Capítulo 8 Mudança (Zilevo) - Parte 1

ATO I

"Do mar viera a vida. À terra fora a morte."

- De onde você veio? - questiono, deixando escapar um pouco do meu fascínio em meu tom. Meus olhos fixos no deus de aspecto marítimo. Seus cabelos azul-marinho, úmidos banhados pelas próprias ondas do oceano, escorrem suavemente sobre seus ombros.

- Eu vim do oceano - ele responde. Sua resposta, simples mas reverbera no espaço confinado, enchendo o ar com um senso de vastidão desconhecida.

Enquanto meus olhos continuam a estudá-lo, percebo uma conexão entre ele e o deus ao seu lado. Uma semelhança intrínseca, embora matizada por diferenças sutis que despertam ainda mais minha curiosidade.

- Qual nome de vocês? - pergunto, batucando os dedos vagarosamente na mesa de madeira entre nós.

- Me chamo Lesus - ele se apresenta, e ao passar suas mãos molhadas pelas pernas, pequenas gotas de água saltam, como minúsculas pérolas brilhando brevemente antes de desaparecerem no tecido de suas vestes. Seu olhar desvia-se, encontrando o do deus ao seu lado, e um sorriso cúmplice e leve dança em seus lábios. - E este é Pólimos - conclui, indicando o deus de olhos carmesins, que até então permanecera em um silêncio contemplativo.

O sorriso de Lesus, repleto de nuances insondáveis, diverge da seriedade de Pólimos, cujos olhos carmesins emanam uma intensidade oculta.

Olho nos olhos de Lesus e imediatamente percebo a distinção física. Sua pele pálida realça seus profundos olhos azul escuro, seu cabelo azul marinho, escuro como uma noite sem estrelas, cai liso e brilhante, enquadrando um rosto de linhas duras e majestosas.

Sobrancelhas grossas e ligeiramente arqueadas adicionam uma intensidade ao seu olhar. Seu nariz é reto e bem definido, logo abaixo, seus lábios são uma nota de suavidade em meio à severidade, finamente desenhados e pálidos, fechados em uma linha séria, destoante de seu jeito despojado.

A estrutura óssea de seu pescoço é elegante, transição perfeita para os ombros amplos que sugerem uma constituição robusta, mesmo que oculta sob as camadas de vestes que os cobrem.

- Eu sou Zilevo - declaro, observando atentamente como as gotas de água, desprendendo-se dos fios azul-marinho do cabelo de Lesus, traçam um caminho lento e deliberado até se depositarem sobre o tecido de seu ombro. A cena, pequena e aparentemente trivial, evoca em mim um momento de introspecção profunda.

Não posso deixar de comparar a eloquência e a facilidade com que Lesus se expressa com a experiência de Bucu, que enfrentou desafios significativos para articular suas primeiras palavras nos dias que se seguiram ao seu nascimento. A habilidade inata de Lesus para comunicar-se com tamanha fluidez, apesar de sua recente entrada no mundo, me intriga. Sua capacidade parece desafiar as normas naturais de aprendizado e desenvolvimento que observei em Bucu. Este pensamento me envolve, levando-me a ponderar sobre as inúmeras possibilidades e mistérios que se ocultam por trás da essência dos deuses bastardos.

Passo os olhos para Pólimos. Ele é a encarnação visual de um espírito belicoso. Seu rosto é severo, marcado por linhas duras e um olhar que é um desafio em si mesmo. Seus olhos carmesim são como duas brasas, capazes de lançar um olhar que é tanto penetrante quanto perturbador. As sobrancelhas escuras e retas parecem permanentemente franzidas em um semblante de desafio ou concentração.

Seu cabelo é negro e cortado de forma simples, caindo em linhas retas que contornam seu rosto angular. A pele pálida contrasta fortemente com a escuridão de seus cabelos e a vivacidade de seus olhos, dando-lhe uma aura sombria. Um nariz reto e firme jaz no centro de sua face, abaixo do qual um par de lábios finos permanece muitas vezes em uma linha apertada. Sua mandíbula é como o corte de uma espada, definida e imponente.

Pólimos, apesar do rosto de guerreiro nato impregnado em sua fisionomia facial, possuí um porte franzino, cujo não é tão ameaçador quanto seu olhar. Seus ombros, embora bem estruturados, não são imponentes.

Movido pela curiosidade, inclino-me ligeiramente para frente, diminuindo a distância entre nós. - Como é nascer? - questiono Lesus, minha voz impregnada de uma curiosidade genuína e um anseio por compreender. Meus olhos, fixos nos dele, tentam capturar cada nuance de sua expressão enquanto faço a pergunta.

Enquanto aguardo sua resposta, percebo um gesto sutil de Pólimos. Ele, com uma leveza quase imperceptível, toca na mão de Lesus, um gesto que parece ser um lembrete silencioso ou talvez uma comunicação não-verbal entre eles. Lesus, momentaneamente distraído, sacode sua mão, enviando pequenas gotas de água em direção a Pólimos. Esta ação faz Pólimos recuar ligeiramente, seu rosto assumindo uma expressão mais séria, como se ele estivesse reavaliando a situação ou ponderando sobre algo não dito.

Lesus, por sua vez, olha para mim, um leve franzir de sobrancelhas adornando seu rosto. - Não entendi muito bem a pergunta? - Ele revela.

