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Os rapazes apanham a criança no colo e correm com o corpo para o compartimento da câmara criogênica, Giullia vai à frente preparando a cápsula de hibernação, eles querem mantê-la em estado de animação suspensa. Depois que acomodam o corpo no leito, Giullia desce a porta de vidro e corre aos monitores, Kelmax aciona o botão para iniciar o programa, mas nada acontece.
- Ark, o que houve? Por que a hibernação não está funcionando?
[Não há vida orgânica no suporte senhor K.]
- Não, não, tem sim, tem uma criança.
[Erro. Não há vida orgânica no suporte.]
Kelmax continua batendo no botão com força. Gavirn segura seu braço, tenta acalmar o amigo. Uma frustração de melancolia envolve a tripulação.
Giullia se afasta e vai ao salão central, senta na poltrona de comando. A espaçonave Ark X não é muito grande, os cômodos são separados por uma passagem estreita, com portas de acionamento automático por aproximação que descem de cima para baixo. A nave é composta por um posto de enfermagem, um cômodo com as cápsulas de hibernação, cozinha, banheiro, o salão central onde se concentram os principais comandos e a frente da nave com um grande monitor que exibe as imagens externas em torno da nave.
O coração de Giullia pulsa forte, é tomada pela dor da angústia. "Tanto tempo longe de casa e até agora só encontramos violência. Uma criança morta. O que houve com a humanidade?" Tentando se concentrar em uma tarefa, ela aciona os comandos no braço da poltrona para iniciar os protocolos de autópsia da criança.
Um aparelho se movimenta por cima do corpo inerte e emite várias rajadas luminosas.
A morte da criança perturbou a Capitã, mas ela se contém, precisa manter a tranquilidade.
Um fio de lágrima escorre pela face, ela limpa discretamente.
É a segunda vez que Giullia depara com a morte e um vazio enorme no coração:
- Mãe, eu consegui, me formei. Hoje sou Capitã da Federação.
A mulher deitada na cama, mal consegue abrir os olhos, mas esboça um sorriso discreto.
- Veja, está aqui a minha patente. Consegui mãe. Por favor, olha aqui. Depois de tanto tempo. Tanta luta e renúncia, finalmente. Agora posso pagar pelo tratamento que a senhora precisa. - Giullia se esforça para conter as lágrimas.
A mãe de Giullia sofria de um mal incurável, nem toda tecnologia foi capaz de diagnosticar a causa. Apenas um médico indicou um tratamento alternativo, que oferecia alívio e nada mais.
- Senhorita, precisamos deixá-la descansar agora. - a enfermeira avisa o término da visita.
Do lado de fora, seu pai está sentado ao lado de uma jovem:
- Vejo que conseguiu se formar. Parabéns.
- O senhor está bem? - Giullia responde friamente, olhando diretamente nos olhos do homem.
- Será que algum dia você me chamará de pai?
- O dia que o senhor cumprir seu papel de pai. Com licença.
Ignorando totalmente a jovem amante de seu pai, Giullia se retira. Dois dias depois, recebeu a notícia do falecimento da mãe.
Despertando de seus pensamentos, a Capitã Belluzzi ainda lamenta: "Que pesadelo, meu Deus! Calma, eu preciso manter o controle."
Desde que Ark X chegou os números pesquisados não batem. A contagem de tempo da nave aponta uma data, mas as leituras de carbono 14 apontam um improvável salto de séculos. Como isso é possível?
Além do mais, a nave não consegue reconectar com a rede virtual do planeta. Por sorte o sistema tem a autonomia necessária para operar sem precisar da rede. Mesmo assim, não deixa de ser um enorme inconveniente.
Enquanto isso, Gavirn reaparece ao lado da Capitã.
- Como está o Elano? - Giullia fala sem olhar diretamente para Gavirn.
- Apliquei um sedativo, vai apagar por algumas horas.
- E o "vagalume"?
- Eu estou aqui Capitã. - Bongail reaparece na altura dos rostos dos tripulantes.
Giullia mantém-se impassível, agindo naturalmente, como se já esperasse que algo acontecesse. Gavirn, no entanto se assusta:
- Por Jesus Cristo, tá maluco? Quase me mata do coração.
- Ó, desculpe, senhor. Não tive a intenção. - Bongail responde com uma ponta de sarcasmo. - Por que estão assim tão abalados?
- Ora, "por que", porque uma criança está morta na nossa nave. Acabamos de chegar e já temos uma criança morta. Será que isso é pouco pra você? - Gavirn responde indignado.
Giullia intervém, ela segura a mão do colega e acena para que ele se acalme. Depois se volta para Bongail.
- Muito bem, meu amigo. Agora precisamos de algumas respostas: quem é você, o que fazia no corpo de uma criança e por que os androides o queriam morto?
- A duas dessas perguntas eu já respondi, mas vou reorganizar os fatos para que entendam melhor. Eu sou Bongail, um transmuto de outra realidade...
- O quê? - Gavirn fica espantado.
- Sim, eu sou um ser de outra realidade e aqui possuo algumas habilidades que fogem às regras da natureza físicas que vocês conhecem. Por isso eu sou o que vocês consideram um "ser mágico", ou "anima", como gostam de chamar.
- A quais tipos de habilidades você se refere? - Giullia continua analítica.
