-na firmemente, se aproximaram dela e mais uma vez eu pensei que fossem soltá-la. Mas eu estava enganada. Cada um ergueu uma mão para acertar-lhe um forte tapa no rosto como um sinal de desprezo. Ela gritou perplexa, se balançando mais na cadeira.
- Pelo visto eles mudaram de lado, devem estar cansados desses malditos julgos.
- Maluca! - Gritou loucamente e riu mais. - Acha mesmo que vai se safar dessa? Acha mesmo que vai conseguir fazer algo com esses dois imbecis? Eles não servem para nada!
Observei-os. Realmente, eles não seriam muito úteis caso a minha situação piorasse e eu precisasse de ajuda para lutar contra diamânticos fervorosos e com sede de sangue. Mas, se fosse em maior quantidade, talvez eu conseguisse algo. Bom, o que importa é que eles estão a salvo. Afinal, eles têm sentimentos, não merecem essa exploração.
Sem ter escolha, segurei firme a adaga Haavik e apontei para o seu rosto. Talvez, se eu conseguisse assustá-la, ela me diria algo sobre Zelena.
- Como chego até Zelena Szereban? - Questionei, levantando o queixo e aproximando a adaga do seu peito.
- Você não vai conseguir o que quer, criança.
- Eu não quero ter que machucar você. - Tentei parecer firme e apoiei a adaga em sua pele.
Ela sorriu.
- Vá em frente. Me machuque!
Merda! Eu não sou capaz disso, já havia falhado antes com Ethan, quem garante que agora eu conseguirei? Não importa, não estou em casa. Estou em outro lugar totalmente hostil e sendo assim, também preciso ser hostil. - Só feche a merda dos olhos e faça! - Pensei, desesperada.
Movi a adaga rapidamente, com os olhos blindados para não ter que ver o estrago. Porém a sua risada fez com que eu percebesse a tentativa de corte.
- Merda, faz isso direito. Se vai ficar fazendo esses cortes, me mata logo! Pensei que era boa nisso, mas aparentemente você é péssima em tudo! Só segura essa adaga e aperta fundo na minha pele!
Agora tenho certeza que é ela, a maluca. Olhei para a sua ferida, a qual eu havia limpado, e coloquei a adaga em cima. Céus, por que, Deus? Me ajuda, por favor! Me ajuda a sair disso.
Com as mãos trêmulas comecei a penetrar a adaga em sua carne, mas ela apenas riu. E isso me deixou enfurecida. Rispidamente apertei a adaga e de risadas, a sua boca deu vida a gritos lancinantes de dor. Meu coração ardeu. Comecei a gritar junto com ela, como se a sua dor estivesse em meu corpo. Mas não parei, apenas continuei.
- Por favor, só me diga logo! Eu não quero mais fazer isso! - Gritei, junto com ela.
Logo após os gritos, ela rapidamente começou a rir novamente.
- Você é ridícula, não consegue! Nunca conseguirá!
- Pare! - Gritei. - Por favor, pare!
- Maluca! - Ela continuou a gritar.
Então, gritei também, angustiada e soltei a sua ferida, correndo para fora da casa. Com a adaga na mão, senti um suor frio escorrer da minha testa e não me segurei para chorar. Tentei limpar o sangue que ficou marcado na nomenclatura da adaga. Eu sou fraca, nunca conseguirei chegar até Zelena. Nunca conseguirei sair de Adamantem. Nunca mais verei Chelsea!
O choro se tornou uma canção. Apoiei a palma da mão nos olhos e me permiti. Não me sobrou nada além da liberdade para chorar. A liberdade para ficar aqui, pensando em tudo o que fiz.
Depois de um tempo, uma lembrança surgiu lenta em minhas memórias. Não conseguirei torturá-la ferindo-a diretamente com a adaga. Mas certamente poderei torturá-la de outra forma que talvez eu possa ser experiente. Como Ethan mesmo havia me dito "uma de muitas formas de torturar alguém, é colocando-o de frente para uma pessoa que não para de falar." É isso! É exatamente isso que preciso fazer para conseguir.
Não será tão trabalhoso visando que a velha já está de saco cheio de mim. Apenas puxei uma cadeira e a coloquei em sua frente. Ela observou a adaga Haavik em minha mão, pareceu ler a nomenclatura e enfim me observou nos olhos.
- Está com sede? - Questionei. - Quer um pouco de água?