- Quero dizer... como é a experiência de nascer?

Lesus pausa, seus olhos vagando distantes como se tentassem capturar a essência de uma memória fugidia. - Repentino - responde finalmente, sua voz soando distante e reflexiva.

- Repentino? - repito, franzindo a testa em confusão. A palavra parece deslizar por mim, sem se fixar.

Lesus assente devagar, como se estivesse tentando se apegar à substância de sua própria existência. - Sim, acho que não há como descrever. Apenas... nasci. Assim como você e qualquer outro deus - explica com uma tranquilidade que contrasta com a complexidade da ideia.

- Não, não como eu e meus irmãos. - corrijo rapidamente, minha voz com uma intensidade súbita. - Fomos criados pelo próprio Primordial. Nosso nome foi ele quem escolheu. Nasci dos seus sentimentos. Não nascemos grandes e fortes como vocês...

Enquanto falo, uma onda de introspecção me invade. Sinto o peso da minha origem e da essência da minha existência divina pressionando meu peito. Desvio o olhar, incapaz de sustentar a visão dos deuses na cabana, sentindo-me subitamente diminuído, pequeno em comparação com sua grandiosidade e força inatas.

Lesus me observa em silêncio, aguardando minha resposta. Eu, entretanto, me perco em pensamentos, sussurrando "forte" para mim mesmo. A palavra sai como um suspiro, uma tentativa de compreender e aceitar minha própria essência. Esse simples murmúrio desencadeia uma cascata de lembranças, arrastando-me para uma época distante, para momentos que moldaram quem eu sou.

- Pai, o que é isso? - pergunto, com os olhos arregalados de admiração diante do objeto colossal pendurado na parede. Parecia um fragmento de sonho, uma peça de fantasia tornada realidade. A luz refletia em sua superfície, criando um brilho que lembrava um sol miniaturizado. O objeto tinha uma forma peculiar, como um "T" estilizado, com extremidades afiadas que brilhavam com um dourado intenso. A parte mais brilhante, formando a essência da peça, emanava um encanto quase hipnótico.

Máterum, com um sorriso carinhoso, estende a mão e toca suavemente a peça. - Esta é minha mais nova criação, coração - diz ele, sua voz vibrando com orgulho. Ele levanta o objeto com facilidade, segurando-o com uma mão, e o gira para que eu possa apreciar melhor seu design. - Que nome achas que eu poderia dar a esta magnífica obra, coração? - pergunta, os olhos brilhando com um desafio divertido.

Fico ali, boquiaberto, contemplando a obra. - Que tal... hum... "espada"? - sugiro.

- De onde veio essa ideia? - Máterum pergunta, curioso, ainda segurando a espada com admiração.

- Bem, eu juntei as palavras "estrela" e "dourada". O brilho me faz pensar em estrelas, e dourada pela cor - explico.

- Mas e o "pa"? - ele indaga com um sorriso maroto.

- Pa de pai - respondo, retribuindo o sorriso, sentindo o calor agradável de orgulho de Máterum por minha criação.

Ele solta uma risada genuína, uma risada que preenche a sala com uma sensação de amor e alegria. - Espada - ele repete, testando o nome, ainda sorrindo. - Um nome excelente, coração.

Máterum, percebendo meu fascínio, se ajoelha diante de mim, reduzindo sua estatura imponente ao meu nível. Ele gira a espada suavemente, permitindo que a luz dançasse sobre sua superfície dourada, ampliando sua beleza magnética.

- Posso tocar? - pergunto, meus olhos fixos na espada, meu coração batendo com expectativa.

Máterum hesita por um momento, seus olhos avaliando a intensidade do meu desejo. - Não, coração. Sinto muito. É perigosa demais para alguém tão frágil como tu. Talvez daqui a alguns anos te permita manejá-la - diz ele, sua voz gentil, mas firme.

Essas palavras acendem uma fagulha de frustração em mim. - Eu não sou fraco! - exclamo, cerrando os punhos com força. Uma onda de emoção me envolve, lembrando-me de minha pequenez diante do poder e da grandiosidade de Máterum.

Máterum me observa com olhos compreensivos, sabendo das tempestades que assolam o coração dos jovens deuses. - Não disse que és fraco, coração. Sei que não és. És tão grande e poderoso quanto teus irmãos, talvez até mais - diz ele, colocando uma mão reconfortante em meu ombro. Seu toque é leve, mas cheio de um calor paternal e encorajador. - Não te esqueças disso. Sempre que alguém te chamar de fraco, prova-o do contrário. Nem que esse alguém seja eu.

Ele se levanta, estendendo a espada para mim, segurando-a pela ponta com uma facilidade que desafia sua aparência letal. - Vamos lá. Prova-me que não és frágil - desafia ele, um brilho de expectativa em seus olhos.

Com as mãos trêmulas de expectativa, posiciono-as firmemente sobre o cabo escuro e imenso da espada. Meu coração acelera com a possibilidade de provar meu valor. - Vou provar, pai! - exclamo, minha voz tremendo com uma mistura de nervosismo e determinação.

Máterum solta a espada com uma confiança inabalável, mas quando o peso total do objeto colossal recai sobre meus braços, sinto-me esmagado por sua criação. A ponta da espada crava no chão, enviando um som metálico pelo ar, ecoando minha aparente falha. Meu rosto se contorce em um esforço desmedido, meus músculos queimando sob o esforço.

