Com amor, Holandês de Terceira
img img Com amor, Holandês de Terceira img Capítulo 3 Presente - Salt Lake City, Utah Holambra, Brasil Setembro de 2018
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Capítulo 6 Maio de 2007 - Salt Lake City, Utah img
Capítulo 7 Presente - Holambra, Brasil Setembro de 2018 img
Capítulo 8 Junho de 2007 - Salt Lake City, Utah img
Capítulo 9 Agosto de 2007 - Salt Lake City, Utah img
Capítulo 10 Outubro de 2007 - Salt Lake City, Utah img
Capítulo 11 Presente - Holambra, Brasil - Setembro de 2018 img
Capítulo 12 Outubro de 2008 - Salt Lake City, Utah img
Capítulo 13 Outubro de 2008 - Salt Lake City, Utah img
Capítulo 14 Presente - Holambra, Brasil - Setembro de 2018 img
Capítulo 15 Novembro de 2008 - Salt Lake City, Utah img
Capítulo 16 Novembro de 2008 - Salt Lake City, Utah img
Capítulo 17 Novembro de 2008 - Salt Lake City, Utah img
Capítulo 18 Presente - Holambra e região, Brasil - Setembro de 2018 img
Capítulo 19 Dezembro de 2010 - Denver, Colorado Salt Lake City, Utah img
Capítulo 20 Julho de 2012 - Denver, Colorado img
Capítulo 21 Dezembro de 2012 - Salt Lake City, Utah img
Capítulo 22 Presente - Holambra, Brasil - Setembro de 2018 img
Capítulo 23 Setembro de 2013 - Salt Lake City, Utah img
Capítulo 24 Presente - Rio de Janeiro, Brasil - Setembro de 2018 img
Capítulo 25 Março de 2016 - Salt Lake City, Utah img
Capítulo 26 Doreen & Peter - Março de 2018 img
Capítulo 27 Holandês de Terceira img
Capítulo 28 Chuva de Pétalas - Holambra, Brasil - Setembro de 2018 img
Capítulo 29 Epílogo - Salt Lake City, Utah img
Capítulo 30 Agradecimentos e Nota da Autora img
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Capítulo 3 Presente - Salt Lake City, Utah Holambra, Brasil Setembro de 2018

Acordo sobressaltada com o som do celular despertando e aperto o botão para desliga-lo antes que mais alguém acorde. Olho para a janela e percebo que lá fora ainda está escuro, exatamente como eu planejava. Levanto-me ainda desorientada e vou para o banheiro onde tomo um banho rápido, escovo os dentes e guardo em uma bolsa pequena alguns produtos de higiene pessoal. Assim que retorno para o quarto, jogo algumas peças de roupas dentro de minha mala de viagens, tentando não fazer barulho.

Percebo minha respiração ofegante e sento na cama para controla-la o mais breve possível, caso contrário nada do que planejei dará certo.

Assim que vejo tudo pronto, reviro minha escrivaninha em busca de uma caneta e papel, no qual escrevo um bilhete para minha família. Em seguida, desço as escadas para grudar o recado na porta da geladeira e, sem querer acabo tropeçando em um dos brinquedos de meu irmão mais novo e termino de cara no chão.

Odeio quando Joe deixa as coisas dele espalhadas pela casa!

Levanto-me arfante e vou à cozinha onde coloco meu bilhete grudado na porta da geladeira com um imã de girassol. Assim que termino o serviço, pego minha mala de rodinhas, bolsa de mão e vou em direção à porta. De repente, ouço alguém caminhando em minha direção e, quando reconheço as pisadas, paro de andar já franzindo o cenho, agora que preciso explicar minhas ações.

– Doreen? Onde está indo? – Pergunta Joe, meu irmão caçula, com seus olhos azuis brilhantes. Me abaixo e fito seu rosto angelical assim que ele chega mais perto de mim. – Você está indo embora?

– E-eu... eu preciso fazer uma pequena viagem, Joe! Você pode manter esse segredo? É algo que preciso mesmo fazer.

– Não vai se despedir do papai?

– Eu não quero despedidas. Por favor, Joe...

– Ele vai ficar preocupado, Doreen!

– Eu sei, Jô, mas eu preciso ir mesmo assim. – Respondo com raiva de seus traços de personalidade idênticos aos de nosso pai. – Nos vemos em breve, Okay?

