Capítulo 3 O Encontro de Dois Destinos

Jamie

Naquele dia não vi mais Jamie.

Evitei contato com qualquer pessoa na verdade.

Quando acordei pela manhã, me dei conta de que teria que reaprender a rotina da casa. Me levantei, troquei o meu pijama, e fui ao banheiro lavar o rosto e fazer higiene. Quando cheguei na cozinha pra tomar o café da manhã, percebi vários rostos novos, que não estavam aqui há alguns meses atrás. Assim como percebi que outros já não estavam por aqui. Fui percorrendo a mesa até encontrar os olhos de Jamie.

Já estava agarrado a uma xícara de café, e já tinha um sorriso no rosto. O que me deixava intrigada. Ele parecia mais feliz do que deveria pra quem estava em uma situação como a nossa.

Ava estava no fogão aquecendo água para fazer chá.

– Bom dia Sara. Sente-se, o café já está na mesa.

– Bom dia. - ainda era perceptível a dor e o desânimo na minha voz.

Quando terminei o café e levantei pra lavar minha xícara, Jamie estava na pia lavando a louça dele, quando viu eu me aproximando, logo esticou o braço pra pegar a minha louça e se ofereceu pra lavar. Eu apenas concordei, agradeci, virei as costas e fui para o jardim. Uma das coisas que eu mais gostava de fazer para ajudar nas tarefas da casa era cuidar da horta. Me ajudava a distrair a mente e passar o tempo até a hora do almoço, costumava passar o período da tarde na escola.

Com a mudança, também tive que trocar novamente de colégio, já que o outro ficava distante demais do Lar. Levei um tempo até ajustar toda minha rotina novamente. Mas uma coisa que não voltou comigo, foi a esperança de um dia ter uma família.

Eu estava abaixada colhendo alguns legumes da hora quando vi formar uma sombra acima da minha cabeça. Ergui os olhos e percebi que era Jamie, em pé, logo atrás de mim, impedindo que o sol me alcançasse. Ele abriu de novo aquele sorriso, só agora eu percebi como seus dentes eram bonitos, e notei que ele tinha a pele bronzeada.

– o sol tá bem quente hoje, você passou protetor solar? Está frio, mas ainda assim o sol pode queimar. - tirou o boné que tinha na cabeça e colocou na minha.

Por um momento senti meu rosto corar, e lembro de ter torcido pra ele não ter percebido.

– eu passei sim, mas obrigada pelo boné. Também gosta de hortas? - voltei minha atenção para os legumes enquanto esperava pela resposta dele.

– sim, temos uma em casa. Eu costumo cuidar dela porque minha mãe trabalha demais e quase não fica em casa, meu pai é viciado e uma vizinha denunciou ele, por isso eu to aqui. - até hoje me lembro do embrulho no estômago que eu senti quando ouvi aquilo, fiquei paralisada, na verdade fiquei chocada dele ter compartilhado uma coisa tão pessoal e particular comigo. Mal me conhecia, e falou de uma forma como se aquilo não o afetasse. - não estou muito preocupado, sei que minha mãe logo vai me tirar daqui.

Olhei pra ele outra vez, ele continuava na mesma posição, esfregando os braços enquanto falava. Estava vestindo um conjunto de moletom, e tive dificuldade se tava esfregando os braços porque estava com frio ou porque estava ansioso.

– Que bom, espero que não tenha que ficar aqui muito tempo. - limitei minha resposta, esperando que ele não quisesse ouvir minha história. Eu não era como ele, e ficaria pouco confortável contando minha história pra alguém que eu mal conhecia.

Voltei minha atenção para os legumes, ele baixou e me acompanhou. Ficamos em silêncio por um tempo e acredito que ele tenha percebido o meu desconforto, por isso não perguntou nada sobre a minha vida pessoal. Nos limitamos em falar sobre hobbies, colégio e coisas aleatórias.

Depois daquele dia eu e Jamie ficamos amigos. Ele me passava uma energia boa, pra ele não existia tempo ruim, e me ajudou a passar por aquela fase difícil da minha vida. De certa forma Jamie me fez voltar acreditar que ainda existiam pessoas boas. Mas eu sabia que ele não ficaria ali por muito tempo.

Em uma de nossas conversas ele me disse que era apenas um ano mais velho que eu e que não tinha irmãos. Estudávamos no mesmo colégio, mas não nos encontrávamos com frequência já que eram turmas diferentes e tinha círculos de amizades diferentes. Às vezes acabávamos voltando juntos da escola. Esse trajeto até passou a ser mais divertido com a presença de Jamie, ele costumava fazer de tudo pra me ver sorrindo, desde piadas extremamente sem graça, até fazer coisas na rua que me deixavam envergonhada.