Observo Máterum se afastar, uma expressão de expectativa cravada em seu rosto. Ele levanta discretamente o dedo indicador, como se incitasse algo invisível. - Levanta-a! Sei que é capaz. Prova-me que és primordial.

Luto com todas minhas forças para erguer a espada, sinto o peso do objeto colossal pressionando meus braços. Meus braços tremem, meu rosto está banhado em suor, e preste a desistir quando, de repente, uma sensação estranha me envolve. Uma leve brisa acaricia meu corpo, infundindo-me com uma força que parece vir de outra fonte.

- Estou... conseguindo? - Me pergunto, sem acreditar. Espada começa a elevar-se, desafiando a gravidade e minhas próprias expectativas. Meus olhos se arregalam, refletindo o espanto e a alegria que me inundam. Levanto a espada acima da cabeça, meu rosto iluminado por um sorriso radiante. - Consegui! Consegui! - Brado, minha voz ecoando com a força da vitória.

Máterum observa de longe, um sorriso sutil traçando seus lábios, escondendo o segredo de sua sutil intervenção. Ele sabia que Zilevo era um deus promissor, mas a força necessária para erguer aquela espada era além das capacidades de um ser tão jovem. Com cuidado, ele desviou o olhar, tentando disfarçar sua intervenção.

Enquanto Zilevo se maravilhava com a conquista, um pequeno brilho nos olhos de Máterum revelava o segredo que ele guardava. Seus poderes telecinéticos haviam dado o empurrãozinho necessário, permitindo que Zilevo experimentasse a sensação de superar seus próprios limites.

Zilevo levantando a espada por cima da cabeça, com vasto sorriso, não grande o suficiente para expressar toda sua felicidade.

- Sabia que conseguiria - proclama Máterum sorridente.

- Pai, eu te amo! - Afirmo, soltando a espada e o abraçando.

"Época na qual o pai amava o filho e o filho amava o pai."

Com um leve sacudir da cabeça, afasto as memórias que turvam minha mente e redireciono meu foco para os deuses à minha frente.

- Por que vocês têm esses nomes? - indago.

Lesus responde com um tom de aceitação - Não escolhemos. Simplesmente temos esses nomes, como se alguém os tivesse dado a nós.

Enquanto Lesus fala, algo incomum chama minha atenção. Observo com interesse as espadas em seu colo. - E essas espadas? - pergunto, incapaz de ocultar minha curiosidade.

Segurando as espadas, feitas de uma água sólida e esbranquiçada, com um toque quase paternal, Lesus responde com uma voz suave. - Elas nasceram comigo.

- Nasceram com você? - minha voz se eleva, traída pela surpresa. - Como se elas fossem parte de você?

- Sim, elas são parte de mim e também possuem consciência - Lesus explica, estendendo a mão esquerda com uma das espadas. - Pega!

Intrigado, estendo a mão e seguro a espada. No início, não percebo nada de anormal, mas logo uma sensação estranha toma conta da minha mão. Sinto uma cãibra intensa, como se minha mão estivesse sendo lentamente congelada de dentro para fora.

Com um grito abafado de dor, deixo a espada cair no chão. A frieza súbita e penetrante se dissipa tão rápido quanto surgiu, deixando apenas um leve formigamento.

- O que foi isso? - exclamo, a surpresa ainda evidente em minha voz e nos meus olhos arregalados.

- Como eu disse, as Gêmines possuem consciência - afirma Lesus, sorrindo de forma enigmática e olhando para a espada agora repousando no chão.

- Gêmines? - questiono.

- Esse é o nome delas - responde Lesus.

Assisto sua mão se estender, enquanto algo incrível se desenrola diante de meus olhos. A espada, como se possuísse vontade própria, começa a levitar delicadamente do chão, erguendo-se e flutuando no ar. Gradualmente, ela trilha um caminho sereno em direção às mãos de Lesus, que a aguarda.

- Como? - A pergunta surge de mim, enquanto meu queixo cai levemente, a expressão de assombro evidente em meu rosto. - Como um recém-nascido já possui poderes telecinéticos?

- Eu não possuo - Lesus responde calmamente. - Como eu disse...

- "Elas possuem consciência" - interrompo, impaciente, mas também com um encanto inegável.

Enquanto meus olhos se fixam em Pólimos, uma suspeita cresce em minha mente. Observo-o discretamente, tentando decifrar segredos ocultos em sua postura vigilante. A cada palavra que eles pronunciam, cada gesto que fazem, minha desconfiança se aprofunda. Duvidando mais de que sejam realmente recém-nascidos. - Podem ser espiões de Máterum - penso. Mas algo está errado. Lesus veio do mar, a última criação. Não havia como Máterum saber onde lançá-lo. Porém, nunca é sábio subestimar o que o Universo pode ou não fazer.

- Talvez, não Lesus - penso, meus olhos se estreitando enquanto estudo Pólimos. Sua postura séria me intriga, e uma pergunta se forma em meus lábios:- Pólimos, se vocês 'nasceram' recentemente, como explicam saber tantas coisas?

Pólimos, com os braços cruzados, me encara diretamente, seu olhar carmesim transbordando confiança. -

- Quando o oceano foi criado e a guerra começou, nossa existência foi moldada. Mas nossa consciência ainda não pertencia a Marum - ele explica.