Joe me fita com o semblante tensionado, o que o faz parecer mais velho, devido à pouca luminosidade do ambiente. Dou um beijo em sua testa e ele retribui o gesto com um abraço apertado, ao qual me entrego sem reservas. Logo em seguida pego minhas coisas, abro a porta e caminho em direção ao meu carro. Já acomodada no banco do motorista, encaro meu irmão ao longe encostado na porta. Lanço-lhe um sorriso, ligo o motor e parto, sem olhar duas vezes para trás.

* * *

Chego atrasada ao aeroporto, no entanto, a moça não cria problemas com isso, simplesmente olha a passagem que eu trazia nas mãos, acena positivamente com a cabeça e sorri, deixando o corredor livre para eu passar. Caminho até a aeronave e uma aeromoça me recebe com outro sorriso aberto, desejando-me "boa viagem" e eu agradeço com "obrigado" pouco audível.

Dentro do avião há poucas pessoas, o que torna o serviço das aeromoças mais fácil. A cada trinta minutos uma delas me pergunta se preciso de algo ou então recebo algum lanche como cookies, suco, barras de cereal ou uma lata de refrigerante. Boa parte deixo de lado, já que meu estômago ainda não se acostumou a comer como antes.

A viagem dura mais do que o site da companhia aérea previa e quando chego ao Brasil, dou glórias aos céus. Assim que passo pelo setor de desembarque avisto um senhor de meia idade, usando óculos escuros, terno cinza e segurando firmemente uma placa com o nome Stra. Doreen Scott, o que me faz pensar que talvez seja o motorista do carro que aluguei.

Cumprimento o senhor que atende pelo nome de Manoel Rodrigues e ele carrega minha mala até o automóvel para guardá-la no bagageiro. Em seguida, abre a porta do carro para mim e quando me acomodo no banco do passageiro, o Sr. Rodrigues segue para o assento do motorista. Alguma coisa nele me lembra do Advogado Harvey Specter da série Suits, principalmente quando abotoa ou desabotoa o paletó ao se sentar e levantar.

Partimos em direção à Holambra e, durante o percurso ele fala bastante sobre as belezas do Brasil, afirmando que nunca me esquecerei dessa viagem. Tento acompanhar o que ele diz, mas percebo que meu português está um tanto enferrujado, então me mantenho calada durante quase toda a viagem, olhando para um dicionário de português que lembro de ter comprado ainda no ensino médio.

O Sr. Rodrigues aponta vários locais que passamos e conta diversas histórias das cidades, no entanto pouco dou importância, tanto pela vontade de chegar logo ao meu destino, bem como por não estar com meu humor 100%. A única coisa que mais me chama atenção é o modo como as pessoas são tão diferentes das que convivo. A viagem não demora tanto e, assim que ele estaciona em frente ao hotel, me entrega a chave do carro, já que decidi alugá-lo pela quantidade de dias que estarei na cidade.

Quando saímos do automóvel, o motorista se despede gentilmente e, após retirar minha mala do bagageiro, some minutos depois sorrateiramente. Fecho a porta do carro atrás de mim, olho para a entrada do Top Centrum Hotel e respiro fundo. O céu parece ter sido pintado de cinza há poucas horas, tornando-o um pouco assustador. Uma brisa gelada sopra de repente e me abraço com força esfregando meus braços.

Caminho três passos antes de decidir passar ou não pelas portas suntuosas hotel à dentro e em seguida continuo o percurso. O prédio é feito de pequenos tijolinhos, o que dá a impressão de ser rústico, no entanto enquanto estou entrando percebo que o local é muito elegante e, pouco como se imagina ao estar do lado de fora.

Logo próximo à entrada há um pequeno balcão onde vejo um bebedouro, bandejas com xícaras, copos e garrafas com café ou talvez chá. Adiante, no balcão principal, há duas recepcionistas, uma que aparenta estar na casa dos vinte e outra que penso já ter passado dos trinta.

Coloco minha mala perto de um sofá estampado e reparo um quadro grande de tulipas laranja e sorrio lembrando-me das flores da minha floricultura. Olho mais ao redor tentando absorver o ambiente à minha volta e concentro-me no que vou dizer. A menos ocupada e da casa dos trinta, ajeita os óculos no rosto e diz sorridente:

– Boa noite, em que posso ajudar?

Tive aulas de português no ensino médio, passei quase três anos estudando com rigor todas as regras gramaticais e assistindo filmes legendados pelo simples fato de achar a língua portuguesa uma das mais difíceis e desafiadoras. Deixei de praticar quando fui à faculdade, mas quando voltei para casa retomei os estudos, apesar do pouco tempo disponível. Lembro-me de não ter conseguido falar quase nada com o Sr. Rodrigues, o que me faz ficar triste. Possivelmente ele me achou a pior gringa do mundo. Respiro fundo e tento colocar em prática o que aprendi a partir dos dezesseis anos de idade.