- Eu sou classificado como transmuto de classe B, porque meus poderes ainda estão em desenvolvimento. Eu posso transformar objetos inanimados em qualquer coisa que eu queira. Tipo: uma bola em um peso de ferro, água em vidro, eu mesmo em algum animal... essas coisas.
- E por que você disse que foi "posto" dentro do corpo de uma criança?
- Porque em meu estado natural as máquinas não conseguiriam extrair a minha magia para as baterias deles.
- Espera aí, você é um tipo de escravo das máquinas? - Gavirn quer mais detalhes da história.
- É isso aí. As máquinas precisam da nossa magia para continuar funcionando, então elas nos capturam e extraem tudo o que podem.
- Hum. - Giullia fica pensativa. - Como pode uma criatura com tantos poderes assim, ser capturada e mantida presa para manter máquinas funcionando? E cadê o restante da população?
[Análise completa. Relatório sendo emitido nesse instante.] O computador de bordo interrompe a conversa. Bongail muda de cor.
- Essa voz metálica me dá arrepios.
- Obrigada Ark. - ignorando o comentário, Giullia apenas se levanta para olhar o painel com as leituras que solicitou ao computador. Depois de ler retorna atenção ao visitante - Como você dizia...
- Olha, eu não sei todas as respostas, mas posso garantir que fui sentenciado a morte porque o corpo que eu habitava não tinha mais capacidade de canalizar a magia para as baterias deles. Como podem ver aquele corpo já foi exaurido.
- Mas, você não parece mal. - Gavirn observa com incredulidade.
Giullia faz um gesto para que Gavirn se afaste de Bongail e puxa para outro compartimento. O anima começa a flutuar em direção a eles. Giullia se volta em tom grave:
- Você pode nos dar um minuto de privacidade?
- O quê? - Bongail não entende o pedido.
- Só fique aí, sem nos atrapalhar, pode ser? - Gavirn é mais incisivo.
- Ó, sim, claro. Não sairei daqui.
Giullia puxa Gavirn para um compartimento da nave e ordena que Ark lacre a sala. Ela escreve numa folha de papel e põe na mão do Gavirn. Ele lê e olha para a Capitã confirmando:
Vamos falar em língua codificada.
- (Por que esse cuidado, Capitã)?
- (Essa história do Bongail está cheia de furos. Você já viu as leituras dos indicadores? Olhe aqui.)
Giullia aciona os botões no seu braço, projeta um holograma com o relatório em 3D logo a frente do Gavirn, ele se surpreende com o que lê. O corpo da criança apresenta uma deterioração cronológica incompatível com a idade física. O documento também traz as leituras dos materiais coletados no planeta, os minerais não têm a datação que deveriam ter, não há mais renovação espontânea do ar, não há mais flora ou fauna acessível. As leituras termográficas encontraram poucos pontos de calor, mesmo em cidades que deveriam ser populosas. Resumindo: todo o planeta está um imenso deserto.
Depois que termina de ler Gavirn se senta, sua pele empalidece, o suor começa a escorrer pela testa, ele aperta o peito, como se quisesse sentir as batidas do coração. Giullia também se recosta, coloca as mãos na cintura e olha fixamente através da janela do compartimento: "Onde estão todos? Minha família, meus amigos, Desmond..." Ela pensa.
- Gio, você precisa parar, não foi pra isso que te coloquei na equipe.
- Desmond, para pra pensar um pouco. Isso é injusto...
- Não, é não. Esperei pacientemente por dois anos, mas agora, você está me atrapalhando.
- Você sabe o que eu quero. Preciso estar nessa missão, preciso ir.
- Pra onde? Nem você sabe pra onde vai.
- Eu imaginei que não importaria o destino, desde que estivéssemos juntos, Desmond.
- Olha, eu te admiro, sério. Eu vejo que você nasceu pra essa coisa de encontrar mundos, viajar pelas estrelas, mas eu não me vejo assim. Quero outra coisa, quero ficar na Terra, constituir uma família...
- Você está arrumando desculpas. A viagem não é definitiva, não é só de ida. Quando voltássemos poderíamos planejar tudo isso.
- É que eu...
- Olha só, você está mesmo me pedindo pra escolher entre satisfazer as suas vontades ou desbravar outros mundos?
- Gio, eu te amo, mas...
- Você pensa que sou idiota? Acha mesmo que me importo com quem você está saindo enquanto eu me dedico a uma coisa muito maior? Ainda te dei uma chance.
- Por favor, entenda. A gente já não tem mais uma relação, você está sempre obcecada com esses exercícios. Pô, já estamos na academia há mais de dois anos. É só treinamento, treinamento e treinamento. Eu só queria te dizer que...
- Desmond, nem termine essa frase. Você é livre, cara. Eu que criei expectativas demais em alguém que não merece. Não se preocupe comigo, sei me cuidar. Espero que seja feliz na sua escolha.
Dezoito meses após o treinamento terminou e Giullia partiu sem o peso de ter deixado alguém para trás. Agora esse mundo caótico a deixa apreensiva, mas ao mesmo tempo calculista. Mas ela sabe que não conseguirá resolver nada se não organizar o raciocínio.
Um forte barulho desperta os tripulantes, sem perder tempo Giullia ordena que Ark abra o compartimento. Eles tomam um susto quando encontram Kelmax de pé.