- Como assim não pertencia a Marum? - pergunto, desviando brevemente o olhar para contemplar as palmas das minhas mãos, marcadas pelas memórias de treinamentos extenuantes com Zulfiqar.

Lesus, ajustando as Gêmines em seu colo, se junta à conversa. - Em nosso local de origem (Vermo), o tempo flui diferente. Para mim, nas profundezas do oceano, foram apenas horas, enquanto para vocês, em Marum, meses, talvez anos, se passaram.

Pólimos, agora mais relaxado, retoma seu lugar ao lado de Lesus, observando que seu cabelo parou de pingar no banco. - Neste intervalo temporal distinto, observamos tudo em Marum - ele adiciona.

- Nesse local específico de cada deus, nós observamos tudo o que acontecia em Marum.

- Havia mais alguém com vocês nesse lugar?

Lesus parece buscar a resposta em sua memória. - Sim e não. Não consigo lembrar claramente. Estávamos juntos, mas há uma sensação de que havia algo mais... algo que não consigo recordar.

Minha testa se franze com a palavra escolhida por Lesus. - Algo? Por que não alguém? - Reflito, enquanto uma dúvida me assola: se Lesus e Pólimos realmente nasceram juntos, não teria como apenas um deles ser um espião?

- Então, vocês sabem praticamente de tudo? - questiono.

Pólimos, desfazendo lentamente o cruzamento dos braços, oferece uma postura mais aberta, sinalizando disposição para dialogar. - Não de tudo, apenas de algumas coisas - ele esclarece, a sinceridade evidente em sua voz.

- Como o quê?

- Sabemos que alguns planetas agora são seres vivos. Sabemos que um de seus irmãos está em Arcríris e...

Mas antes que ele termine, sou impelido por uma urgência que não consigo conter. - Sabe como criar zérum? - pergunto, inclinando-me abruptamente para frente, as mãos pressionadas contra a mesa, os olhos cravados nos dele esperando uma resposta.

- Não - Pólimos responde secamente, sua única palavra é o suficiente para extinguir meu entusiasmo.

Observo um lampejo de compaixão nos olhos de Lesus enquanto ele participa. - Mas sabemos que Máterum está construindo uma gigantesca fortaleza. - Minha expressão de decepção parece motivá-lo a compartilhar mais.

- Fortaleza? - murmuro, pensativo.

- Se me recordo bem, ele a chama de Malbork - Pólimos conclui.

- Malbork - repito lentamente, cada sílaba soando como um gongo em minha consciência. Envolvo-me em lembranças, afundando-me no passado, perdido em pensamentos sobre a primeira vez que ouvi essa palavra.

Nota de rodapé

Gêmine, arma divina de Lesus. Espada grande com estética glacial. O cabo é envolto por uma corda com fina camada de gelo, culminando em um pomo distinto que se alarga e se divide, assemelhando-se a uma forma estilizada de cristal. A guarda é intrincada, com projeções que se assemelham a asas. A lâmina é o elemento mais notável, coberta por uma camada fina de geada. Ela é translúcida, com tonalidades que vão do branco puro a um azul gelado, e contém inúmeras linhas finas que imitam as rachaduras e veios de um bloco de gelo. Forjada simultaneamente à existência de Lesus, é a materialização física de sua essência e possui uma consciência própria. Esta espada singular outorga a Lesus o domínio sobre a criocinese, permitindo-lhe manipular o frio e o gelo a seu bel-prazer. Em um cenário onde a Espada Gêmine é destruída, apenas Lesus possui a habilidade e o conhecimento necessários para reconstituí-la, um processo que, embora possível, demanda um período significativo de tempo. Um detalhe crucial sobre esta arma mística é seu efeito gradual e implacável sobre aqueles que a empunham, sem serem Lesus: ela induz uma lenta congelação do corpo, insinuando um vínculo exclusivo e intransigente com seu legítimo mestre. A singularidade da espada Gêmine reside também em sua habilidade de se dividir em duas espadas medianas de lâmina única, cada uma mantendo o design característico e a elegância da Gêmine original, denominadas Gêmines. Essa transformação não apenas duplica a capacidade ofensiva de Lesus, mas também permite uma versatilidade tática em combate, com ambas as espadas medianas refletindo a estética e o poder intrínsecos da Gêmine.

ATO II

Máterum, com um brilho paternal nos olhos, inclina-se para mim na areia, a ternura transbordando em sua voz. - Gostaste, coração? - Pergunta, segurando um caderno repleto de esboços, cada página revelando vislumbres de um futuro cheio de maravilhas.

Com os olhos arregalados de admiração, respondo entusiasticamente. - Sim, Pai! - A cada página que ele vira, meu fascínio cresce. Diante de mim, o esboço de Malbork, uma estrutura colossal, se revela em detalhes meticulosos. A fortaleza, desenhada com uma precisão impressionante, parece atravessar os céus de Primárium, dominando o horizonte com muros que parecem tocar as estrelas.

Máterum, com um sorriso orgulhoso, ajoelha-se ao meu lado, aproximando-se para compartilhar cada detalhe. - Será nossa casa daqui a alguns séculos, coração! - ele declara, apontando para outros desenhos enquanto os raios de sol banham a areia dourada e uma brisa suave sopra do horizonte. - Isto será nosso jardim e isto nossos...