Ela balançou a cabeça e então peguei um balde com água e uma colher, para dar a água em sua boca. Ela tomou os primeiros goles, mas logo cuspiu tudo no meu rosto.
- Você é maluca! Quando eu sair daqui, vou acabar com você! Quebrar esse seu pescoço e ensinar como se tortura alguém! Eu prometo!
Respirei fundo e comecei.
- Está bem! Mas agora, eu, Sara Querina, a sentencio a tortura.
Ela rolou os olhos.
- Ah, cala essa boca. Aposto que foi a sua chatice que fez com que o Fruto Sagrado morresse e fosse entregue à Patrulha Diamântica.
Sorri. Mal comecei e ela já estava me mandando calar a boca? Isso é ótimo.
- Tem razão! Sou teimosa, tagarela e maluca. Ethan foi a única pessoa que me aturou, estou muito triste por tê-lo perdido.
Abaixei a cabeça. Suspirei, triste, e logo a levantei.
- Sinto muito, vai ter que ficar me escutando falar sem parar. - Puxei a cadeira para mais perto, analisando seus olhos enrugados. - E eu vou te contar tudo! Tudinho. Essa é a sua sentença.
A mulher bufou e balançou as pernas, impaciente.
- Não venha com histórias balelas. Me mate logo, se é que tem coragem!
Franzi a testa para parecer triste, mas por dentro, estava delirando de felicidade.
- Não quero matar você. - Respondi. - Quero alguém para conversar.
Sendo assim, comecei contando tudo. Desde o momento em que fui para o museu até o momento em que acordei aqui. Como Ethan me encontrou, como morrera e por aí em diante. Seus olhos estavam vidrados em algo inexistente. Não parava de bufar, resmungar, gemer de agonia. E mesmo com a garganta seca, eu não me permitia parar de falar por um segundo sequer. Ela precisaria ficar escutando eternamente até, deliberadamente, me ajudar.
- Merda! Chega! - Gritou como se tivesse escutado os meus pensamentos. Ela estava completamente fora de si. As veias de sua testa pareciam querer explodir. - Como consegue ser tão irritante!
Sorri orgulhosa, e ergui uma sobrancelha.
- Acho que é um dom pessoal. Mas ainda não terminei... Falta contar muitas coisas, inclusive como...
Ela me interrompeu com um grito de ódio.
- Eu conto! Eu conto, merda! - Disse, por fim, fazendo-me relaxar com um sorriso bobo no rosto.
Eu consegui!
- Me conte tudo. - Eu disse, séria.
Rolou os olhos.
- Se você acha que vai ser fácil, pode começar a se preocupar! Porque, sozinha você não vai conseguir chegar.
- Só me diga como chegar!
- Garota tola, para chegar lá é preciso um cavalo e longos dias de viagem. Dá para ir pelo litoral, mas estou crente de que você não possui um navio para chegar até a Costa Gélida. Bom, além dos perigos que encontrará durante a viagem eu digo: viajantes, ladrões, foragidos da Ordem Lapidada, raças selvagens como Jamalos, Kduatares, Lapidados do Vilarejo Malfarós, você terá grandes problemas para encontrar a casa de Zelena. Ela fica na Floresta Sombria, uma das piores florestas de Adamantem. Só corajosos vão para lá! Além de correr o risco de encontrar algum cavaleiro do Acampamento de Vidro Onixiano, há criaturas perigosas. Inclusive, bruxas onde as almas que condenaram navegam pelo rio.
- Bruxas? Como Zelena?
- É claro que não! - Respondeu, impaciente. - Deverás cavalgar e seguir pelo sul, até encontrar os primeiros cristais de gelo perfeito e também terá corvos no céu!
- Certo. Como chego na Floresta Sombria?
- Você precisará atravessar os Ermos Diamânticos aos rios Vohun. Em seguida, deve seguir cavalgando pelo oeste. Saberá que chegou pelas grandes árvores sagradas, as Reprozas.
- Certo. Eu agradeço muito! De verdade.
Me levantei, determinada, mas sem saber muito bem por onde começar. Todos esses nomes, Vohun, Reprozas, Floresta Sombria, Costa Gélida! Além de Acampamento de Vidro, nada disso é familiar, eu não fazia a mínima ideia de como conseguir informações durante o percurso. Talvez os Kekuens possam me ajudar a encontrar. Eles têm mais familiaridade com Adamantem, afinal.
