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ATO V
- Lésnar! - exclamo, correndo em sua direção, meu coração disparando com um misto de alívio e pavor. Consigo alcançá-la a tempo, segurando-a firmemente em meus braços antes que ela desabe no chão. Seu corpo cai sem forças, rendido ao cansaço e à dor.
Seu corpo é leve nos meus braços, mas sinto um arrepio gélido apertar meu coração, um temor profundo ao ver o estado em que ela se encontra. Cuidadosamente, carrego-a para dentro da barraca. Minha mente corre com a angústia e o alívio de tê-la de volta.
Os outros observam em silêncio, chocados com a súbita aparição e o estado de Lésnar. Zulfiqar, com um olhar preocupado, segue-me até a entrada da barraca, enquanto Urum, que até então estava pronto para uma missão arriscada, permanece imóvel, confuso e preocupado, com os olhos fixos na figura frágil de Lésnar.
Com passos cuidadosos, adentro a cabana, sentindo o peso da responsabilidade enquanto carrego Lésnar em meus braços. Ela está frágil e ferida, seu corpo uma silenciosa declaração de tudo que sofreu. Delicadamente, a deposito sobre um leito improvisado, cada movimento meu é gentil, tentando minimizar seu desconforto. Seu rosto, mesmo em repouso, carrega traços de dor.
- Zulfiqar, vá atrás de Ózis. Eu cuidarei de Lésnar! - minha voz é firme, mas um tremor subjacente revela minha ansiedade. Sinto a urgência de cada segundo, a necessidade de agir.
Lésnar, em meio a um estado febril, mal consegue formar palavras. - Réslar... Ajudem minha irmã! - ela murmura com esforço, seus olhos implorando. Sua pele está escaldante ao toque, sinalizando a gravidade de sua condição.
- Não se preocupe, nós a salvaremos - prometo, acariciando suavemente seus cabelos. Uma onda de emoções me invade; alívio por tê-la de volta, preocupação por seu estado precário, e uma determinação feroz de protegê-la. - Agora você está segura - asseguro, enquanto tento afastar pensamentos sombrios que ameaçam ofuscar minha alegria. - Urum, vai avisar os deuses de que Lésnar retornou.
- Imediatamente - ele diz, e se apressa para fora, para informar os outros deuses sobre o retorno de Lésnar.
Zulfiqar, hesitante, questiona: - Tem certeza de que não precisa da minha ajuda? - Seu olhar é apreensivo, não só por Lésnar, mas também por mim.
As palavras que desejo dizer ficam presas em minha garganta. - Fique e me ajude - penso, mas tudo que consigo dizer em voz alta é um "Tenho!" involuntário. Talvez, pela ansiedade do aparecimento repentino de Lésnar.
- Encontre nosso irmão e o traga de volta para casa - digo com mais firmeza, apoiando a cabeça de Lésnar em meu colo. Meus dedos involuntariamente abrem e fecham, o reflexo visível da ansiedade e do conflito interno que sinto.
Zulfiqar assente e se retira silenciosamente. A luz fraca que penetra a cabana joga sombras sobre sua figura. Seu contorno é banhado por um brilho dourado difuso, que se estende e se retrai a cada movimento. Ele se detém por um instante no batente da porta, como se quisesse dizer algo mais, mas ao invés disso, apenas lança um último olhar significativo em minha direção.
Conforme ele abre a porta, um sussurro suave preenche o ambiente, como se a própria cabana estivesse respirando. A porta se fecha atrás dele, e a cabana é envolvida em um silêncio momentâneo, uma pausa antes da conclusão.
Deixado a sós com Lésnar, sinto a realidade do momento se aprofundar. A penumbra crepuscular da cabana cria um ambiente íntimo, quase sagrado, onde cada respiração parece carregar um significado maior. No entanto, a sensação de estarmos verdadeiramente sozinhos é fugaz, interrompida por uma presença sutil, quase imperceptível, que insinua que algo mais, ou alguém mais, está conosco neste momento.
Enquanto meus dedos da mão direita dançam nervosamente no ar, a mão esquerda afaga gentilmente os cabelos de Lésnar. Sinto o peso de cada fio sob meus dedos, um contraste com a leveza com que breves e confusos pingos lustres passeiam entre meu rosto ao gramado.