– Boa noite. – Limpo a garganta. – Eu reservar um quarto no nome de Doreen Scott.

A mulher esboça um meio sorriso ao perceber meu sotaque.

– Ohh, sim! Uma semana, correto? – Ela fala depois de apertar algumas teclas em um computador meio escondido atrás do balcão.

– Yeah! Por enquanto.

– Você é americana? – Perguntou a atendente da casa dos vinte, quando conseguiu terminar o serviço que a mantinha ocupada até então. – Perdão! Boa noite!

– Boa noite. – Digo sem jeito. – Sim, eu ser americana. – Tento mostrar um sorriso cativante.

– Seja bem-vinda à Holambra! – Ela diz em tom efusivo.

– Muito obrigada!

– Imagino que a viagem tenha sido cansativa! – Disse a outra atendente.

– Não imaginar o quanto! – Digo franzindo o cenho, percebendo que minha fala está muito robótica e possivelmente errada.

– Bem, se quiser pedir comida no quarto a serviremos com prazer. É só ligar aqui na recepção. Preparamos um excelente apartamento para a senhorita!

– Muito obrigada!

– Muito bem... – a recepcionista diz mais com o computador do que comigo. – Okay! Quarto nº 103. Yuri – ela chama alguém – acompanhe a Srta. Scott até o quarto 103, por favor!

Yuri, um rapaz formidável com aparentemente dezessete anos, vestido em uma roupa parecida com a das recepcionistas, me cumprimenta cordialmente, pega minha mala preta de rodinhas e caminha pelo corredor lateral, onde imagino encontrar-se o elevador. Passamos em frente a uma porta dupla de madeira, iluminada por três lâmpadas, que tem uma parede com texturização cercando-a, como que para protegê-la de algo. Logo ao lado há uma plaquinha prateada com um T, que concluo ser de Top Centrum e mais abaixo da letra, uma pequena flor vermelha com folhas cinza, que penso se tratar da logo marca da empresa, já que está estampada em vários lugares.

Antes do elevador abrir, olho para trás e vejo uma entrada à direita, onde há um lindo restaurante. Meu estômago ronca alto quando vejo algumas comidas no balcão e, segundos depois o barulho das portas do elevador se abrindo me chama de volta à realidade. Assim que entramos, percebo que o espaço tem espelhos por todos os lados e uma luz branca fluorescente emana acima de nós. Olho para o garoto e tento mais uma vez sorrir, mas ele percebe que não estou cem por cento no momento.

– Os Estados Unidos ficou chato e a senhorita decidiu vir para o Brasil?

Pondero a pergunta de Yuri encarando meu reflexo no espelho à frente.

– Algumas vesses... – franzo o cenho tentando lembrar a palavra – o lugar cansar de você e mudar é melhor nesses mo-momentos para colocar a cabeça no lugar!

– Então se considere no lugar certo! Holambra tem muito a oferecer! – Ele diz sorrindo após ficar com cenho franzido em minha direção por alguns segundos, possivelmente querendo entender o que eu disse.

– Eu esperar que sim! – Consigo sorrir de verdade para o rapaz ao meu lado.

Suspiro visualizando o corredor à minha frente, assim que a caixa de metal se abre. Yuri caminha até uma porta de madeira. Vejo o número do quarto posto de forma bem criativa no canto, acima da maçaneta com uma florzinha, igual à que vi na placa ao lado da porta dupla no andar inferior, o que dá delicadeza e sofisticação à porta.

Quando entro no quarto fico ainda mais encantada. Uma bancada de trabalho feita à madeira, juntamente com uma cadeira marrom se encontram próximo à porta. Adiante há uma mesa de jantar com quatro cadeiras e em uma entrada à direita, vejo uma pequena cozinha. Perto da janela há um sofá e uma televisão enorme e em outras duas portas encontram-se o banheiro e o quarto, com uma cama de casal coberta por um cobertor floral e quatro travesseiros divididos em pares. Em um criado-mudo à esquerda da cama vejo um abajur estilo vintage, o que me faz gostar ainda mais do apartamento. As duas cortinas do local estão fechadas, então faço questão de abri-las o quanto antes para ver o que está acontecendo na pequena cidade.