Absorto na leitura dos nomes das futuras criações, me perco em pensamentos, mal ouvindo as palavras de Máterum. - Miramer. Animais... - leio em voz baixa.

- Bonitas criações, pai - parabeniza Tanri, interrompendo minha leitura. Seu elogio é sereno, mas a tensão em sua voz não passa despercebida, evidenciada por sua presença marcada por um sorriso que esforçadamente tenta mascarar seu rancor. Seus olhos, embora brilhem com um lampejo de admiração pelas criações de Máterum, também carregam um visível ressentimento.

Com um ar de desafio velado, Tanri questiona Máterum. - Quando confiará em nós para te ajudar na criação delas? - Sua postura, embora respeitosa, revela uma impaciência latente, um desejo de ser mais do que apenas um espectador nas façanhas de seu pai.

Máterum, percebendo a complexidade dos sentimentos de Tanri, responde com calma e autoridade, mas com um toque de carinho paternal. - Quando o dia chegar, avisar-vos-ei - Ele recolhe os papéis das minhas mãos com um gesto suave e deliberado, deixando apenas o desenho de Malbork comigo.

Tanri, em pé ali, destaca-se não apenas por seu domínio precoce da telecinese, mas também por sua presença física. Apesar de sua aparência frágil, semelhante à dos irmãos, há algo nele que irradia uma força inerente, um potencial bruto e poderoso de poder extincional. Ele é um prodígio entre os deuses, seu rosto refletindo uma beleza serena e uma força que contradizem sua juventude.

Internamente, Tanri luta com seus pensamentos. Ele se vê capaz de realizar feitos grandiosos, mas se sente subestimado e confinado às margens das criações de Máterum. Esse sentimento de estar à sombra de seu pai, apesar de seu talento e potencial, o enche de frustração.

- Pelo menos nos ensina a criar. Dessa forma, não terá que remodelar novamente nossas falhas criações, assim como fez com as anteriores - diz Tanri, sua voz tingida com um rancor que até então jazia adormecido.

Máterum, erguendo-se com uma serenidade que contrasta com a tensão de Tanri, responde com uma voz repleta de paciência e sabedoria paternal. - Tuas criações não são falhas, filho. Apenas eram imperfeitas. Abrangiam beleza formidável e singular - diz ele, tentando infundir confiança em Tanri, cujos olhos brilham com ceticismo.

- Palavras bonitas, apenas com o propósito de não chamá-las de defeituosas - reitera Tanri, enchendo as mãos de areia. - Isto é o que criamos! - jogando punhados de areia ao chão em um gesto dramático. - Não há como comparar isto com isso! - Exclama, apontando para a areia espalhada, depois para o papel em minhas mãos, em um esforço para destacar a disparidade entre as suas criações e as de Máterum.

- Tens razão, meu filho. Minha criação é muito inferior à tua e de teus irmãos - Máterum responde, com uma expressão suave e compreensiva, aproxima-se de Tanri, que recua ligeiramente, ainda imerso em suas inseguranças.

- Não zombe de mim, Pai! Estou falando sério!

- Também estou, filho - confessa Máterum, levitando alguns grãos de areia com sua telecinese. - Sim, tua criação superficialmente aparenta ser algo pequeno e insignificante. - Levitando mais e mais grãos de areia a cada segundo. - Entretanto, filho, ela é o antônimo disso. Tua criação é magnífica e excepcionalmente poderosa. É algo que eu nunca pensaria em criar.

Formando com os grãos de areia uma estrutura cúbica assustadoramente espaçosa, dominando todo o céu de Primárium e tapando o Sol.

- Compreendeste, filho? - Ele indaga. - Essa é a essência da criação. Não é o tamanho ou o esplendor aparente, mas a habilidade de transformar o insignificante em algo magnífico. Tua criação é impressionante, conquanto a contemplas de maneira banal. Assim, não importa o que tu criarás, se não a analisares perfeitamente como ela é, eternamente criarás coisas lindas, porém julgadas como vil por ti. - explodindo a descomunal estrutura cúbica no ar e fazendo chover grãos de areia por praticamente todo o céu de Primárium, obscurecendo a visão do sol e criando um espetáculo de luz e sombra. Mostrando a mim e a Tanri que nossa pequena e simples criação, quando utilizada acertadamente, é capaz de coisas inimagináveis.

Emergindo abruptamente das profundezas das minhas reminiscências, sinto-me ainda preso às areias do tempo, como se elas teimosamente se agarrassem à minha consciência, resistindo à partida. É com um esforço deliberado que me arranco do passado, arrastado de volta à realidade presente pelas palavras inesperadas de Lesus, que sobrepujam qualquer memória.

- O quê você acabou de dizer? - Exclamo, erguendo-me tão rapidamente que a cadeira range sob o movimento súbito, minhas mãos ainda pressionando a mesa, como se buscando apoio. Lesus, surpreso com a urgência em meu tom, arregala os olhos, uma expressão de perplexidade se desenhando em seu rosto, enquanto tenta entender a causa de minha reação alarmada.

- Eu mencionei que uma deusa de cabelos ruivos foi capturada por Máterum e...

Minhas entranhas se retorcem de angústia e minha mente dispara com um pensamento. - Lésnar!

Uma onda de inquietação me invade, fazendo com que eu retire minhas mãos da mesa num movimento brusco, cada músculo do meu corpo vibrando com uma urgência incontrolável. Cada segundo é precioso.