Um dia ele saiu correndo em paralelo com um ônibus que estava diminuindo a velocidade pra parar em um sinaleiro, da calçada ele ficava fazendo careta para as pessoas que morriam de rir da cara dele. Por vezes eu fazia de conta que não o conhecia, e quando fazia isso ele ia, me puxava pelo braço e me obrigava a ficar do lado dele.

Não demorou muito até chegar o dia que Jamie mais esperava.

Certo dia, quando estávamos chegando ao Lar de acolhimento depois do colégio, havia um carro estacionado do lado de fora, pra mim era estranho, mas pra Jamie era família, ele me deixou e saiu correndo casa adentro como se estivesse procurando por alguém. Eu fui correndo atrás, e quando entrei em casa ele estava demorando em um abraço com uma mulher. Ela era alta, magra e tinha olhos castanhos. Os cabelos tão pretos quanto do Jamie e com traços muito familiares, na hora deu pra perceber que era sua mãe.

– Hoje você vai pra casa comigo filho.

Ela e Jamie não continham o brilho nos olhos e o sorriso. Jamie olhos pra mim, como quem buscasse algum tipo de aprovação, ou se como se quisesse se certificar de que eu estava bem. Eu forcei um leve sorriso. Por um lado eu realmente estava feliz por ele, e eu já esperava que esse dia chegasse. Mas Jamie com certeza faria muita falta nos meus dias.

– Mãe, quero te apresentar minha amiga Sara. Gostaria de tentar manter contato com ela, ela realmente foi uma amiga pra mim aqui nesse tempo. - Lembro de ter ficado envergonhada com as palavras de Jamie, eu realmente não esperava que ele fosse dizer aquilo. Eu não estava acostumada a ter muitos amigos, muito menos com manifestações de carinho.

A mãe dele assentiu. Ava já tinha preparado as coisas para Jamie partir. Então acompanhei ele até o carro. Por segundos me veio à memória o dia que me despedi da minha amiga Amélia, que também me fez juras de amizade eternas e nunca mais ouvi falar dela. Me questionava se seria da mesma forma com Jamie.

Jamie me pegou de surpresa quando se aproximou de mim e me deu um abraço, tão apertado que parecia me sufocar.

– Prometo não te abandonar Sara. Você é realmente uma amiga especial pra mim. Manteremos contato. Fica bem, e não desanima. A vida ainda vai ser muito boa com você.

Aquelas palavras penetraram meu coração.

Quando vivemos sem a esperança de dias bons, às vezes pequenas palavras podem mudar todo o rumo dos nossos sentimentos. Eu era grata pelo caminho de Jamie ter encontrado o meu, mesmo que por um curto espaço de tempo, acho que Jamie nunca soube o impacto que ele teve sob a minha vida, eu nunca tive a chance de dizer isso ele, ou talvez até tenha tido, mas a minha dificuldade de demonstrar sentimentos me impediu de deixá-lo saber.

Aprendi que algumas pessoas as vezes permanecem na nossa vida apenas por um tempo, mas nunca sem um propósito. Meu coração foi aquecido outra vez. Esse certamente era o propósito de Jamie. Vi ele indo embora naquele carro, e fiquei feliz por ele estar feliz. Era certo que amava a mãe e ansiava por voltar para casa. E eu torcia pra que ele nunca precisasse voltar para o lar.

Eu e Jamei mantivemos contato por aproximadamente um ano após ele ter saído do Lar de acolhimento. Na maior parte das vezes nossos contatos eram apenas na escola. Não tínhamos acesso a telefone naquela época.

Quando começou o próximo ano letivo, eu tive a surpresa de não encontrar mais Jamie no colégio. Fui de sala em sala, verificando a lista de chamada que ficava colada na porta, pra ver se encontrava o nome dele em alguma das turmas. Mas ele já não estava lá.

Depois disso, nunca mais tive notícias dele. Por muito tempo me peguei pensando nele diariamente, preocupada, me perguntava o que poderia ter acontecido. Torcia pra que ele estivesse bem e tivesse vivendo uma vida boa com sua família. Em alguns dias me peguei desejando que ele aparecesse de surpresa, nem que fosse só pra fazer aquelas palhaçadas que costumava fazer e que me arrancava sorrisos.

Meus dias já não eram tão felizes. Mas com um tempo ele foi deixando de ocupar a maior parte dos meus pensamentos. E agora lembro-me dele apenas em ocasiões esporádicas. Mas ainda tenho curiosidade de saber como ele está.

                         

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