Anoiteceu quando me aproximei das duas criaturas e comecei explicando o plano inicial. Procurar um cavalo, seguir pelo arvoredo, tentar se esconder o máximo possível da patrulha e nesse meio tempo, dormir em algum abrigo que encontrarmos. Os pedi para que juntassem mantimentos bons para que não passássemos fome ou frio durante a viagem. Eles não concordaram mas também não discordaram. Estava em dúvida quanto a opinião deles. Apesar disso, fizeram tudo o que eu pedi e pareciam saber melhor do que eu, como chegar até a Floresta Sombria. Esta que eles ficaram com medo nos olhos só pelo nome.
Preparei uma refeição com o que tinha dentro da fazenda e dei para os dois Kekuens. Convencidos ainda mais em me ajudar após estarem alimentados, eles começaram o trabalho de juntar todos os mantimentos. Enquanto isso, observei a mulher por alguns segundos, dei mais um pouco de água e até mesmo comida. Ela ficou em silêncio, analisando o meu comportamento. Será que estava esperando o momento certo para me atacar? Com medo, conferi a corda que a amarrava e saí.
Achei melhor ser sincera com os Kekuens caso algo desse errado e se eles não quisessem ir, não havia problema algum.
- Eu não sei se vocês podem me entender como eu gostaria, mas... como talvez compreenderam, eu vou viajar. - Apontei para as coisas amontoadas da viagem. Essa era a forma de me comunicar. Talvez, apenas pudessem me escutar mas não pudessem responder. - Eu não posso proteger vocês, então, entenderei caso não queiram partir comigo. Se forem, saibam que estou sendo procurada pela Ordem Lapidada, é riscoso para vocês ficar comigo. Podem ser pegos! Eu posso ser pega e se isso acontecer, corram, fujam. Não esperem por mim e não tentem me ajudar. Farei de tudo para deixá-los bem, vocês merecem.
Eles continuaram sérios e então um se aproximou mais e tocou a minha testa com a palma da mão. Ficou parado por alguns segundos. Não entendi exatamente o que estava fazendo, mas não me mexi, apenas esperei que tirasse a mão e puxasse a minha contra a sua testa, fazendo com que eu o imitasse.
Escuto um som pausado de palmas. Observo o outro Kekuen mas ele está em choque, estremecendo. E assim eu me levanto, olhando para trás e sentindo o meu coração querendo escapar.
- Você realmente é uma estúpida. As palavras foram bonitas... pena que todos vão morrer.
Se aproximou cambaleante pelas feridas, como um predador.
- Não! - Gritei, procurando pela adaga. - Vá embora!
- É tarde, menina. - Disse. - Já acionei a Patrulha Diamântica... Você realmente não conhece nada de Adamantem. Tão jovem, tão ingênua.
Acionou a patrulha? Como ela fez isso sem que eu visse? Deus, estou realmente encrencada. Lembrei-me de Tokson Hantt, de suas mãos asquerosas e engoli seco, com os nervos queimando.
- Por favor, nos deixe em paz! - Agarrei os Kekuens e comecei a correr, sem ter escolhas.
Tentando me esconder da velha louca, parei um tempo para analisar. Eu tinha a informação que precisava, agora é só fugir para algum lugar seguro. A velha não vai conseguir nos acompanhar tão bem, está ferida. Porém, para a minha má sorte, assim que observei a janela, me dei conta de que era o fim. Havia patrulheiros levantando suas armas para cima e gritando. Tochas queimavam contra a noite e risadas maliciosas soavam pelo ar.
- Peguem ela! - A voz de um patrulheiro criou vida na noite.
- Droga! - Resmunguei. - Não podemos lutar... Me mostrem outra saída da casa!
Então, sem saber se entenderam ou não, começaram a correr e eu os segui. Eles apresentaram uma saída pelos fundos, talvez pudesse ajudar, mas assim que colocamos os pés para fora, eles surgiram como um enxame. Engoli seco enquanto os patrulheiros começaram a vir em minha direção. Rapidamente e imprevistamente, um Kekuen correu contra o patrulheiro que apenas girou a espada e cortou sua cabeça fora. Não contive o grito de desespero em minha boca e agarrei o outro Kekuen, que logo fora arrancado dos meus braços pelo patrulheiro.
