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Chegou no fundo do quintal com "aquilo" no balde, parou, respirou fundo e se acalmou, precisava de uma pá.
Mas o que era "aquilo"? Seu coração doía, mas parecia adivinhar, abriu os lençóis, com a tesoura de jardinagem cortou a bola vermelha e... Era um bebê!!! O sangue ainda morno espirrou em seu rosto, sentiu em suas mãos...
Lágrimas escorriam de seu rosto... Então era daí e daquele modo que nasciam os bebês?! Era horrível!
Mas aquele era muito pequeno, pouco maior que suas mãos, era uma menina e estava morta!
Um frio lhe percorreu a espinha... Que estranho conhecer o mistério da vida assim, com tanta violência... Pobre menininha, jogada num balde como lixo!
Com delicadeza, limpou o corpinho da melhor forma que pôde, pegou uns trapos e envolveu o bebê. Achou um pequenino caixotinho no quartinho de ferramentas e ali depositou a menina. Pegou flores e colocou sobre ela, não tinha pressa, a madrasta que morresse!
Cavou o buraco embaixo de uma das árvores, rezou pela alma da pequenina Charlotte, esse foi o nome que lhe deu.
Guardou as ferramentas, limpou tudo, lavou os lençóis e voltou ao quarto da madrasta, bateu na porta e não obteve resposta, teria morrido?!
Entrou bem devagar e chegou perto do leito, a madrasta dormia tranquilamente. Saiu do quarto e ouviu a porta se abrindo, era Maria!
Foram para a cozinha e ela contou tudo para Maria. Maria, que era muito bondosa e paciente lhe explicou o que tinha acontecido, que aquilo tudo fora um aborto e que às vezes essas coisas aconteciam com as mulheres...
_Agora, menina, me deixe trabalhar, pois com certeza sua madrasta estará impossível quando acordar, então é melhor eu me apressar! E a senhorita, volte ao seu castigo e vamos torcer para que sua madrasta a deixe em paz, pelo menos essa semana...
Ela voltou ao sótão pensando em tudo aquilo, que dia estranho!
Lembrava-se da sensação do sangue morno em suas mãos e de repente se viu pegando uma daquelas pequeninas facas e cortando devagar o corpo da madrasta... Que horror!!!
Precisava afastar aqueles pensamentos...
Pegou a Bíblia, leu vários Salmos, se sentiu um pouco aliviada, rezou novamente pela alma da pequena Charlote e resolveu fazer algo para tentar afastar aquelas imagens da mente...
Arrumou seu porão da melhor forma que pôde e ao ser chamada para o jantar desceu. Sua madrasta estava de repouso, só estavam ela e as crianças à mesa. Maria servia a todos e chamava às crianças aos bons modos, cobrando o silêncio, pois a patroa estava adoentada, essa a explicação que deu aos pequenos...
Ao terminar de jantar, a moça foi até a árvore no fundo da casa, queria rezar por Charlotte. Chegando lá, que estranho não conseguia se conter, sentia carinho e uma tristeza doída por Charlotte e se pôs a falar com ela...
_Ah, pequena Charlotte, sua partida prematura não foi de todo ruim! Sua mãe é má pessoa, com certeza judiaria de você, assim como faz comigo e com seus irmãos... Ah, pequena Charlotte, perdoe-me por ter te jogado no balde, nem podia imaginar que você era uma pessoa, no meio de todo aquele sangue... Me perdoe! E rezou novamente pela alma da pequena.
Ela saiu dali e foi para o seu sótão, abriu o caderninho que achara, arrancou as folhas escritas, deixou-as a um canto e na primeira folha escreveu: "Charlotte"
Foi para a página seguinte e escreveu como conheceu Charlotte e como ficou triste com o modo como a trataram. Cansada, fechou o caderninho, pôs sua camisola e adormeceu...
Teve muitos pesadelos, em seus sonhos via várias mulheres vadias tendo filhos e os jogando em baldes ou no lixo e tudo aquilo a horrorizava! Os pequeninos bebês cobertos de sangue em baldes e no lixo, gritavam o nome dela e pediam: Vingança! Mate essas vadias! Vingança!
Ela acordou atônita! Empapada de suor, garganta seca, o coração aos pulos... Era quase manhã. Trocou-se e foi rezar por Charlotte, depois entrou e ajudou Maria a preparar o café. Sua mente estava perturbada com aquele sonho, por isso lia a Bíblia e rezava incessantemente.
Algumas vezes passava horas lendo o grande livro de medicina que encontrara no baú, tinha aprendido muitas coisas sobre o corpo humano, os homens, as mulheres... Tinha vontade de sentir o sangue novamente e sentia o estranho desejo de cortar um corpo... Lutava com todas as forças contra aquele desejo maligno, mas o pesadelo...
Teve o mesmo pesadelo, várias vezes. Sempre ia ao "túmulo" de Charlotte, rezava e conversava com ela sobre o que aprendia no velho livro.