Capítulo 5 Doutor Morris Glessis

Ela tinha uma rotina bem definida: ajudava Maria na cozinha pela manhã e à tarde cuidava das crianças e lhes ensinava as primeiras lições de escrita. Diferente dela que sempre fora filha única e tivera um professor particular até aos doze anos, os filhos de Margô não teriam essa vantagem.

Eram seis pestinhas e como a despesa da casa aumentara consideravelmente após o casamento do pai com Margô, o professor fora dispensado e seu pai lhe designara a dura tarefa de ensinar os quatro mais velhos a ler e escrever.

Pelo menos nessa hora eles se comportavam, pois a mãe lhes fora categórica: "Se eu ouvir um grito sequer, todos sentirão o gosto do meu cinturão no lombo, inclusive essa inútil..."

Depois das lições ela deveria ajudar Maria a preparar o jantar e deixar as crianças apresentáveis e só então cuidar de si.

Após o jantar, poderia ficar na sala com a família até a luz ser apagada por volta das dezenove horas, mas como a madrasta sempre procurava motivos para a humilhar, nos últimos meses mal terminava o jantar, ia até o jardim conversar com Charlotte e depois se recolhia ao seu sótão e lia até sentir sono.

A madrasta parecia até preferir ela longe dos olhos, por isso, quando via que ela já se retirava para o sótão, apenas lhe conferia um insulto por algo corriqueiro do dia a dia ou terminava: "Essa daí é uma inútil mesmo, só vive para dormir..."

Passados uns seis meses, sua madrasta mandou que a chamassem:

_Esse é o doutor Morris Glessis, você será assistente dele.- disse a madrasta apontando para um senhor de mais de quarenta anos. Era um homem bonito e que impunha respeito, porte elegante, usava óculos... Nunca o tinha visto antes.

_A senhora acha que ela conseguirá realizar o trabalho? - disse o homem coçando a barba grisalha.

_Claro! Já sei que o sangue não a incomoda... O senhor manda e ela obedece e se lhe der algum trabalho, eu e meu esposo a corrigiremos.

_Muito bom, senhora! Então, amanhã partiremos para o distrito de Whitechapel, e sua enteada trabalhará comigo. De acordo?

_Claro! - disse a madrasta apertando a mão do Dr. Morris Glessis, que se retirou em seguida.

Quando o homem saiu a madrasta lhe disse:

_Seu pai concorda comigo que é bom que você trabalhe com o Dr. Morris. Você terá a chance de ter um bom partido, quem sabe conhecer um jovem médico e com seu salário ajudar com as despesas aqui em casa. Todo mês, já combinei com o Dr. Morris, ele me enviará metade de seu ordenado. Agora vá e arrume suas coisas!

Ela se retirou da sala e não sabia precisar o que sentia... Sentia raiva da madrasta por explorá-la assim, sentia medo do desconhecido, sentia tristeza por deixar sua casa, mas também sentia uma enorme excitação, iria aprender muito trabalhando com um médico e teria a possibilidade de realizar seu estranho desejo de sentir o sangue novamente...

Bem cedo arrumou seus poucos pertences: o velho lampião, a caixa de ferro com o livro, suas anotações e demais objetos de medicina, a Bíblia, o caderninho e umas poucas roupas. Terminado isso, foi até Charlotte, contou-lhe as novidades e se despediu. Nem acreditava que estava indo para longe de casa antes de completar seus quatorze anos!

A carruagem parou em frente à casa, ela se despedira do pai na noite anterior. Deu adeus à Maria e aos pestinhas de Margô, no final parecia que sentiria falta daquelas crianças...

Margô, sua madrasta, apareceu no último instante e puxando-lhe a orelha com força sussurrou-lhe ao ouvido:

_Não ouse me envergonhar, sua inútil!

Ao entrar na carruagem, o Dr Morris Glessis, já estava sentado.

_Boa tarde, Dr Morris Glessis! - disse fazendo uma reverência.

_Boa tarde, Bertha!

_Mas meu nome não é Bertha! - disse sentindo o rosto corar.

_E isso me importa?! Você tem cara de Bertha e vou chamar você assim. Acostume-se ao seu novo nome e a sua nova vida, senhorita Bertha Reinolds! - e ele lhe estendeu a mão.

Essa era boa, nem tinha direito a um nome?! O quê o futuro lhe reservava?

Aquele homem era muito estranho... Será que deveria teme-lo?! Como deveria se comportar, sendo ele "amigo" de Margô, ficava com pé atrás, só poderia esperar o pior... Mas será que eram amigos mesmo ou só alguém que ela encontrou para se livrar dela? O futuro traria as respostas...

Apertou a mão do doutor e fizeram o restante da viagem conversando ora sobre amenidades, ora sobre como seria sua vida em Whitechapel. Ele até já providenciara uma modesta, mas confortável e honrada pensão, onde Bertha poderia morar segura dentro de suas posses atuais.

                         

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