- Finalmente, está de volta meu amor. - murmuro, minha voz embargada pela emoção. - Você me fez temer por sua vida. Mas agora você está aqui, segura nos meus braços. - A proximidade dela em meus braços traz um conforto paradoxal, mesclado com um medo profundo. Eu a aperto suavemente contra mim, temendo que qualquer força adicional possa de alguma forma quebrar a fragilidade do momento.
A medida que seguro Lésnar em meus braços, um leve tremor percorre meu corpo, um presságio de algo indefinido e preocupante. Enquanto meus olhos se perdem no rosto dela, uma melancolia discreta se infiltra em meu coração. Sinto um misto de emoções conflitantes que me consomem por dentro. O amor que nutro por ela é genuíno e intenso, uma conexão que transcende o tempo e o espaço. Porém, há algo mais, uma sombra que se esgueira por trás das minhas ações, ocultando-se nas profundezas da minha mente.
- E se não pudermos estar juntos para sempre? - A ideia é tão aterradora que não me atrevo a dar-lhe voz. Em vez disso, permaneço em silêncio, temendo que minhas palavras possam de alguma forma tornar essa possibilidade realidade. - E se for eu, de alguma forma, a causa desse mal iminente?
Cada olhar, cada toque, se torna um tesouro que tento gravar na memória. Quero preservar cada fragmento dela, cada expressão, cada gesto, temendo que esses momentos possam em breve se tornar apenas lembranças. Há uma tristeza, que não é minha, se entrelaçando com a alegria do reencontro, trazendo uma sensação de que talvez estejamos nos aproximando de uma encruzilhada que pode mudar tudo entre nós.
Os olhos de Lésnar se erguem por um momento para mim, um brilho melancólico em seu olhar. Quando ela fala, sua voz, embora fraca, distância qualquer barulho que possa a atrapalhar. - Zilevo, preciso que você me ouça... - sua súplica é quase um sussurro.
- Não fale muito, meu amor. Primeiro descanse...
- Não há mais tempo, Zi - ela expressa, gerando um semblante confuso em meu rosto com sua declaração. - Eu sempre soube que nosso tempo juntos era um presente precioso. Cada momento que passei ao seu lado foi uma eternidade de felicidade. Você me deu mais do que eu jamais poderia pedir. - ela diz, e cada palavra parece uma gota de orvalho prestes a cair, repleta de um significado que não consigo entender.
Tento buscar nos olhos dela alguma pista, algo que explique suas palavras. - Como não há mais tempo? Você está falando como se... Não, não pode ser verdade. Nós temos tanto ainda para viver juntos. Por que está falando assim, meu amor? O que está acontecendo?
Os olhos de Lésnar evitam os meus durante o questionamento, como se quisesse poupar-me da verdade. - Às vezes, precisamos fazer escolhas difíceis, escolhas que mudam o curso de nossas vidas. Eu fiz a minha, e agora, eu preciso que você seja forte. Mais forte do que jamais foi.
- Não diga mais nada que soe como uma despedida - imploro, a voz embargada pela emoção. - Eu não posso... não quero ouvir isso.
- Mas é uma despedida, meu amor. Nosso tempo está chegando ao fim.
A negação inunda meu ser. - Não. Isso não é verdade. Eu não aceito isso. Você só está cansada - digo, sentando na grama e a colocando em meu colo. - Lembra-se de Salacrum? Vamos lutar juntos como naquela vez. Como sempre fizemos. Como sempre vamos fazer.
Ela sorri para mim, um sorriso de tristeza. Sua mão trêmula se levanta para acariciar meu rosto, um gesto de carinho que parece tocar minha essência. - Às vezes, a luta mais corajosa é aceitar o que não podemos mudar - um brilho aquoso cintilando em seus olhos negros. - Eu vejo isso agora...
Meu coração se aperta com cada palavra. Há um abismo de emoções entre nós, uma verdade que ela compreende e que eu me recuso a aceitar.
Balanço a cabeça, recusando-me a aceitar suas palavras. - Tudo se muda, só se precisa acreditar - rebato, agarrando-me à frágil esperança, recusando-me a aceitar a realidade que ela insinua. Meu olhar implora por uma resposta diferente, por um desfecho que não seja marcado pela sua perda.- Diga-me o que está acontecendo. Por favor.
