Damião se voltou para mim, o rosto bonito contorcido numa mistura familiar de irritação e paciência falsa. "Alana, só por um instante. Preciso tirá-la daqui. Ela está tendo mais uma crise de pânico."
Era o roteiro de sempre. Antes que eu pudesse protestar, ele já conduzia Evelyn para longe do altar, a afastando dos convidados, para longe de mim.
Mas desta vez foi diferente. Ele não se foi de verdade. Voltou. O carro parou ao meu lado enquanto eu permanecia congelada nos degraus da igreja.
"Entre", ordenou ele.
Eu não me movi. Ele agarrou meu braço com força, cravando os dedos na minha pele, e me empurrou para o banco do passageiro. Um rasgo suave cortou a seda do meu vestido.
Dirigimos por horas que pareceram uma eternidade, deixando a cidade para trás. Até que a estrada virou apenas uma trilha de terra cercada por mata fechada.
Ele estacionou o carro numa clareira isolada. "O que você está fazendo, Damião?", perguntei, com a voz trêmula.
"A Evelyn precisa se acalmar", disse ele, frio. "E você precisa aprender o seu lugar."
Ele saiu do carro, o contornou e me puxou para fora, com uma corda em sua outra mão.
"Não tente lutar comigo, Alana", avisou ele.
Ele me empurrou contra um grande carvalho e amarrou meus pulsos ao tronco, apertando a corda com força. A casca áspera arranhava minhas costas através do tecido delicado do vestido.
Minutos depois, outro carro chegou. Evelyn surgiu, seu rosto agora sem a palidez anterior, estampando um sorriso cruel.
Ela se aproximou e me deu um tapa que queimou a pele. "Isso foi divertido", disse ela, sacudindo a mão. "Mas meu pulso doeu. Sou delicada demais para isso."
Ela se virou para Damião, com um beicinho. "Damião, meu amor, minha mão dói. Você pode fazer isso por mim, por favor?"
Ele olhou para ela, e a expressão de preocupação profunda que jamais demonstrou para mim apareceu em seu rosto. "Claro, Evelyn. Tudo por você."
Então, ele caminhou até mim. Olhei nos olhos do homem que amei, que jurou me proteger. Não vi nada além de frieza e dever para outra mulher.
"Isso é por ter deixado a Evelyn nervosa", disse ele, com calma.
Então ele me bateu, com sua palma aberta. Não uma vez ou duas, mas dez vezes.
Minha cabeça balançava, o mundo ficou embaçado e senti o gosto metálico do sangue.
Finalmente, ele parou, respirando pesado. Parecia satisfeito.
Minha cabeça pendia, e meu lindo vestido de noiva estava sujo de terra e sangue.
Toda resistência havia me abandonado. Meus olhos estavam vazios. Eu estava derrotada.
Damião estendeu a mão e limpou, com o polegar, um filete de sangue do canto da minha boca. O gesto grotescamente terno me enojou. "Você sabe como ela é frágil, Alana", murmurou ele. "O pai dela foi meu mentor. Eu devo tudo a ela."
Se endireitando, ele avisou: "Volto para te buscar mais tarde. Assim que Evelyn se acalmar."
Ele voltou para o carro, pegou Evelyn nos braços e a colocou no banco do passageiro com cuidado. Enquanto se afastavam, ela olhou por cima do ombro e me deu um aceno vitorioso.
No momento em que sumiram de vista, uma onda de náusea e raiva me atingiu. Tossi, e um jato de sangue manchou meu vestido branco.
Minha mente voltou no tempo. Lembrei da primeira tentativa de casamento, um ano atrás. Estávamos no altar, cercados de familiares e amigos.
De repente, Evelyn, uma das convidadas, gritou e avançou sobre mim. Rasgou meu véu e arranhou meu rosto com unhas afiadas. Damião correu até ela, a envolvendo em seus braços e murmurando palavras de conforto, enquanto meu sangue escorria e eu mal conseguia respirar. Acabei no hospital com arranhões tão profundos que quase deixaram marcas permanentes. O médico disse que eu tinha sorte. Sorte? Eu não sentia nada disso.
