Ao longe, dentro dos corredores e de um dos diversos quartos preparado para cada candidata; Illis examina uma criatura deitada ao lado da cama... no chão. Estava encolhida e absurdamente serena, como se nada fosse capaz de abalar sua paz, como se não estivesse alí para lutar até a morte para provar que merecia continuar viva. Contudo, era um erro olhar demais, mas Illis não pensou nisso na hora, era a primeira vez que ele via uma criatura da água em terra firme, já que raramente eles se permitiam a andar entre os outros desde a guerra em que cooperaram para destruir o rei dos vampiros.
A mulher é pálida, de lábios cheios e naturalmente rosados. Nariz pequeno e arrebitado, seu rosto redondo é estranhamente fofo e por um curto segundo ele pôde notar uma covinha em sua bochecha direita.
Repentinamente um dos sentidos de sobrevivência da menor acordaram abruptamente. Seu corpo reagiu por impulso, levantou-se rápido sem dá oportunidade para que o homem de cabelos pretos e grandes pudesse se defender, ela o derrubou no chão, debruçando seu corpo minúsculo por cima do dele à medida que retirava uma adaga da flor que estava no lugar que deveria ser seu olho direito, a mesma posicionou e pressionou a lâmina afiada em sua garganta, a flor phalænopsis continuou aberta, pronta para atacar quando fosse a hora.
Os cabelos brancos caíram ao redor do homem que a olhava em contemplação e assombro.
- O que você está fazendo aqui? - rangiu os dentes, ela pressionou com mais força a faca, consequentemente um pequeno filete de sangue escorreu lentamente pelo pescoço macilento, manchando a pele branca com cetrino.
- Estou as ordens do rei - respondeu, sem deixar se abalar.
Entretanto, Galatéia não prestava atenção nisso, ela focava na pequena gota de sangue que ainda fazia sua caminhada pelo pescoço do homem deitado abaixo de si, suas pupilas estavam dilatadas, a boca entreaberta, a flor murchava não o identificando como uma ameaça. Então o frescor de sangue e suor, misturado com algo crítico porém doce adentrou sua narina de forma violenta, atravessando suas veias causando-lhe dor. Sem pensar, ela enterrou seu rosto no pescoço dele, inalando seu cheiro, sua boca salivando.
- Você é humano! - rosnou, se jogando para longe dele, como se fosse uma praga. - Por que diabos o teu dono te mandou até a mim?
- Ele não é meu dono.
Illis parecia ofendido, contudo logo se recompôs. Levantou-se do chão da forma mais elegante que podia, sem demostrar suas verdadeiras emoções, ele rezava para os deuses que ela não ouvisse seu coração batendo de forma assustadoramente rápida e estrondosa.
- Está na hora do seu treinamento.
- Treinamento? - riu. - Você está brincando, certo?
Illis permaneceu com a expressão inabalável.
- Okay, espere eu me arrumar - aceitou contragosto.
Ela encobre seu rosto ficando de costas, depois de uns segundos retorna com seus olhos vidrados nele. A phalænopsis que antes parecia em posição de ataque, não estava mais alí. Apenas um olho comum e violáceo... porém mudaram de cor rapidamente, se tornando cinza e desguarnecido. Ela passou as mãos pelos cabelos, o que fez com que o homem deslizasse o olhar sobre seu pijama miúdo que fazia seus seios quererem saltar para fora, os olhos de Illis se demoraram mais do que deveria naquele lugar.
Engolindo em seco, anunciou:
- Te espero no campo de treinamento.
Galatéia viu ele saí do quarto praticamente correndo. Sem se importar foi até o guarda-roupa, onde havia trago suas coisas e as colocado lá. Uma batida na porta a fez desviar sua atenção. Uma garota pequenina entra em seus aposentos com panos de cama limpo em cada mão, seus traços são delicados fazendo-a parecer uma humana de dez anos, contudo as orelhas pontudas denunciavam quem era.
- Eu vir arrumar seu quarto - sorriu timidamente.
- Fique à vontade, estou apenas em busca de algo para vestir no momento - retribuiu a gentileza.
Contudo a garota continuou parada, fitando-a com veneração, sua boca pequena e desenhada como um arco de cupido entreaberta, seus olhos anil estavam brilhando de excitação por estar perto da rainha. Se sentindo desconfortável, Galatéia se virou para ela, tossindo falsamente.
- Algum problema? - indagou.
A menina saindo de um transe, piscou diversas vezes até conseguir dizer algo coerente.
- Oh, sim! Sim sim sim, sim - fez um gesto positivo com a cabeça, para cima e para baixo diversas vezes. - E-eu me chamo Dáiríne e sou uma grande admiradora sua.
Galatéia fez uma careta.
- Que... bom? - arriscou, sorrindo um pouco. - Fico realmente tocada por isto, Sra... Dá o quê?
- Dáiríne, minha rainha.
- Isso - concordou, então enrugou a testa em confusão. - Mas o que realmente fiz para ser admirada?
- Aí, meu Deus. Você é uma rainha! - disse o óbvio.
Gall esperou que ela dissesse algo a mais, porém ela havia entrado em seu estado entorpecido novamente. Ela estalou o dedo na frente do rosto da outra, assustando-a.
- Aí meu deus, claro que não é apenas isso! -se explicou. - Você me salvou na guerra e eu me lembro de a ter observado a lutar desde o início, saiba que estou torcendo fervorosamente por você! - fechou as mãos em punho e sorriu radiante.
A garota de cabelos brancos sentiu seu estômago embrulhar. Não passou pelos mesmos traumas que Azhill, mas a guerra também havia deixado cicatrizes nela que nem todas as décadas foi capaz de curar, mesmo criaturas como ela sendo totalmente desprovida de emoções era complicado não ter que lembrar da carnificina.
Ela lutou contra o seu povo e constantemente conseguia se lembrar, contragosto, de como se sentiu quando decepou-lhes a cabeça; o gosto amargo da traição descendo por sua garganta e esquentando seu estômago, o calor se acumulando na garganta e a ânsia em querer chorar. Porém eram ordens e ordens não podem ser contraídas. Às vezes temos que aceitar que para se chegar a paz o ato de fazer coisas horríveis se torna necessário.