- Permaneçam aqui - ordeno com uma voz que tremula, embora tente manter a firmeza. Meu coração bate acelerado, cada batida um eco da pressa que me consome.

Saindo apressadamente da grande barraca, determinado a encontrar e resgatar Lésnar antes que seja tarde demais.

ATO III

Tanri, com um amuleto delicado em mãos, uma peça singular forjada de zérum maleável e um círculo de cristal arcririsiano esverdeado, adornado por grãos de areia cuidadosamente posicionados em seu centro; ergue o olhar, sua expressão marcada por uma expectativa séria.- O que você descobriu? - ele indaga, sua voz equilibrada, mas traída por uma leve urgência ao ver minha saída apressada da cabana.

Parado diante da cabana, com a mente ainda turbulenta pelas revelações recentes, respondo: - O nome deles são Lesus e Pólimos. - Faço uma pausa, olhando nos olhos de Tanri. - Eles parecem ser recém-nascidos, mas algo não se encaixa. Há uma forte possibilidade de serem espiões de Máterum. - Com um suspiro pesado, adiciono a informação que mais me aflige: - Descobri também que Lésnar foi capturada por Máterum.

- Lésnar?! - Exclama Zulfiqar, expressando impaciência. - Sei que ela significa muito para você, Zilevo. Mas nossa preocupação maior é com nosso irmão - ele confessa.

Tanri, após colocar o amuleto ao redor do pescoço, concorda com Zulfiqar, adicionando: - Ele tem razão. Já faz semanas que Ózis e Tempórious foram a Arcríris. Algo deve ter acontecido.

Theos, apoiado em uma árvore próxima, com uma expressão pensativa, sugere: - Precisamos enviar alguém a Arcríris para descobrir o paradeiro deles.

Antes que qualquer outra sugestão possa ser feita, Zulfiqar se adianta. - Eu irei! - Seu tom não deixa espaço para discussão.

A preocupação com Lésnar ainda palpita em meu peito, mas reconheço a necessidade da missão de Zulfiqar. - Sozinho? É muito arriscado - advirto, a voz carregada de preocupação não só por Lésnar, mas também pelo bem-estar de meu irmão. - Já estamos preocupados com quatro dos nossos, não podemos acrescentar mais um à lista.

- Eu sei me cuidar. Se Ózis foi capturado, é melhor que eu vá sozinho. - Seu olhar é firme. - Além disso, - Ele acrescenta, lançando um olhar significativo para Theos. - Como disseram, muitos de nós juntos só chamaria atenção.

Os olhos de Tanri se movem entre Zulfiqar e Theos, avaliando silenciosamente a situação, enquanto Theos, ainda apoiado na árvore, mantém uma expressão arrependida, ponderando as palavras de Zulfiqar.

A preocupação com Lésnar ainda é um nó em meu peito. A ideia de deixá-la nas mãos de Máterum é insuportável, e ainda assim, a responsabilidade de garantir a segurança dos outros também pesa sobre mim. Com um suspiro, admito a necessidade da missão de Zulfiqar, mas não sem expressar minha apreensão: - Tenha cuidado, Zulfiqar. Não podemos nos dar ao luxo de perder mais ninguém.

Zulfiqar assente com um aceno firme, sua postura irradiando uma confiança que ele espera que seja contagiosa. Ele entende os riscos, mas sua determinação em encontrar Ózis e Tempórious é maior que qualquer temor.

- Deveriam ver isso depois - proclama Urum inesperadamente, olhando para nós, pendurado de cabeça para baixo, seus pés firmemente enlaçados no galho da árvore acima. - Nosso verdadeiro problema são esses dois novos deuses - sua voz carregando um tom de seriedade incomum para sua personalidade usualmente descompromissada. Atitude que vem se tornando corriqueira com o passar dos anos.

Zulfiqar, surpreso com a presença súbita de Urum, franzindo a testa em desaprovação, questiona - O que está fazendo aqui, Urum? Era para estar treinando com Críngu - exalando irritação e preocupação em sua voz, típica de quem espera responsabilidade e comprometimento de um discípulo.

Urum desce do galho com um movimento ágil, pousando ao lado de Zulfiqar, suas palavras são diretas. - Preferi ver o que estava acontecendo aqui - responde Urum.

- Pois bem... - começa Zulfiqar, interrompido por Theos que atropela suas palavras.

- Urum tem razão - ele começa, sua expressão séria. - Se Lesus e Pólimos forem espiões, nos atacarão quando menos esperarmos.

Concordo com Theos, acenando solenemente. - É verdade, mas se não forem, podem ser aliados valiosos na batalha iminente - reitero, lembrando-os do aviso de ataque de Máterum na carta de Lésnar, e solicitando que Urum se juntasse à reunião.

Theos, se afastando da árvore, sugere com um tom calculista. - Podemos apresentá-los aos outros deuses e fingir que confiamos neles. Mantendo os sempre vigiados. Assim, se tentarem algo, saberemos e estaremos preparados para agir.

Tanri, analisando Theos atentamente, concorda relutantemente. - Não é o ideal, mas parece ser a abordagem mais sensata no momento.

Urum propõe com um brilho de astúcia nos olhos. - E se os apresentarmos aos outros deuses separadamente? - Ele gesticula com as mãos para enfatizar seu ponto. - Assim, se forem espiões, dificultaremos a conspiração entre eles.