Seis meses depois, tentamos um casamento mais discreto, algo íntimo e privado. Mas Evelyn, sempre calculista, 'acidentalmente' tropeçou enquanto carregava uma chaleira de água fervente, mirando em mim. Clara, minha melhor amiga, me empurrou e acabou queimando o braço. Evelyn gritou de dor ao receber alguns respingos, e Damião, ignorando a gravidade do ferimento de Clara e meu desespero, decidiu puni-la por 'agredir' Evelyn. Quebrou o pulso dela bem diante dos meus olhos, enquanto eu implorava para que parasse.
Como se isso não fosse suficiente, para acalmar Evelyn, ele ainda 'acidentalmente' bateu a porta do carro na minha mão direita, minha mão de pintar, a mesma que me havia tornado uma das artistas mais promissoras da minha geração. Os ossos se estilhaçaram. Minha carreira acabou naquele dia.
Foi nesse momento que finalmente tomei uma decisão: queria terminar o noivado.
Ele se ajoelhou diante de meus pais e de mim, lágrimas escorrendo pelo rosto, implorando por outra chance. "Eu juro, Alana", disse engasgando. "Isso nunca mais vai acontecer. Eu te amo tanto."
Olhei para ele, para aquele teatro perfeito, tão convincente. E percebi a verdade. Tudo era mentira. Uma risada amarga escapou dos meus lábios, quase sem querer.
Agora, sozinha na mata, o frio se infiltrava nos meus ossos, cortando como lâminas. A chuva caiu forte, gelada, ensopando meu vestido rasgado e grudando meus cabelos na minha face. Eu tremia sem conseguir controlar meu corpo.
Minhas bordas de visão começaram a escurecer. A consciência estava se esvaindo.
Não. Eu não podia morrer ali.
Mordi meu próprio lábio com força, a dor me trazendo de volta. Precisava ficar acordada. Precisava viver.
Meus pais. A ideia deles me encontrando assim... E o que Damião faria com os negócios da família se eu morresse... Era isso que me mantinha firme. Mas a dor era intensa, pulsando em cada parte do corpo. Mas meu corpo cedia lentamente.
Meus olhos se fecharam.
A próxima sensação não foi de frio, mas de calor: uma agulha perfurando meu braço. Eu estava aquecida e seca.
Abri os olhos lentamente. O teto era branco, o cheiro de antisséptico dominava o ambiente. Estava em um hospital.
Tentei me mexer, mas meu corpo protestou com dor.
"Alana? Oh, querida, você acordou!" Era a voz da minha mãe, embargada de lágrimas. Ela correu até a minha cama, com seu rosto misturando alívio e preocupação.
"Nunca mais me assuste assim", ela disse, soluçando e segurando minha mão com força. "Se algo acontecer com você, eu não consigo viver, Alana. Não consigo."
Apertei sua mão com dificuldade. Minha garganta ardia, como se estivesse em brasa.
"Mãe", murmurei. "Meu celular." Falar era um esforço doloroso. Engoli com dificuldade, sentindo cada palavra cortando minha garganta.
Ela, com os olhos marejados, pegou o celular da mesa de cabeceira e me entregou.
Minhas mãos tremiam, mas não vacilei. Disquei o número internacional que guardava na memória há tempos.
Tocou duas vezes antes de ouvir a voz calma e firme de um homem. Léo, o irmão mais novo de Frederico Guedes. "Sim?"
"É Alana Mendes", eu disse, com a voz rouca e frágil. "Eu aceito o casamento."
Houve uma pausa do outro lado.
"As condições são...", acrescentei, controlando a dor. "Que todos os bens da minha família sejam transferidos para suas contas, para proteção. E você nos tire do país."
"Combinado", respondeu ele, firme e seguro. Um alívio estranho me percorreu. "Então, o casamento será em três dias. Eu cuidarei de tudo."
"Mais uma coisa", acrescentei. "Preciso que venha me buscar pessoalmente."
"Estarei aí."