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Areia e ouro

Areia e ouro

img Romance
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Sinopse

Em meio ao contraste entre os prédios espelhados de Istambul e os becos antigos de Kadıköy, nasce um amor improvável entre mundos que não deveriam se tocar. Kemal Arslan, um milionário feito por suas próprias mãos, carrega cicatrizes invisíveis de uma infância marcada pela fome e pela luta. Ele tem tudo o que o dinheiro pode comprar - menos paz. Elif Yaman, uma jovem batalhadora que trocou os livros pelos turnos dobrados em cafeterias, sobrevive entre boletos, doenças familiares e sonhos que precisaram ser engavetados. Ela nunca foi do tipo que espera um resgate, mas também nunca imaginou que o destino colocaria em seu caminho um homem como Kemal. O que começa como uma troca de olhares em um café escondido logo se transforma numa paixão intensa, mas cercada de desafios. Diferenças sociais, feridas antigas e uma imprensa cruel ameaçam destruir aquilo que mal começou a nascer. "Areia e Ouro" é uma história sobre o valor do que não se compra, sobre amores que resistem à lógica e sobre dois mundos tão distintos que só poderiam se unir por algo mais forte que o tempo: o coração.

Capítulo 1 O encontro

Istambul não era apenas uma cidade - era um organismo vivo, pulsando entre minaretes, mares e cicatrizes. Ali, tudo se misturava: o novo e o velho, o sagrado e o profano, o silêncio das mesquitas e o caos dos bazares. Era o cenário perfeito para encontros improváveis. E naquele dia, sem saber, dois mundos colidiriam.

Kemal Arslan, aos 34 anos, era o rosto da nova elite turca. Bilionário, criador de um império tecnológico, estampava capas de revista como o exemplo perfeito do "homem que venceu". Mas, por trás dos ternos italianos e da frieza calculada nos olhos, havia um passado que nunca se calava - um passado feito de pão amanhecido, dívidas e noites sem luz.

Naquela manhã de outono, ele caminhava sozinho por Kadıköy, sem seguranças, sem motorista, apenas ele e o vento frio batendo no rosto. Sentia-se inquieto, como se algo o puxasse para longe da rotina sufocante. Como se seu corpo soubesse o que sua mente ainda não compreendia.

Foi então que viu a pequena cafeteria.

Escondida entre uma livraria de usados e um antiquário, o lugar parecia tirado de outra década. A vitrine era embaçada, havia flores murchas na entrada e uma sineta presa à porta.

Ele entrou.

O cheiro de café moído na hora o envolveu como um cobertor quente. Móveis de madeira desgastada, cortinas floridas e uma música turca antiga tocando baixinho. E então ele a viu.

Elif Yaman, 27 anos, cabelos castanhos presos de forma desleixada, mãos marcadas pelo trabalho, e um olhar que era pura resistência. Ela servia chá para uma senhora cega com uma delicadeza que não se aprende - nasce com ela.

Kemal ficou parado, como se o tempo tivesse desacelerado.

Elif notou o homem parado, observando-a em silêncio. Mediu-o com os olhos: sapatos caros, relógio de luxo, expressão de quem estava sempre prestes a dar uma ordem.

Ela não se intimidou.

- O senhor se perdeu ou veio mesmo tomar café com cheiro de pão velho? - perguntou, arqueando uma sobrancelha.

Kemal deu um meio sorriso. Estava acostumado a bajulações, não a ironias.

- Talvez eu tenha vindo procurar alguma coisa que não sabia que estava faltando - disse, sem tirar os olhos dela.

Elif cruzou os braços.

- Aqui só vendemos café, chá e paciência. E hoje a paciência está em falta.

A senhora cega riu, e Kemal também. Havia uma leveza na presença de Elif que o desarmava. Algo entre o sarcasmo e a doçura que ele não encontrava em seus jantares de gala, em suas reuniões em Dubai, nem em seus apartamentos com vista para o mar.

Ele se sentou.

- Vou querer um café turco. Sem açúcar.

- Combina com você - ela disse. - Forte e amargo.

Kemal não respondeu. Apenas observou. Cada gesto dela. Cada olhar disfarçado. E enquanto o aroma do café invadia o ambiente, ele soube, com uma certeza que o assustou, que aquele momento mudaria tudo.

Elif voltou com a xícara e o encarou por um segundo mais do que o necessário.

O café chegou em uma xícara de porcelana lascada, sobre um pires desbotado. Kemal segurou a pequena alça com cuidado, como se não quisesse quebrar algo que carregava história. A bebida fumegava, escura como noite sem lua. Ele sorveu um gole. Forte. Quente. Amargo. Como ela havia dito.

- Cuidado. Isso queima - disse, e virou as costas. Mas era tarde. Ele já estava queimado. Por dentro.

Ele a observava pelos reflexos do espelho antigo atrás do balcão. Elif se movia com agilidade -equilibrando pratos, repondo açucareiros, rindo discretamente com os clientes mais antigos. Era como se pertencesse àquele lugar. Como se fizesse parte da madeira, do cheiro, da música. Mas havia algo nos olhos dela... um cansaço que não combinava com a juventude que ainda brilhava por dentro.

Quando o fluxo de clientes diminuiu, ela se aproximou da mesa dele, com um pano de prato sobre o ombro e o queixo levemente erguido.

- Vai querer mais uma dose do nosso café assassino? - perguntou, num tom entre brincadeira e desafio.

- Só se vier com mais conversa.

Ela arqueou a sobrancelha, mas não se afastou.

- Não estou acostumada com homens de terno e sapatos de couro polido puxando assunto por aqui. Normalmente vêm para comprar o prédio, não pra bater papo.

- E se eu dissesse que não vim comprar nada? - respondeu ele, firme. - Só tomar café.

- Ninguém com seu relógio entra aqui por acaso - ela retrucou. - Ou está fugindo de algo... ou procurando alguma distração passageira.

Houve um silêncio curto. Kemal o sustentou com o olhar.

- E se eu dissesse que estou cansado de distrações?

Ela o encarou por um instante longo. O tipo de olhar que avalia a alma. Depois deu de ombros, como quem decide não acreditar, mas também não rejeitar.

- Nesse caso, espero que tenha estômago forte. Porque aqui não tem filtros. Nem no café, nem nas pessoas.

Kemal deu um leve sorriso. Aquilo o intrigava. O desafiava.

- Gosto de coisas sem filtro.

Ela se afastou sem dizer mais nada, mas ele notou: havia um leve rubor subindo-lhe pelas bochechas. Não era timidez. Era alerta. Medo de algo que ela não queria começar - mas já sentia dentro de si.

Do outro lado da cafeteria, um senhor dormia sobre um jornal aberto. Um rádio velho murmurava uma canção de Sezen Aksu. E o relógio da parede, torto, marcava onze e vinte e quatro.

Kemal se levantou, devagar, e caminhou até o balcão. Colocou uma nota dobrada sobre o vidro empoeirado.

- Obrigado pelo café. E pela honestidade - disse. - Talvez eu volte.

Elif apenas assentiu com a cabeça, mas seus olhos o seguiram até a porta.

Ele saiu. E só então percebeu que o ar lá fora estava mais frio do que antes.

Ela o viu atravessar a rua, mãos nos bolsos, olhar perdido, como se carregasse um peso que o mundo não podia ver. E por algum motivo que ela não soube explicar, sentiu vontade de vê-lo de novo.

Só não sabia que aquele homem traria o caos - e talvez, a única chance de amor real que ela teria na vida.

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