Vejo Yuri em pé, ao lado de minha bagagem, talvez esperando alguma coisa. Abro minha bolsa, tiro cinquenta dólares e entrego ao rapaz. Ele me olha boquiaberto e sorri.

– Uau! Aqui isso vale o triplo! – Ele diz empolgado. – Tenha uma ótima estadia, senhorita! – Ele me cumprimenta curvando-se para frente, como se estivesse na presença de alguém da realeza, o que me faz sorrir.

– Obrigada, Yuri! Até mais! – Fico feliz com a empolgação dele.

Ele sai e fecha a porta. Sozinha, pego minha mala e jogo em cima da cama, destravo-a e logo em seguida puxo os zíperes. Olho para a pilha de roupas mal dobradas, não tive muito tempo para arrumar nada. Os dias anteriores foram cansativos e terríveis, e apesar de eu ter analisado muitas cidades e hotéis, essa viagem foi de surpresa. Viro a mala e deixo cair tudo em cima da cama para colocá-las no guarda-roupa da melhor forma possível.

Quando termino, tiro toda a roupa do corpo, pego a toalha do hotel e entro no banheiro que é decorado nas cores bege e branco. Vou para dentro do Box, ligo o chuveiro e deixo a água me molhar enquanto analiso meus pés descalços em estado de transe. Fico tanto tempo na mesma posição que quando ouço meu telefone tocar dentro de minha bolsa de forma abafada, dou um pequeno pulo de susto.

"Ele viu o bilhete."

Não dou importância ao toque e decido continuar meu banho. Ao sair, caminho até a janela e fico olhando o pouco movimento. Holambra, a cidade das flores, é pequena e de cultura holandesa. De acordo com o que eu vi no Google, ela surgiu no contexto histórico da segunda guerra mundial, quando os lavradores e agricultores holandeses ficaram sem terras na Holanda e depois de certas parcerias com o Brasil, muitos vieram tentar uma nova vida por aqui.

Não tenho nenhuma ligação com brasileiros, mas amo flores. E, por isso, neste momento de minha vida, decidi vir para um lugar que me desse a calma e tranquilidade que somente Holambra poderia me proporcionar. A situação é irônica porque ao vir para cá, uma das cidades mais romântica do Brasil e de cultura holandesa, faz-me lembrar dos acontecimentos dos dias passados, bem como da dor em meu peito, que ainda não cicatrizou.

Dou um longo bocejo e sinto meus olhos pesarem. Tudo o que preciso neste momento é de descanso, visto que a viagem foi imensamente cansativa. Meu telefone toca mais uma vez e vou até minha bolsa. Desde quando o liguei novamente, ele não para de tocar um minuto sequer.

Chamadas perdidas: 137. Mensagens: 92. O aparelho começa a vibrar mais uma vez e o jogo na cama já me afastando. Vou ao guarda-roupa e pego um pijama amassado e roupas íntimas. Passo meu óleo de rosas por todo o corpo e me visto em seguida. Quando pego novamente o aparelho, vejo: Chamadas perdidas: 139. Mensagens: 94. Abro-as e começo a ler.

"Onde vc está?"

"Você viajou?!?"

"Doreen, me ligue!"

"Eu vou esperar você entrar em contato comigo."

"Doreen, estou preocupado. Já fazem 18h que vc não dá nenhuma resposta. Onde vc está? Todos estão preocupados."

Antes de terminar de ler as mensagens, apago todas e desligo o telefone, após tirar as notificações de ligações perdidas da barra superior. Ligo na recepção e peço duas porções de macarrão no quarto. Em seguida, ligo a televisão para esperar minha comida, afinal estou faminta!

Passados quase quinze minutos do filme que comecei a assistir, sem ânimo para trocar de canal, meu macarrão chega e, por incrível que pareça, o devoro em poucos segundos. De barriga cheia, vou até o banheiro escovo os dentes e analiso meu rosto no espelho por alguns segundos.

"O que você fez, Doreen?"

Desligo a televisão, as lâmpadas do apartamento e vou para a cama. Olhando o teto branco no escuro lembro-me dos dias passados, com certeza os piores da minha vida. Sinto lágrimas escorrerem de meus olhos, enxugo-as rapidamente, virando-me de lado e me cubro até o pescoço.

Muitas vezes nos indagamos a respeito do que faríamos em determinadas situações, situações estas que nunca imaginamos poder acontecer conosco. E, infelizmente, quando elas veem a ocorrer é tarde demais para evitar as consequências.

            
            

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