O que vou fazer agora? Não posso deixá-los morrer por minha culpa. Segurei a adaga com determinação e corri para o encontro de um, fiz um corte no ar e lembrei das aulas de Ethan quando o patrulheiro agarrou o meu pescoço. Fiz um corte em sua barriga e assim que ele se inclinou pela dor, o empurrei e puxei o Kekuen, mas uma flecha logo o acertou.
- Não! - Gritei, vendo o sangue do Kekuen escorrer até o meu pé.
- Tragam ela viva! - Disse um patrulheiro.
Tentei correr e o patrulheiro ferido logo me alcançou. Dei uma cotovelada nele quando me agarrou pela barriga e me levantou. Ele mal se importou, apertei a adaga para fincá-la em seu ombro mas ele segurou o meu pulso com força, me fazendo gemer de dor. Me arrastou e me jogou contra um vagão abafado, após rapidamente me prender com um grilhão.
- Espero que seja útil nos dongos!
Juntei uma grande quantidade de saliva e cuspi em seu rosto. Irritado, ele empurrou a mão para dentro do vagão e me acertou um forte soco no nariz.
- Eu realmente não sei como o Fruto Sagrado te aturou esse tempo todo... -Disse, limpando a saliva do rosto.
- Vamos indo! Tokson vai amar foder essa puta hoje. - Outro patrulheiro ordenou.
- Espera! - Gritei, desesperada, colocando minhas mãos algemadas na grade de metal do vagão. - Espera! Para onde vão me levar?!
O patrulheiro respirou fundo, se aproximou, colocou as mãos na grade também, bem como o seu rosto. Assim que abriu a boca para falar, foi interrompido por uma flecha que atingiu o centro de sua testa. O estalo do seu crânio me fez gritar. Rapidamente tirei as mãos da grade e caí pra trás. Tampei a boca para conter o desespero e não ser tão alarmante. Seja quem for, talvez também quisesse me matar.
- Merda! - Um patrulheiro gritou. - Vamos logo!
Logo, a voz do patrulheiro se transformou em um som aquoso de sangue. Não conseguia ver. Não conseguia dizer com precisão o que estava acontecendo. Era tangível os sons das flechas cortando o ar e acertando-os, bem como o de lâminas afiadas silvando. Estavam caindo, um por um. Me arrastei pelo vagão e me encolhi na sombra, esperando que quem quer que tivesse aqui, não soubesse de mim. Fechei os olhos e comecei a orar. A pedir a Deus para que não fosse o meu fim.
Escutei passos lentos e pacientes. O som da lâmina contra uma bainha de couro. Flechas sendo colocadas ou retiradas da aljava. Uma voz sussurrou algo no lado de fora para os mortos no chão, não consegui reconhecer como gostaria, apenas continuei minha oração.
Os passos ficaram mais altos, senti que já estavam de frente para a grade. A pessoa já podia me ver, sabia que eu estava ali. Veio justamente para isso, estava competindo com os demais diamânticos a recompensa de preus.
- Por favor... - Falei, baixinho. - Não me machuque.
Mas tudo continuou em silêncio. A minha respiração, agora, era a única coisa que podia ser inteligível. Era alta demais, desesperadora demais. Lentamente comecei a abrir os olhos para encarar meu novo destino.
Comecei a me enveredar contra a luz das tochas jogadas no chão envolta do vagão, que queimava o corpo dos patrulheiros. Então o reflexo do metal ficou vivo. A curva do capuz negro sobre a cabeça. As armaduras de couro. A aljava cheia de flechas com plumas negras. Uma das luvas que cobria apenas três dedos que iam na corda do arco, quando abriu o vagão para que eu saísse. Aquele arco grande preso nas costas. O cheiro familiar, confortante.
Era uma piada. Uma piada de mal gosto - pensei quando meu cérebro conseguiu raciocinar o que estava acontecendo e meus pés já começavam a encontrar o chão, fora do vagão. Desconfiada, continuei estudando o corpo alto e forte. As roupas um pouco rasgadas e negras. Era idêntico. Mas não podia ser. Não mesmo, ele estava morto.
Porém, para responder a minha surpresa, a máscara ridícula que cobria seu rosto começou a ser retirada. Um reflexo singelo também se formou, mas agora, nos olhos azuis de diamantes do homem que mais uma vez salvou a minha vida:
- Eu jamais machucaria você. - Enfim, com o sotaque vibrando na língua, Ethan Haavik me respondeu.