Lésnar me encara com um amor que transcende palavras, e sua voz, embora enfraquecida, ressoa com uma sinceridade que toca minha essência. - O que está acontecendo é que eu te amo, e isso sim, nunca mudará - e nessa simplicidade, encontro a verdade mais pura e inabalável.
- Sem você...
O toque suave de suas mãos nas minhas me silenciando. Seu silêncio dizendo mais do que qualquer palavra poderia expressar.
- Não - sussurro, minha voz um mero fio, minha cabeça balançando em uma negação desesperada.
Lésnar, com uma força que desafia sua condição frágil, me olha diretamente nos olhos, transmitindo uma mensagem que vai além das palavras. - Meu Sentimento, você sempre foi a luz em minha escuridão, a coragem em meus momentos de medo. Mas agora, eu preciso que você seja forte... forte por nós dois. - Suas palavras são como folhas ao vento, suaves, mas contendo um peso que sinto no coração.
- Então me deixe partir com você. Eu não sei como ser forte sem você. Nem tenho motivos para ser.
"A perda de um pai. A perda de um amor. Por qual motivo viver, se a vida é feita de perder."
- Não, Zilevo. Você sempre teve essa força, mesmo antes de me conhecer. Ela está dentro de você, meu amor. Prometa-me que vai continuar, que vai lutar...
Balanço a cabeça em uma promessa silenciosa enquanto meu âmago grita em contradição. - Mas não faz sentido sem você.
Lésnar se aproxima, seus lábios quase tocando os meus. - Amor, minha partida não é o fim de nós. É apenas um novo começo... uma mudança necessária. Quando estiver triste, não se sinta solitário, pois eu estarei ao seu lado. Ainda que não me veja, estarei com você.
- Mas eu não poderei ver você
- Mas me sentirá - ela assegura, colando sua testa à minha, selando uma promessa.
- Eu te amo, Lésnar. E sempre amarei - declaro, com um amor que transcende Marum.
- E eu te amo, meu eterno Sentimento.
Com um último olhar, ela se inclina, depositando um último beijo suave nos meus lábios, um adeus silencioso, um gesto final de amor eterno, transcendendo o tempo e o espaço, selando um laço que, embora transformado, nunca será quebrado.
Sua cabeça pousa em meu colo com os olhos fechados. E um sussurro, um ultimo pedido encontra meus ouvidos. - Cuida de Réslar. Ela é... é parte de mim.
- Não se preocupe, cuidado dela - prometo, observando-a descansar em meu colo. - Por favor, Lésnar, fique segura. Que essa despedida seja apenas uma ilusão passageira. Eu não estou pronto para te deixar partir - suplico em silêncio, embora cada palavra pareça uma admissão da inevitável verdade.
Enquanto um sorriso forçado tenta mascarar minha insegurança, uma batalha interna acontece sem que eu compreenda plenamente sua natureza. É como se um véu cobrisse minha percepção, distorcendo a realidade e influenciando minhas ações. Eu me debato entre a alegria de tê-la ao meu lado e a angústia de saber que algo sombrio está se aproximando.
Conforme tento permanecer presente no momento, eu luto para conter a angústia, expressa por Lésnar, que ameaça emergir. É como se algo precioso estivesse escorrendo por entre meus dedos, e eu desesperadamente tentasse segurá-lo, sem saber ao certo o que estava por vir.
A dualidade dessas emoções encontra-se nos silêncios compartilhados e nas palavras não ditas, uma dicotomia que eu não posso explicar ou compreender. alheio ao papel que estou destinado a desempenhar neste enredo trágico, uma tragédia que se revela apenas nas entrelinhas dos acontecimentos.
E então, uma voz tristonha nasce da dualidade e se lamuria no corpo da amada. - Sinto muito, minha pequena... - obscurecendo a visão de Zilevo e o tomando por completo.
"Não chores! Clama aos prantos, o corpo ao coração. A eternidade em busca de salvá-la, embora como o pai, incapaz. Não lembrar, benção que o faz odiar. Quando lembrar, odiar-se-á."