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Menos de cinco minutos depois de ter sentado em uma das mesas de fora da lanchonete "Casa Demetre", ouviu alguém puxar a cadeira de plástico na frente da sua.
Bella ergueu os olhos da página do livro, encontrando Henry já sentado despreocupadamente na cadeira. Um sorriso torto deslizou pelo canto da boca dele, revelando o piercing de Lua no canino direito. Ela também abriu um pequeno sorriso em resposta.
- Ei, Isa - cumprimentou ele.
Henry era a única pessoa que não a chamava de Bella. Desde a primeira vez que se encontraram naquela lanchonete, quando ela tinha cinco anos e ele sete, ele a chamou de Isa.
E, um dia, anos depois, quando eles estavam sentados em um dos bancos de cimento da praça perto dali, ela perguntou o motivo dele não a chamar de Bella. O Henry de treze anos olhou para ela, com seus olhos escuros franzidos em diversão, que Bella não viu na época, quando respondeu: "Eu não vejo sentido ficar chamando você de bonita toda hora. É estranho."
Bella lembrava de ter ficado um pouco indignada ao perceber que ele deu a entender que a achava feia, mas não conseguia guardar rancor dele com algo tão bobo, não quando ele foi na sua casa dois dias depois, cruzando a cidade em sua bicicleta apenas para entregar algumas trufas de chocolate amargo e branco que tinha ganhado de uma tia, porque sabia que eram as preferidas dela.
Ela já tinha perdoado Henry no mesmo dia, até riu um pouco ao se deitar na cama para ir dormir, mas tinha sido muito melhor dizer isso para ele com a boca cheia de chocolate e podia admitir que Isa não era um apelido ruim quando deu um beijinho na bochecha dele em agradecimento.
- Ei. - Ela reparou nas mãos vazias dele em cima da mesa, em seus dedos marrons e graciosos cheios de anéis dourados cintilando com o brilho morno do Sol que não era obstruído pela sombra das árvores. - Dia de folga?
- Não há muita gente desocupada em uma tarde de segunda - respondeu, erguendo uma sobrancelha sugestivamente para ela. Bella bufou uma risada. Ele olhou para a mochila surrada na outra cadeira, reconhecendo-a. - Mais um trabalho escolar este mês?
- Não, a Ali faltou hoje e combinamos de vir aqui para ela pegar as atividades comigo - explicou. Vendo a expressão dele e sabendo o que diria, acrescentou secamente, justificando-se: - Eu não vou ficar mandando foto do caderno, por mais que seja mais fácil, Henry. Ela entende melhor pessoalmente e eu não vou passar conteúdo sem explicar.
Henry rolou os olhos preguiçosamente, a sombra de um sorriso aparecendo no canto dos lábios carnudos antes que fosse apagado pela mão ao passar a usá-la de apoio.
- Sempre tão na defensiva - zombou ele, sem crueldade em suas palavras ou no modo em que a estava analisando com um olhar profundo por trás da diversão. - Me diga, eu estou te estressando ou aconteceu algo na escola?
Bella estreitou seus olhos.
- O que você quer dizer com isso?
Ele ergueu a sobrancelha, como se a resposta fosse óbvia demais para realmente merecer uma explicação, mas disse mesmo assim:
- Você fica franzindo a sobrancelha e olha para o nada como se estivesse perdida em pensamentos que te deixam irritada. - Deu de ombros. Então um lado da sua boca se ergueu em um meio sorriso enquanto ele abaixou seu olhar para o livro. - E você está na mesma página desde que chegou, o que é quase um indício que o mundo está acabando, como a igreja diz e eu estou começando a acreditar.
Não era a primeira vez que alguém dizia que ela tinha essa mania quando estava pensativa, mas Bella não pôde deixar de ficar surpresa que Henry havia reparado, embora também não devesse ficar surpresa com isso: Henry era um cara observador e por serem amigos há anos, era óbvio que já teria reparado nas manias dela em algum momento, o que não deixava de ser irritante.
- Você ficou me observando que nem um maníaco por minutos? - questionou Bella, ignorando propositalmente a pergunta anterior.
- Sim - respondeu no mesmo segundo, sem nem piscar. - E é por isso que eu sei que você está incomodada com algo.
Seus dedos firmaram o aperto no livro. Ela se ajeitou na cadeira, sentindo-se desconfortável.
Bella não queria conversar com ninguém sobre o que aconteceu naquele dia com Gaston. Sua consciência estava pesada por tê-lo feito chorar e uma parte dela sentia medo de ser julgada por ter sido descuidada com suas palavras. Ela não precisava ouvir que foi insensível com sua sinceridade exagerada e incômoda, porque soube disso no momento que foi capaz de sentir aquela única lágrima inundando sua mente, fazendo-a se sentir uma pessoa horrível.
Ela não achava que Henry a julgaria. Ele era do tipo de pessoa que preferia ouvir primeiro, absorver as palavras e depois dizer sua opinião, sempre tentando analisar a situação com imparcialidade ao mesmo tempo que tentava se colocar no lugar. Era um dos motivos que Bella gostava tanto dele: Henry era seu completo oposto.
Às vezes, ela gostaria de ser menos intensa em suas opiniões, mais controlada com sua sinceridade e menos guiada por suas emoções.
Bella simplesmente não queria ter que lidar com o assunto antes de que ele se tornasse a fofoca da semana e impossível de ignorar onde quer que estivesse.
Talvez já tivesse sido iniciada, com as pessoas adicionando mais detalhes dramáticos à breve conversa, deixando a cena mais suculenta para as bocas venenosas. E quando saísse da lanchonete, algumas pessoas a olhariam torto na rua, sabendo que naquela casca bonita, existia alguém cruel e hipócrita, com uma língua afiada e um coração de pedra.
Bella suspirou, de repente, sentindo uma pontada de dor de cabeça.
- Não quero contar, mas você vai saber em breve, de qualquer maneira - disse, soando cansada.
A mão de Henry voltou para a mesa em um movimento abrupto. Ele se endireitou na cadeira, visivelmente tenso. Qualquer indício de diversão sumiu ao ouvi-la e, aparentemente, absorver as palavras. Sua expressão fechou e, por Deus, seus olhos pareciam mais escuros que o normal, sombrios. E se tornou claro para Bella que ele sabia quem estava envolvido no assunto. Como sempre, Henry tinha visto nas entrelinhas, embora não fosse difícil saber que a história envolvia um certo garoto insistente.
- Esse moleque precisa aprender a ouvir não - disse ele, entre dentes.
As bochechas dela ficaram vermelhas de vergonha e Bella não seria ela mesma se, pelo menos, não admitisse quem estava errado, ainda mais quando um de seus amigos parecia prestes a caçar Gaston e despedaçá-lo com as próprias mãos.
- A culpa foi minha, Henry.