Cada um de nós absorve a sugestão de Urum, ponderando as possibilidades e as implicações de tal estratégia.

Urum, com seu olhar perspicaz, se destaca na reunião. Seus olhos castanho-escuros brilham com uma intensidade que revela sua natureza estratégica, enquanto seus cabelos negros, arranjados em um coque perfeito, conferem-lhe um ar de refinamento guerreiro.

Concordo com a proposta de Urum, minha voz assumindo um tom de autoridade. - Vamos então separar Lesus e Pólimos. - digo, minha mente já avaliando as possíveis consequências de cada ação. - Tanri, fique responsável por Pólimos. Apresente-o a Críngu e aos outros. Theos, você fica com Lesus e o leva para conhecer o acampamento, mas nada sobre os locais críticos, como onde guardamos armas e armaduras. - Minhas instruções são claras, diretas, mas também cautelosas.

Enquanto falo, Zulfiqar, com um gesto fraterno porém firme, bofeteia a nuca de Urum, acompanhando o ato com um sermão em tom baixo, quase inaudível. Seu olhar para Urum é de irmão mais velho.

Theos, com uma expressão de leve confusão, caminha até a porta da cabana, espiando discretamente por uma pequena fresta. - Mas qual é Lesus e qual é Pólimos? - pergunta ele, tentando distinguir os dois deuses à distância.

Respondendo rapidamente, resumidamente os deuses. - Lesus tem os olhos azuis. Pólimos, os carmesins. - Em seguida, abro a porta da cabana completamente, revelando a luz do dia que banha o interior.

Me dirijo aos dois deuses, minha voz ressoando com um misto de comando e cordialidade. - Lesus. Pólimos. Por favor, sigam meus irmãos. Eles vão lhes apresentar o acampamento. - Meu olhar se fixa neles, tentando ler suas expressões, buscando qualquer sinal que revele suas verdadeiras intenções.

Lesus e Pólimos, embora mantendo uma postura calma, trocam olhares rápidos, quase imperceptíveis, que indicam uma comunicação não-verbal entre eles. Suas expressões permanecem neutras, mas uma leve tensão pode ser sentida no ar, como se ambos estivessem constantemente avaliando a situação.

ATO IV

Ao passo que os deuses abandonam o local, a atmosfera muda sutilmente. O ar, antes carregado com a tensão do desconhecido, agora parece mais leve, embora ainda permeado por uma sensação de cautela. Restamos apenas eu, Zulfiqar e Urum.

Zulfiqar, com um semblante sério, se volta para mim. Há um silêncio ponderado entre nós, como se estivéssemos reunindo nossos pensamentos antes de verbalizá-los.

Urum, ainda de pé, cruza os braços, seu olhar alternando entre Zulfiqar e eu. Ele emana uma energia de prontidão, como se estivesse preparado para entrar em ação a qualquer momento. Seu rosto jovem é uma máscara de foco e intensidade, demonstrando a seriedade com que ele encara a situação.

Eu me aproximo dos dois, sentindo a responsabilidade da liderança pesar sobre meus ombros. - Precisamos discutir nossos próximos passos - começo, quebrando o silêncio. - Zulfiqar, sua missão para Arcríris é vital. Precisamos saber o que aconteceu com Ózis e Tempórious. Tem certeza que não vai precisar de companhia? - Meu tom é firme, mas com uma preocupação fraterna.

Zulfiqar assente, compreendendo a gravidade da tarefa. - Sim, a furtividade é essencial. Quanto mais de nós, maior o risco de sermos detectados.

Concordo com um aceno de cabeça, reconhecendo a lógica em suas palavras. - Que assim seja. - Meu olhar então se desloca para Urum, ciente do laço que une os dois. Observo a expressão de Zulfiqar, percebendo a preocupação em seus olhos quando pensa em Urum. Lembro como ele o guiou e moldou em Salacrum, criando uma ligação tão profunda quanto a que Máterum tinha por nós.

Permaneço em silêncio por um momento, refletindo sobre a complexidade dos laços. - Certamente Urum aceitará, mas e Zulfiqar? - penso. Modelando um plano em mente.

Urum ostenta um corpo esculpido como resultado de árduo treinamento sob a tutela de Zulfiqar. Seus músculos são como pilares de força, firmes e imponentes, testemunhas de incontáveis horas dedicadas a aprimorar sua força e resistência. Cada linha definida em seu físico representa seu comprometimento e disciplina que investiu para alcançar tal forma.

Seu rosto, embora sereno, carrega a marca de uma jornada de aprendizado e superação. A cicatriz distinta em sua sobrancelha esquerda, um fino risco memorável, é um troféu conquistado em um dos intensos treinamentos com Zulfiqar. Essa cicatriz é mais do que uma lembrança de um duelo passado; é um símbolo de honra e resiliência, um lembrete constante da primeira vez que foi vencido por seu mestre. Simbolizando a determinação de Urum em evoluir e a profunda gratidão que nutre por ter um mentor tão astuto e habilidoso como Zulfiqar.

Enquanto observo Urum, minha confiança em sua capacidade para a missão que pretendo confiar-lhe se fortalece. Sua respiração calma e controlada, mostra uma serenidade conquistada através de uma mente treinada.

Assim, com um olhar firme e uma voz resoluta, decido abordar Urum sobre a missão crítica que tenho em mente, plenamente ciente de que ele é mais do que capaz de cumpri-lo. - Urum, - começo, pausando brevemente para medir minhas palavras. - há uma missão... é complicada e perigosa. Entenderei completamente se recusar.

Urum, com uma curiosidade aguçada, ajeita seu coque com um gesto familiar, um sinal de que está pronto para ouvir. - O quê? - Ele indaga, seu olhar fixo em mim, a intensidade de sua atenção clara.

- Quero que vá a Primárium. Procure por Lésnar e Réslar.

Zulfiqar, observando a troca, interrompe com uma preocupação evidente. - Não, Urum. Não é seguro. - Seu tom é assertivo, mas uma inquietação subjacente tinge suas palavras. Ele quer proteger Urum, um sentimento paternal se manifestando em sua expressão. Desejando conversar com Urum a sós, porém não obtendo sua aceitação.

- Ir a Arcríris também é - retruca Urum. - Confie em mim. Sou capaz - pede, um apelo por respeito e confiança, um discípulo buscando aprovação do mestre.

Zulfiqar, com um olhar preocupado, coloca as mãos nos ombros de Urum. - Confio, Urum, mas Primárium é um ninho de aliados de Máterum. Você pode ser capturado - ele adverte, sua voz baixa, marcada por um medo não expresso.

Urum, demonstrando uma determinação feroz, se desvencilha suavemente das mãos de Zulfiqar. - Não acontecerá. Não se preocupe. - Sua resposta é tranquila, mas firme, um testemunho de sua confiança em suas habilidades.

Zulfiqar murmura, quase inaudível. - Não há como ter certeza - encarando-o com relutância.

- Quando as encontrar, aja somente se for absolutamente necessário - instruo Urum, minha voz autoritária, mas com um entendimento silencioso de que, apesar das ordens, Urum agiria para proteger Lésnar e Réslar se necessário. Por isso, escolhendo-o para essa missão.

No fundo, sinto um frio desconfortável, uma consciência de que estou, talvez, cometendo o mesmo erro que Theos, que enviou Réslar e Lésnar para Primárium. Um dilema moral se agita dentro de mim, mas a urgência da situação sobrepõe qualquer hesitação. A missão é crítica, e Urum é o mais qualificado para executá-la, apesar dos riscos.

- Não se preocupe. Não farei nada precipitado - ele afirma, reiterando sua promessa a Zulfiqar. Sua postura reflete uma maturidade e seriedade que difere com sua habitual irreverência, revelando a profundidade de seu comprometimento com a missão.

Zulfiqar, com um gesto fraterno, coloca sua mão em meu ombro, um toque que transmite tanto apoio quanto preocupação. - Tome cuidado também, Zilevo. Esses novos deuses... Se forem espiões e perceberem uma oportunidade, eles vão agir. Não dê brechas.

- Sei disso. Se eu descobrir que são traidores, tomarei as medidas necessárias - desejando que tal fato não viesse a ocorrer. Minha mão involuntariamente se mexe com breve agitação.

Zulfiqar, com um olhar sombrio, prossegue, revelando suas suspeitas mais profundas. - E não tire os olhos de Theos também. Eu o amo, mas... - Sua voz se torna mais baixa, como se hesitasse em expressar sua desconfiança. - Ele enviou Réslar e Lésnar sem nos consultar. Às vezes penso que ele faria qualquer coisa para destruir Máterum, até mesmo nos sacrificar. Acredito que as enviou como suicidas somente para ferir ou até matar Máterum.

Essas palavras fazem com que uma inquietação cresça dentro de mim. - Theos é complicado, mas ainda é nosso irmão - argumento, tentando manter um equilíbrio entre a lealdade e a prudência. - Sei que ele é o que mais tem razões para odiar Máterum. Mas trair a família? Isso é algo que eu não consigo imaginar ele fazendo. - Ainda que irritado com a atitude de Theos, incapaz de imaginá-lo conspirando contra nós.

Zulfiqar, com um olhar pensativo, continua. - Às vezes, tenho medo de que ele vá longe demais em sua sede de vingança... - pondera Zulfiqar, expondo sua relutante aceitação dessa possibilidade sombria.

Essas palavras pesam sobre mim, uma sensação de déjà vu me envolvendo. Sinto-me dividido entre a lealdade a meus irmãos e Lésnar; o temor de estar cometendo um erro ao enviar Urum para Primárium, priorizando meus sentimentos pessoais acima de tudo. A linha entre proteção e perigo se torna turva, e a complexidade de nossas relações e lealdades se entrelaça em um nó difícil de desatar.

Com firmeza, Zulfiqar declara sua intenção de partir para Arcríris. - Preciso eu ir agora. Quanto antes trazer Ózis e Tempórious de volta, melhor.

- E eu partirei em busca de Réslar e Lésnar - participa Urum que se silenciou com os receios de Zulfiqar.

Nesse momento, uma voz frágil sai da floresta, interrompendo o pesado ar de determinação. - Eu... o que? - A voz, quase um sussurro, atrai a atenção de todos.

Lésnar aparece, seu andar trôpego e incerto entre as árvores, sua figura marcada pela exaustão e ferimentos. Seus passos são incertos, e seu corpo parece desistir a cada movimento. Desmaiando bruscamente logo em seguida.

            
            

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